É difícil não associarmos João Pedro ao Boavista: com uma formação 100% cumprida nos axadrezados, por quem foi Campeão Nacional de Juniores, o médio defensivo foi lançado por Jaime Pacheco na I Liga em 2005.
Apesar da grande ligação aos boavisteiros, o médio acabou por nunca ser uma aposta efetiva do clube, e, em quatro anos, foi três vezes emprestado: Ermesinde, Beira-Mar e União de Lamas.
O Chipre foi o único País estrangeiro onde se aventurou, tendo representado ASIL, Digenis e Doxa, por quem foi Campeão da II Liga, além de ter passado por Gondomar e Cinfães, ambos no terceiro escalão do nosso futebol.
Esta época, seis anos depois de ter deixado de jogar devido a uma lesão grave num pé, João Pedro voltou aos relvados para representar o Alfenense dos Distritais da AF Porto.
Aos 36 anos, o médio que representou Portugal no Europeu de Sub-19 em 2003, concedeu uma entrevista ao nosso blog onde revisitou toda a sua carreira:
Conversas Redondas: Em 2014, depois de fazer 5 jogos pelo Cinfães no Campeonato de Portugal, deixou de jogar futebol com 29 anos. Porquê?
João Pedro: Na minha última passagem pelo Chipre, em 11/12, tive uma entorse, que é uma lesão simples de curar, normalíssima de acontecer no futebol, mas como estávamos numa fase importante do campeonato, em que já tinhamos subido mas queríamos ser Campeões, eu parei só uma semana e na seguinte fiz tratamento e voltei a treinar, com muitas dores, para poder jogar contra o nosso adversário direto na luta pelo título. Entretanto a época acabou, eu voltei para Portugal para me tratar e ao fim de um mês, dois meses, parecia que não tinha melhorias. Achava estranho tanto tempo para curar uma entorse. Estive ano e meio sem jogar e, nesse período, fui a várias consultas, em que numa das quais, no Hospital da Prelada, no Porto, expliquei ao médico o que tinha acontecido, que já tinha feito, inclusive, três infiltrações e a última correu mal porque queimou-me dois nervos no pé, e questionei-o se podia fazer uma atroscopia para limpar o pé, ao que ele me responde: “João, posso fazer isso, mas se te acertar onde não devo, corres o risco de ficar sem pé”. Aí, cumprimentei-o, agradeci-lhe e vim-me embora. Depois disso surgiu o Cinfães, decidi arriscar e ainda fiz alguns jogos, mas vi mesmo que não valia a pena continuar e tive de mudar de vida.
CR: Mas esta temporada, depois de alguns anos parado, voltou ao futebol para jogar no Alfenense. O que o motivou a regressar logo num período tão difícil como aquele em que vivemos de há um ano para cá?
João Pedro: A motivação, muito sinceramente, não era muita porque tinha deixado pelos motivos que deixei e já me tinha “desligado” da ideia de ser jogador de futebol. Aliás, quando o Rui, que é o treinador e é um amigo de longa data de quem já fui adjunto, me ligou, pensei mesmo que era para essa função que ele me estava a convidar. Mas ele sugeriu-me jogar, que a este nível chegava perfeitamente, e eu não queria porque tenho a minha filha comigo semana sim semana não, e ia perder muitos momentos com ela, como jantar três vezes por semana mais o almoço em dia de jogo, por exemplo, e isso custa-me. É a pessoa mais importante que tenho na vida e por ela eu não queria voltar. Acabei por falar com ela, ela pensou, e quando digo que pensou acaba por ser engraçado porque pensou mesmo (risos), e disse-me para eu jogar. Pelo meio, o meu irmão, que também conhece o treinador, ligou-me, deu-me outras perspetivas da situação e eu acabei por aceitar. A lesão está cá mas dá perfeitamente para jogar, não me limita a 100%. E, de certa forma, o treino é algo que me ajuda a desanuviar do dia a dia.
