Joel Pereira: “Sonho jogar a fase de grupos da Liga dos Campeões”

joellech(A terceira época de Joel Pereira no Lech Poznan está a começar da melhor forma: em dois jogos, soma duas assistências e duas vitórias.)

Perfeitamente adaptado à Polónia, para onde se mudou em 2021, Joel Pereira, que cumpre a terceira temporada com a camisola do Lech Poznan, está a ter um excelente começo em 23/24: o lateral direito soma duas assistências em outros tantos jogos, com a sua equipa a vencer ambas as partidas.
Produto da formação de FC Porto e Vitória SC, o jogador natural de Vila Nova de Gaia estreou-se como sénior na equipa B vimaranense, passando depois por Académico de Viseu, DOXA (Chipre), Omonia (Chipre), Spartak Trnava (Eslováquia) e Gil Vicente até reforçar o Lech, por quem se sagrou Campeão na época de estreia.
Atualmente com 26 anos, Joel Pereira assume nesta entrevista, sem rodeios, que se vê capaz de chegar a um dos 5 principais campeonatos europeus, ele que é internacional português no escalão Sub-16 e tem a ambição de ser eleito o Defesa do Ano na principal Liga Polaca:

À Bola pelo Mundo/Conversas Redondas: Uma assistência na primeira jornada da Liga polaca e outra na pré-eliminatória da Liga Conferência. É para manter essa média (risos)?
Joel Pereira: Se puder manter, assino já por baixo (risos)! É uma fase que não vai durar para sempre, como é óbvio, mas enquanto durar, vou desfrutar.

Nos últimos anos tens-te destacado muito no capítulo das assistências. Tens feito algum trabalho específico, nomeadamente desde que chegaste à Polónia?
Nos primeiros anos enquanto sénior jogava em clubes que atacavam menos, era diferente o estilo de jogo. Este estilo de jogo aqui no Lech Poznan favorece-me mais. Já conheço muito bem um grande núcleo de jogadores da equipa e isso ajuda muito, e o pessoal que veio este ano também veio acrescentar e tem corrido muito bem para todos.

Quais são os objectivos para esta época, individuais e colectivos?
Individuais é manter no mínimo os mesmos números das duas épocas anteriores aqui na Polónia, que foram bons, e continuar no mínimo a ser nomeado para Defesa do Ano – não ganhei, mas este ano vou atrás disso. Tudo o que vier é acréscimo. Colectivamente, em termos internos o objectivo é lutar por todos os títulos: Campeonato e Taça. Na Europa, é chegar o mais longe possível como no ano passado. Claro que sabemos que é uma missão quase impossível, mas vamos atrás do sonho.

(Em 20/21, Joel Pereira estreou-se na I Liga Portuguesa pelo Gil Vicente.)

Estás na terceira época na Polónia. O que gostas mais no país e no clube em si?
O clube, os adeptos… É uma coisa inexplicável. Só mesmo sentindo o estádio, o que é ir na rua e todas as pessoas te conhecerem. És um “ídolo”. É muito bom. Claro que quando as coisas não correm bem também não é bom receber mensagens de ódio, mas isso faz parte em todo o lado. No geral, o ambiente é muito bom em todos os estádios. Se calhar, é algo desconhecido para muita gente, mas quem anda dentro do futebol sabe que aqui é muito diferente de Portugal. Sem contar com os três grandes, é incomparável.

E como descreves o futebol na Polónia? Surpreendeu-te de alguma forma?
Sabia que ia ser físico, mas não esperava que houvesse tanta qualidade individual. Há muitas equipas a jogar bom futebol, mas acho que ainda falta alguma evolução, o jogo ainda parte muito, há muitas transições. Mas ano após ano, acho que temos vindo a mudar a mentalidade do campeonato. Temos evoluído bastante.

No primeiro ano tiveste um treinador polaco [Maciej Skorza], e desde o segundo estás com um neerlandês [John van den Brom]. Há diferenças entre ambos?
O treinador polaco conhecia mais o campeonato, era mais rato. Conhecia todas as equipas, os jogadores, a maneira de lidar em cada jogo. Conhecia tudo. E foi isso, a ambição, a exigência dele internamente, que nos levou ao título. O neerlandês quer um futebol mais apoiado, mais bonito, mais atrativo, e dá-nos liberdade. Eu posso ir para o meio, desde que o médio compense na minha posição.

(A primeira experiência internacional do gaiense foi com a camisola dos cipriotas do Doxa na temporada 18/19.)

A época passada, apesar de abaixo da anterior a nível interno, acabou por ser considerada positiva pelo grande trajecto na Liga Conferência (o Lech chegou aos quartos-de-final)?
Sim, porque ninguém esperava, nem no clube nem no país. E andámos perto de passar a Fiorentina! Foi muito bom, até pela forma como tínhamos saído da qualificação para a Liga dos Campeões, onde levámos um amasso do Qarabag. Abalou-nos um bocadinho, mas depois mantivemos sempre a bitola alta na Liga Conferência.