CR: O Alfenense disputa a Divisão de Honra da AF Porto, que é o segundo escalão Distrital, e ocupa, neste momento, o 5º lugar com 24 pontos. Quais são os objetivos?
JP: O objetivo é irmos ganhando jogo a jogo para andarmos sempre nos primeiros lugares e na fase final da época logo vermos como estamos e o que podemos fazer. Há equipas com orçamentos superiores e que querem subir, mas como eu costumo dizer no balneário, os orçamentos não ganham jogos e a este nível muito menos. Começámos bem, andámos nos primeiros lugares no começo do campeonato mas depois defrontámos adversários diretos e acabámos por perder não digo que tenha sido por falta de qualidade ou de entrega, mas sim por pequenos pormenores, talvez sinal de imaturidade porque temos uma equipa muito jovem, que nos custaram “caro”. Por vezes queremos jogar, queremos manter o nosso estilo de jogo, e as ideias e os processos estão lá, mas nestes campeonatos isso é difícil e já nos custou muitos pontos, porque há momentos em que temos de ser mais agressivos e não somos. Mas como digo a eles, só erra quem está lá dentro.
(João Pedro, atrás, observa o duelo entre Luís Vouzela e Cadinha durante o Beira-Mar – Ovarense da II Liga 05/06.)
CR: E quais são os objetivos do João?
JP: Eu, acima de tudo, quero é que o clube cresça e ganhe para a mentalidade mudar e começar a subir patamares mas sem dar “passos maiores do que a perna”. Pediram-me para, dentro da experiência e do percurso que tive no futebol, que não considero ter sido nada de especial, ajudar os mais jovens e pretendo mentalizá-los que é possível eles chegarem lá acima. Claro que não chega só o valor, mas se nós não pusermos em prática as qualidades que temos, também ninguém vai pegar em nós só porque sim e pôr-nos lá em cima. E claro, não é por ter 36 anos que não quero jogar. Claro que quero. Quero jogar sempre, também fui para lá para isso e vou estar insatisfeito sempre que não jogar. Contudo, ficar insatisfeito por não jogar não significa que vou criar mau ambiente. Não. Quero é ajudar ao máximo dentro do que eu puder.
CR: Que principal diferença vê no Distrital em relação aos patamares por onde passou?
JP: Acima de tudo, a mentalidade. Claro que a qualidade é outra, isso não tem comparação, mas o que faz a diferença nestes campeonatos é a mentalidade dos jogadores. Se nós fazemos um grande jogo em termos de entrega e compromisso, no jogo seguinte isso já de nada adianta. Já passou. Temos que fazer muito mais do que no jogo anterior. É preciso ter sempre os mesmos níveis de entrega e compromisso. Temos um treinador e uma equipa técnica com muita qualidade, com mentalidade de querer sempre mais, são muito profissionais dentro do amadorismo e é isso que eles tentam, e eu tento também, transmitir para a equipa. O clube eu já conhecia, já tinha sido adjunto lá há três ou quatro anos e agora fui encontrar uma realidade completamente diferente. Naquele tempo, não era um clube muito organizado, e hoje é, também porque o Rui conseguiu mudar mentalidades. Em termos estruturais também evoluiu bem, conseguiram trocar o sintético este ano e isso é uma mais valia porque o antigo estava muito desgastado e era até propício a lesões graves.
CR: Houve algo que lhe tenha custado mais neste regresso aos relvados?
JP: Deixar a minha filha. Não estava à espera disto e tenho coisas bem mais importantes para cuidar, neste caso, ela, e dar-lhe o acompanhamento que precisa. Não há dinheiro que pague isso e o tempo depois não volta, por isso, não quero um dia mais tarde pensar que naquela altura fiz isto mesmo sendo bom noutros campos… Não há outro campo. O mais importante, para mim, é o bem estar emocional dela. É o estar comigo e eu com ela pelo apoio que ela precisa para ter um crescimento normal e gradual.
CR: Para já, a temporada está suspensa pelos motivos que todos conhecemos. Como vê toda esta situação? Acredita que haverão condições para finalizar a época?
JP: É assim, eu não tenho opinião formada neste momento porque já tive várias e o contexto é muito complicado e novo para todos nós. Na fase inicial da pandemia, até cheguei a pesquisar situações antigas do género e a forma como terminaram. Acaba por ser complicado porque estamos sempre ali na insegurança se estamos infetados ou não, se podemos ir para o treino… Não sabemos como estamos e os outros não sabem como estão. O clube coloca álcool gel à entrada do estádio, toda a gente entra sempre de máscara, o nosso plantel fica dividido por quatro balneários… Ou seja, há cuidados. Eu entendo que suspender acaba por ser uma boa solução porque não há o controle que se faz noutros patamares e, mesmo assim, vemos os casos que existem nesses campeonatos e são testados regularmente. Claro que é sempre chato para nós, que queremos treinar e jogar, e temos de andar a correr na rua ou a saltar em casa, e lógico que não é a mesma coisa. Todos sentimos falta da bola, do convívio, mas é complicado e percebo perfeitamente porque em primeiro lugar está a nossa saúde, o nosso bem estar e o de todas as pessoas à nossa volta e não só.
(João Pedro, à direita, em ação durante o Lourosa – Gondomar da II Divisão em 09/10.)
CR: Olhando para aquilo que foi o início da sua carreira, o João faz toda a formação no Boavista, onde entra muito jovem. Como é que tudo aconteceu?
JP: Como acontece em grande parte das histórias, a escola para muitos acaba por ser um “hobby”, e os meus recreios eram prolongados (risos). Os constantes prolongamentos que eu fazia levaram a minha professora primária a falar com os meus pais para eu ir jogar para um clube. Como viviamos em Vizela na altura, o meu Pai queria meter-me no Vitória SC, mas como as nossas raízes são do Porto e o meu Avô Materno chegou a ter ligações ao Boavista, a minha mãe disse que se era para entrar no futebol, ia para o Boavista e assim foi. Um dia eu e o meu irmão fomos treinar ao Bessa e quiseram logo ficar connosoco.
CR: Durante esse trajeto nas camadas jovens, cruzou-se com dezenas de jogadores e muitos treinadores, além, claro, das muitas vivências e aprendizagens que teve. O que fica de todo esse processo formativo?
JP: Foi uma escola de vida. Aprendi coisas que nunca esquecerei. O saber estar, saber estar à mesa, os pequenos detalhes de, por exemplo, em torneios deitar cedo e ter de cumprir horários… Lembro-me que com o “Mestre” Jaime Garcia, ao sábado tinhamos de saber as medidas do campo de futebol todas: fosse a altura da barra, distância de um poste ao outro, da linha da pequena área à linha de golo, o diâmetro do meio-campo, enfim, essas pequenas coisas traziam-nos um bocadinho de responsabilidade porque obrigava-nos a estudar isso e sentiamos ali um pouco de responsabilidade e exigência. E depois tive “sorte” porque apanhei vários treinadores que tinham a mística do clube e aprendi sempre coisas diferentes com todos eles. Modéstia à parte, sempre me senti acarinhado por todos e rapidamente encarnei a mística do clube. Passaram por aquele clube um sem número de jogadores no meu tempo que podiam ter dado jogadores, mas alguns pelo contexto familiar, outros pelo contexto social e muitos outros pelo percurso normal do futebol, acabaram por não fazer grandes carreiras e foi pena. Aquela zona de Francos e Ramalde dava muito jogador ao Boavista e o chamado “jogador de bairro” tinha muita qualidade. Recordo-me que quando comecei tinhamos um “núcleo duro” muito engraçado, e embora fôssemos crianças já haviam os “pesos pesados”. Aliás, o primeiro torneio a que vou pelo Boavista, a Cannes, em França, é com eles: Daniel, Mauro, que era o nosso “menino de ouro”, André Marqueiro, Joel Plácido, filho do Jorge Plácido que agora é cantor, entre outros.