E adaptaste-te bem? É um futebol que se adequa às tuas características? Também tiveste três colegas portugueses…
Sim, já cá estavam o [Pedro] Tiba e o [João] Amaral, depois chegou o [Pedro] Rebocho. Mas mesmo os polacos receberam-nos muito bem. Este é o melhor balneário que tive na carreira, é inexplicável. O polaco no geral é muito frio, distante, mas nós tivemos muita sorte de apanhar estes polacos. Mas também ajudou termos trazido qualidade ao plantel, eles perceberem que viemos para ajudar. Foi um grupo que se uniu desde o início, fomos atrás do objectivo principal, que no primeiro ano era o título, e conseguimos. A partir daí foi o alavancar de tudo, até porque o núcleo duro continuou no clube.

O que te levou a ir para a Polónia no verão de 2021, depois de uma época de estreia na I Liga onde foste titular indiscutível no Gil Vicente?
Tinha uma proposta de renovação do Gil Vicente, e era boa, e tinha mais algumas abordagens da I Liga. Mas o que me levou a aceitar a proposta do Lech Poznan foi indiscutivelmente a questão financeira, se dissesse o contrário estaria a mentir. A diferença para o que o Gil me propôs era muito grande. E também sabia que o objectivo naquele ano, que era o ano do centenário do clube, era lutar pelo título de campeão, o que também me fez pensar. Mas acima de tudo foi o dinheiro, sem dúvida.

(A experiência de Joel Pereira no Spartak Trnava acabou por ser bem mais curta do que o esperado devido ao surgimento da pandemia.)

Fizeste parte da formação no FC Porto e depois no Vitória SC. O que guardas dessas experiências?
Aprendi muito no FC Porto, com treinadores e jogadores incríveis. Mas onde fui mais feliz foi nos dois anos de júnior no Vitória. Correu tudo muito bem, senti-me valorizado, que era o que precisava na altura. Desfrutei de torneios, de colegas incríveis, de viagens… E é isso que fica. No futebol sénior já é totalmente diferente.

Saíste depois para o Académico de Viseu por vontade própria, dada a pouca utilização na equipa B do Vitória?
Sim, não estava a jogar tanto quanto gostaria e naquela idade queria era jogar e mostrar-me. Apareceu o Académico de Viseu, achei que era uma boa oportunidade, era a II Liga. Salvámo-nos da descida no play-off e no ano seguinte quase que fazíamos história subindo à I Liga, por isso acho que foi o passo certo.

Foste eleito o melhor lateral-direito da II Liga e entretanto vais para o Chipre. Porquê? Tinhas como objectivo jogar no estrangeiro?
Sim, foi sempre um sonho, nem sei explicar bem porquê. Queria experimentar realidades diferentes e sempre foi um sonho ir para fora. Na altura apareceram muitas propostas, porque eu não tinha contrato, e o DOXA foi o mais rápido a aparecer com uma proposta concreta. E eu naquela altura, com 21 anos, vi o salário que eles ofereceram e achei que ia ficar rico (risos), e então parti à aventura. Felizmente apanhei uma pessoa incrível, o meu empresário [Bernardo Vasconcelos] é inexplicável e tudo o que traçámos desde então como objectivos tem-se vindo a concretizar.

(Foi no Vitória SC que o lateral completou a formação e subiu a sénior.)

Era um salário comparável com o que estás a ganhar na Polónia?
Não. Muito abaixo! Mas ainda assim, era muito superior ao que eu recebia na altura no Académico de Viseu. Hoje percebo que aquele ordenado não dava para nada, mas na altura parecia muito. Mas foi giro, adorei estar no Chipre, é uma ilha incrível, inacreditável para férias. Calor o ano todo, praias… Temos é de conseguir separar essa parte do futebol, e eu felizmente soube fazê-lo.

No DOXA fizeste uma grande época e acabas por ser contratado pelo Omonia, mas essa temporada já não correu tão bem… Foi a pior da tua carreira?
Sem dúvida. No DOXA a época correu-me muito bem, apareceram vários clubes e optei pelo Omonia por ser um clube grande, histórico, com adeptos inacreditáveis, e o treinador fez uma força incrível para eu ir. Assinei, pré-época tudo tranquilo, começámos o campeonato comigo a titular, ganhámos 2-0 contra o DOXA; no jogo a seguir tirou-me… e foi até Janeiro, só joguei para a Taça. Nunca me deu qualquer explicação, só me disse que estava nervoso naquele jogo de estreia. Em Janeiro decidi que queria sair porque precisava de jogar e emprestaram-me ao Spartak Trnava, que era treinado pelo mister Ricardo Chéu. Fizemos pré-época na Turquia, depois vamos para a Eslováquia, faço 2 ou 3 jogos como titular e depois… vem o covid, fecha tudo e o Joel fechado na Eslováquia! Foi uma época para esquecer.