CR: No seu último ano de júnior, sagra-se Campeão Nacional, naquele que é, de resto, o último título que o Boavista conquistou nas camadas jovens a nível nacional até hoje. Como é que descreve essa conquista?
JP: Desde logo, com muita nostalgia porque ninguém acreditava em nós, ninguém mesmo, mas tinhamos um grupo que vinha de há já muitos anos, com jogadores há muitos anos no clube, como eu, Steven, Igor Rocha, Calvino, Vítor Borges, Carlos Sousa, Nélson Santos, Isidro, Carlos Pinto, Hugo Ferreira, Hugo Monteiro, Bruninho, e criámos um grupo muito unido, dinâmico, com um espírito de entre ajuda terrível. Éramos uma família com a mística do clube. E até te dou este exemplo: nós “fervíamos” se empatássemos ou se jogássemos mal. No campeonato, passar a primeira fase era uma obrigação, a segunda acabava por ser uma obrigação também, e na terceira havia quem acreditasse, mas, quem acreditava, deixou de acreditar quando perdemos 1-0 na 1ª Jornada com o Benfica. Havia ainda o FC Porto e o Vitória FC, que tinha eliminado o Sporting na fase anterior, e os grandes candidatos eram os “grandes”, com os internacionais todos, mas fomos fazendo o nosso caminho e conseguimos “dar uma chapada de luva branca” a toda a gente. Até acontece uma coisa curiosa na penúltima jornada: fomos ao Olival e podíamos ser Campeões nesse jogo e o mister Queiró, na palestra, transmite-nos uma mentalidade ganhadora, mas ao mesmo tempo diz que vai ser um jogo complicado, como todos em casa do FC Porto, e o árbitro, se não estou em erro, era o Martins dos Santos. Até começámos bem, fizemos o 1-0 de forma limpa mas o golo é anulado e o Porto acabou por ganhar. Mas no final do jogo ou no primeiro treino da semana, não sei precisar, o Queiró diz-nos: “Não conseguimos neste jogo mas vamos conseguir no próximo com toda a certeza!”. Ele sabia e nós sabíamos da qualidade que tinhamos. A direção do Boavista até nos sugeriu que jogássemos a fase final no Bessa, mas nós quisemos continuar na Pasteleira, onde jogávamos habitualmente e onde só perdemos pontos com a Académica, se não me engano, na primeira fase. A Pasteleira era o nosso “ninho”, não passava lá ninguém. Transmitíamos e punhamos em prática a mística do clube e isso levou-nos a atingir o título e fez com que muitos desses jogadores assinassem contrato profissional e jogassem pelo Boavista na I Liga.
(A foto de João Pedro na FPF: o médio representou Portugal no Euro de Sub-19 em 2003.)
CR: Nessa mesma época, 02/03, é suplente não utilizado em três jogos da equipa principal do Boavista, então orientada por Jaime Pacheco, no campeonato. O que recorda desses momentos?
JP: Olha, para já, valorizava. Coisa que hoje em dia e de há muito tempo para cá não dão valor. Não têm sequer noção do respeito enorme que havia para com os mais velhos. Esperava que eles entrassem no autocarro e só me sentava depois de estar toda a gente sentada, a tomar banho esperava de igual forma, no balneário ficava no meu canto e não falava para ninguém… Isto parece ditadura, mas não é. São estas pequenas coisas que recordo e que me fizeram crescer. Nunca fui de me sentir pressionado, sempre lidei bem com pressão tivesse uma ou cinquenta pessoas a ver o jogo, porque como eu digo, pressão é agora nos hospitais e existe para aquelas pessoas que passam fome ou querem alimentar os filhos e não têm como. Eu ia para estágio com eles extremamente contente, muito sereno, tranquilo, e preparado para jogar caso o mister entendesse. E depois tive a sorte de todos eles me terem recebido muito bem. Eu era um miúdo educado, respeitador, sabia estar, e todas essas aprendizagens fizeram parte do meu percurso na formação do Boavista. Talvez por isso, por me conhecerem, é que a oportunidade também surgiu nesse ano e mais tarde fui integrado no plantel principal. Nunca fui pessoa de me gabar das coisas que conseguia ou das que poderiam acontecer, sempre fui muito “terra a terra” e o maior exemplo é de quando estive nos seniores do Boavista: ganhava bem, muitos compravam carros e até casas, mas eu pensava sempre: “Hoje estou aqui, mas amanhã posso estar num patamar diferente porque isto não depende só de mim”. E acabou por acontecer essa queda abrupta em termos desportivos, mas sempre estive bem porque os meus Pais transmitiram-me educação e valores, juntando àqueles que o clube me deu, que me ajudaram a manter uma “linha de orientação” e nunca me desviei dela independentemente das adversidades que surgiram, e acabaram por ser algumas.
CR: É precisamente depois de ser Campeão de Juniores, em 2003, que chega à Seleção e logo convocado para o Europeu de Sub-19. O que sentiu quando soube da convocatória?
JP: Foi o Daniel que me ligou a dizer que tinhamos sido convocados e eu pensei que era gozo, nem liguei nada àquilo (risos). Até ia fazer alguma coisa, já nem sei o quê, e fui fazer o que tinha a fazer (risos). Só acreditei quando o Sr. Manuel Barbosa, que era diretor, me ligou a dizer que estava convocado. Mas fiquei da mesma forma como quando fui chamado para ir aos seniores. Com os “pés assentes na terra”. Mas claro, foi um prazer enorme e valorizei o momento, mas sempre com o pensamento de que não era por ir à Seleção e ao Euro que a minha carreira ia ganhar logo outra dimensão. Aliás, tanto assim é que passei do Campeonato da Europa para o Ermesinde que estava na II Divisão B. E nunca na vida pensei que não ia para melhor ou coisa parecida. Só foi um “choque” por causa das condições que o clube tinha, era um clube modesto de II B, e eu não tinha conhecimento nem estava habituado, claro, mas a minha humildade foi sempre a mesma.
CR: Nesse Euro, Portugal até “sofre” para passar da fase de grupos mas acaba por perder na final diante da Itália de Chiellini, Aquilani ou Pazzini. O que falhou nesse jogo e o que recorda da vossa participação?
JP: Até estivemos quase para voltar a Portugal cedo, mas acabámos por dar a volta e conseguimos empatar com a Noruega na última jornada da fase de grupos, sendo que esse resultado dava a passagem à meia-final. Depois jogámos com a Áustria na meia-final e notou-se que era uma equipa mais madura e fisicamente muito mais forte do que nós, mas a nossa qualidade técnica resolveu o jogo no prolongamento (6-3). Na final, com a Itália, perdemos justamente (0-2) porque eles eram muito mais fortes do que nós em vários aspetos. Estavam uns passos à nossa frente, eram muito mais maduros, pareciam profissionais há muitos anos, e depois, claro, tinham muita qualidade, desde Chiellini, que era extremo, Della Rocca, Padoin, Potenza, Pazzini, Aquilani… O guarda-redes parecia que já jogava na Serie A há anos, só pela presença na baliza e pela experiência que já mostrava ter. Mas tinhamos um grupo muito forte, coeso, equilibrado, e com muita qualidade – João Pereira, Hugo Almeida, Paulo Sérgio, Amoreirinha, Paulo Ribeiro, entre outros.
CR: Na temporada 03/04 sobe a sénior e é emprestado pelo Boavista ao Ermesinde, que disputava a II Divisão B. Foi uma transição fácil?