E de repente, aparece o Gil Vicente e a oportunidade de te estreares na I Liga. Como é que isso aconteceu?
Eu tinha mais 2 anos de contrato com o Omonia, eles não demonstraram muito interesse que eu continuasse, até porque o treinador tinha ficado e por isso ia ser mais do mesmo. Eu queria resolver o meu futuro e tive muita sorte porque no Gil Vicente, o Alex Pinto não quis renovar e foi para o Farense e depois o Fernando Fonseca também acabou por ir para o Paços de Ferreira. Abre ali uma janela para mim, foi o destino ou Deus que me deu mais uma oportunidade. Tive literalmente uma época sem jogar, vinha do Chipre, nunca tinha jogado na I Liga e apareceu uma oportunidade. Surpreendeu-me muito. Sabia que tinha feito boas campanhas na II Liga e nessa altura tinha tido oportunidade de ir para a I Liga, mas nunca pensei sair do Chipre de um ano sem jogar e ir para uma equipa da I Liga. Mas as oportunidades surgem por alguma razão e eu consegui agarrar a minha.

(Joel Pereira, aqui em ação pelo Omonia diante do Anorthosis, não teve uma passagem feliz pelo emblema verde e branco.)

E foi o que esperavas?
Infelizmente jogámos sem adeptos o ano todo, mas gostei muito de jogar na I Liga. Há muita qualidade. O jogo não é tão físico, com tantas bolas longas como na II Liga, que é um jogo mais directo. Na I Liga joga-se futebol com qualidade, com intensidade e com sentido.

Porque achas que isso acontece na II Liga, sendo que muitos dos treinadores que por lá andam já têm muita experiência de I Liga?
Acho que os treinadores acabam por se adaptar ao plantel que têm. Porque o objectivo de muitas equipas na II Liga é subir, e não dá para todas! A II Liga é uma guerra! Muito competitiva, qualquer equipa pode ganhar a qualquer equipa.

E depois de uma época como titular no Gil Vicente, surge a hipótese de ir para a Polónia para a melhor época da tua carreira…
Sim, essa época foi inesquecível. Pelo título em si, por ser o ano do centenário do clube… Foi tudo perfeito. Só não ganhámos a Taça, porque de resto fomos muito superiores.

Tiveste outros convites de Portugal antes de aceitares o Lech Poznan?
Tive o Gil, tive conversas com o Moreirense, mas o salário era muito inferior. Claro que se me aparecesse um Vitória ou um Braga, o pensamento seria diferente, com máximo respeito pelo Gil, tenho a maior gratidão, mas é diferente, mesmo os salários. E eu pensei na minha família, no meu futuro porque, como já tenho ouvido alguns jogadores dizerem, as medalhas não me dão de comer, nem os títulos. Por isso fui atrás do aspecto financeiro, é a realidade.

(Ao serviço do Académico de Viseu, o defesa registou 36 jogos em época e meia.)

Sendo que curiosamente acabaste por conseguir medalhas e títulos com essa escolha (risos)!
Exactamente (risos)! Se pudermos juntar as duas coisas, perfeito!

Como é viver na Polónia? O clima, o país, as pessoas, a comida, a comunicação…
As pessoas são frias. A comunicação não é fácil porque as pessoas normalmente não falam inglês, e as que falam não querem fazer o esforço porque és estrangeiro. Mas a vida é tranquila, vamos a cafés, a restaurantes (mais internacionais, não comemos muita comida tradicional), dar um passeio. O problema é o frio, quando está muito é impossível sair. Não vou pôr a minha filha no frio, porque fica doente e depois passamos uma semana em casa com ela doente. Então optamos por ficar em casa ou ir a sítios mais fechados. O ano passado acabei por ter pouco tempo para a família porque jogávamos de 3 em 3 dias, estávamos sempre em viagens, as daqui de camioneta são muito longas, e depois para a Europa de avião íamos um ou dois dias antes. Foi uma correria autêntica. E que este ano seja igual, era bom sinal!

Tens algumas histórias engraçadas ou caricatas que já tenhas vivido aí?
Na segunda mão da Liga Conferência, jogámos em casa contra uma equipa da Islândia, o Vikingur. E passámos a eliminatória só após prolongamento. Passámos, festejámos, mas eles eram uma equipa semi-profissional e os nossos adeptos não gostaram nada e fizeram-nos uma espera à porta do estádio! E não saímos do estádio até ir falar com eles e dar-lhes justificações de porque é que não tínhamos ganho sem ser no prolongamento!