JP: Não senti muito porque era um campeonato competitivo, ideal para eu jogar e crescer como realmente cresci. Foi muitíssimo bom e outra coisa positiva foi ter jogado contra jogadores que não conhecia e que jogavam muito. Se calhar, aquele campeonato estava ao nível da II Liga de agora. Nesse ano subiu o Gondomar, que tinha uma grande equipa, e ainda havia os Dragões Sandinenses, que tinham Riça, Bruno Tiago, Major, Chico Silva, Pedro Valente que é irmão do Nuno Valente… Tinham uma equipa brutal também e acabei por fazer o golo da minha vida contra eles em Sandim (risos). Apesar de, como disse, as condições do clube não serem as que eu estava habituado e do Ermesinde passar um período muito complicado a nível financeiro, foi uma época muito boa para mim. Passei por adversidades, lidei com condições diferentes, e joguei praticamente sempre que era o mais importante. E em Dezembro ou Janeiro até renovei com o Boavista e no final da época fui convocado para a digressão aos Estados Unidos e ao Canadá.
(Um Boavista com muitas caras conhecidas na digressão aos Estados Unidos. João Pedro é o primeiro à esquerda na fila de baixo.)
CR: Apesar dessa descida, o João acaba por integrar o plantel do Boavista em 04/05, orientado por Jaime Pacheco, alguém que já o conhecia certamente muito bem tendo em conta o seu passado no clube. Foi um sonho tornado realidade para si, imagino.
JP: Sim, natural. A partir do momento em que chegas nem com 6 anos ao clube e passados tantos anos chegas a um balneário que tem jogadores ilustres, alguns tinham sido Campeões Nacionais pelo Boavista e tinham jogado na Liga dos Campeões, obviamente, só pode ser um motivo de orgulho porque fizeste as coisas bem feitas. Claro que foi um objetivo atingido chegar à equipa principal do Boavista e ao patamar mais alto do futebol português, depois de ter assinado contrato profissional ainda com idade de júnior. Tive o prazer de ser companheiro do João Pinto, que eu já tinha conhecido pessoalmente em miúdo porque o meu Pai foi funcionário do Benfica no Norte e levava-me muitas vezes aos hotéis para conhecer os jogadores, e ele ajudou-me muito, deu-me vários conselhos, especialmente na fase em que treinava fora da minha posição. Fazia-me uma confusão enorme treinar a central, não era falta de humildade, era irreverência, e ele aconselhava-me sempre. Lembro-me que até cheguei a dividir o quarto com ele num estágio: o falecido Vítor Nóvoa é que nos dizia os quartos, foram saíndo dois a dois e eu a pensar: “Queres ver que ainda vou ficar com o João?”. E ficámos mesmo. Tremia por todo o lado (risos). Entrámos no elevador, eu sempre caladinho, ele abriu a porta do quarto, eu deixei-o entrar e escolher a cama, claro, e o comando da televisão até estava na minha cama e, quando ele foi à casa de banho, eu atirei o comando para a cama dele (risos). São coisas que levo para a vida. Nem dois dias foram, mas ele deu-me muitos conselhos e sempre com uma humildade tremenda. Aliás, ele nunca nos transmitiu falta de humildade por ter a carreira que tinha. Nada, zero. Grande profissional e uma excelente pessoa.
CR: Entre Campeonato e Taça faz 11 jogos, 7 deles a titular. Esperava mais?
JP: Claro que esperava mais. Atenção, isto não é falta de humildade da minha parte. Eu respeitava fosse quem fosse, mas queria era jogar, e claro que contava jogar mais. Mas se não joguei, se calhar, não merecia e poderia não ser o momento certo. Vejo o Pacheco como um treinador que me ajudou muito e apostou em mim. Não foi mais ninguém, foi ele. E se ele achou que não eram jogos adequados para mim, eu aceito isso de bom grado. Até tenho uma história com ele nesse sentido.
CR: Conte.