(Entre 2011 e 2012, Joel Pereira foi 7 vezes internacional Sub-16 por Portugal.)

Onde é que gostaste mais de jogar? Que futebol se adequou mais às tuas características?
Adorei jogar em Portugal, o campeonato é muito melhor, sem dúvida, mas aqui estou num clube grande e cujo estilo está adaptado às minhas características. A equipa gosta de jogar futebol, não gosta de bater bola na frente, e o treinador também fomenta isso, e é bom para mim. Atacamos muito mais do que defendemos e eu gosto disso.

Onde consideras que evoluíste mais na carreira desde o início? E onde achas que ainda precisas de evoluir mais?
Desde que cheguei à Polónia, evoluí muito no jogo interior, no jogo entre linhas. Eu sou um lateral, normalmente o lateral fica mais fixo na linha, mas desde que cheguei aqui, o treinador quis muito que eu jogasse quase como médio centro, 8. E este treinador neerlandês dá-me liberdade total para eu fazer o que quiser dentro do campo. Para melhorar, diria o jogo aéreo. Não é importantíssimo, mas é. E se calhar ser mais agressivo.

Quem são os teus ídolos de infância ou em que te revias/revês na tua posição?
A minha referência foi sempre o Ronaldinho. É totalmente o oposto da minha posição, mas foi quem sempre admirei. Apaixonei-me pelo futebol muito por causa dele. As referências como defesa-direito… Gostava muito do Lahm, gosto muito do Kimmich (que agora joga no meio), do Arnold do Liverpool e do Cancelo, é incrível, tem mais qualidade tecnicamente do que muitos extremos.

(Contratado pelo FC Porto ao Perosinho, o gaiense representou os dragões durante 6 anos.)

Que treinador mais te marcou?
Gosto muito dos que apanhei aqui na Polónia, porque me deram muita confiança. Mas vou dizer o mister Luís Castro, que apanhei no Vitória em juniores, estava agora no Benfica B, e também o Ricardo Soares, que me fez crescer muito jogador. É um treinador muito acima da média. Adorei trabalhar com ele, aprendi muito. Vai ter muito sucesso na carreira, e merece esse sucesso porque é mesmo muito bom treinador.

O que ainda te falta atingir na carreira? Foste internacional (sub-16), achas que ainda irás conseguir regressar à selecção?
Sonhos possíveis… Gostava de atingir a fase de grupos da Liga dos Campeões. Não sou obcecado por isso, mas gostava de conseguir esse sonho. A selecção… temos de ser conscientes, está muito bem servida na minha posição e não vai ser um jogador do Lech Poznan a ser convocado, nunca aconteceu, só vão jogadores das equipas grandes e é normal, por isso é que estão nessas equipas. Além disso, é conseguir sempre melhores contratos para melhorar a minha vida e a da minha família. Esse é o objectivo principal.

Mas não te vês a chegar, por exemplo, a um campeonato do top-5 europeu?
Eu ambicionava muito isso, por isso disse que gostava de jogar na fase de grupos da Liga dos Campeões, porque normalmente são quase só equipas dessas ligas que lá chegam. Tenho a certeza que tenho qualidade para jogar num desses campeonatos, mas… a oportunidade precisa de aparecer. Irei atrás do meu sonho até ao fim da carreira, mas pensando dia a dia, fazer os meus jogos e os meus números. O que vier, cá estaremos para analisar.

(Joel Pereira, Pedro Rebocho e João Amaral formavam parte da “armada lusa” que se sagrou Campeã pelo Lech Poznan em 2021 – falta na foto Pedro Tiba.)

Para finalizar, uma curiosidade: a tua companheira é ex-jogadora de futebol, certo?
Sim. E jogava a defesa-direito (risos)! Vou ter de afastar a minha filha dos estádios, isto está-lhe no sangue (risos)!

E ela gosta de futebol e de acompanhar? Dá-te conselhos, faz críticas?
Sim, ela percebe muito de futebol. Falo de tudo com ela, análise futebolística, tudo. No fim dos jogos pergunto o que ela achou e acredito 100 por cento no que ela diz, porque ela dá a opinião sincera, se achar que eu joguei mal diz! E é isso que eu quero ouvir, não é dizer que estou sempre bem porque somos namorados, isso não ajuda ninguém.

Chegaste a vê-la jogar? Tinha características parecidas com as tuas?
Eu já a vi em fim de carreira, ela jogava no Leixões. Depois começou a trabalhar e juntou-se comigo, depois fomos para Viseu e deixou o futebol. Depois ainda voltou uns meses no Viseu 2001, porque o campo ficava mesmo ao lado de onde eu treinava, mas vi muito pouco dela para poder dizer se era parecida comigo. Mas dizem que era muito boa jogadora!

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