JP: Há um jogo em Leiria para o qual não fui convocado e fiquei numa azia tremenda. Havia no dia seguinte ao jogo treino para os não convocados, em que fazíamos um aquecimento normal e tinhamos uma pelada que durava muito tempo. Treinei normal, mas sempre com o rosto fechado. Estás ali na azia com 20 anos? Era o que faltava. Mas não era por mal, era a minha irreverência… Acabou o treino, alongámos e íamos para o banho, só que ele chamou toda a gente e disse-me à frente do grupo: “Menino, vou-te dizer uma coisa: época passada estavas no Ermesinde e nem bolas tinhas para treinar. Hoje estás aqui no Boavista e na I Liga. Pensa bem nisso”. Foi um “aviso”. Claro que aquilo me “entrou”. Precisava daquilo porque, inconscientemente, podemos estar a fazer coisas que achamos que não têm mal e têm. E depois ainda disse que ia pensar se me dava o prémio de jogo porque todos tinhamos percentagem em caso de vitória. No final da semana fui lá bater à porta do balneário, veio o Prof. Natal à porta e eu disse que queria falar com o mister para saber se recebia o prémio. Ele dá um suspiro e diz: “Vai lá receber que mereces. E olha uma coisa, ainda vais ser titular desta equipa e, a seguir ao Petit, vais ser o gajo que mais dinheiro vai dar ao clube”. Mas eu não fiquei “em bicos de pés” com aquilo. Passadas umas semanas comecei a jogar, estreei-me na I Liga com o Nacional, a central, porque estavam castigados o Cadú e o Éder e o Jorge já tinha saído, então fiz dupla com o Hélder Rosário e até foi o meu melhor jogo. Tive a melhor nota da equipa nos jornais pela estreia que fiz. Passado alguns dias voltámos a jogar com o Nacional, agora para a Taça, e voltei a ser titular: ele diz os centrais e eu fiquei tranquilo, mas depois diz o meu nome para jogar no meio-campo e fiquei surpreendido porque não estava mesmo à espera.
CR: Era um Boavista forte com João Pinto, Tiago, Toñito, Nélson, Hugo Almeida, entre outros, e a verdade é que quase até ao fim do campeonato estiveram sempre perto do 1º lugar. Falava-se no balneário da possibilidade do clube voltar a ser Campeão?
JP: Sim. Lembro-me perfeitamente do mister nos dizer a certa altura que aquilo que passava lá para fora, para a imprensa, não era aquilo que ele realmente pensava e queria, que ambicionava ser Campeão novamente. Foi um campeonato muito atípico e podia ter caído para nós com um bocadinho de sorte. O Porto perdeu muitos pontos em casa, nós fomos lá ganhar, o Benfica foi Campeão e não tinha uma grande equipa, e o Sporting jogava um futebol brutal, era o melhor dos três. Nós tinhamos uma mescla de jogadores bons com outros que eram muito melhores do que medianos e podíamos ter feito uma “gracinha”. Recordo-me de se ter falado no título durante algum tempo, mas depois já numa fase final acabámos por ter jogos que não nos correram tão bem e, a partir de certa altura, começámos a focar-nos na Taça, passámos duas eliminatórias complicadas, com Nacional e Marítimo, e perdemos em Setúbal na meia-final. Fizemos um percurso muito bom. A seguir a isso, queríamos a qualificação para a Europa, porque era muito importante em termos financeiros para o clube ir à Europa, mas acabou por ir o Vitória SC. Foi uma época em que podíamos ter conseguido mais, sem dúvida.
(João Pedro ao lado de Esteban Sachetti, argentino com quem jogou no Doxa de Chipre.)
CR: Na temporada seguinte, já com Carlos Brito a treinador, o João acaba por ser cedido ao Beira-Mar, que tinha acabado de descer à II Liga. A que se deveu este empréstimo?
JP: Não tenho mesmo a certeza. Ou melhor, tenho, mas não quero dizer que tenho. Se fosse o mister Jaime, eu tenho a certeza absoluta que não saía. Nunca senti muita empatia com o diretor desportivo. Haviam brincadeiras, o menino isto o menino aquilo, mas eu não era menino dele coisa nenhuma porque sentia que ele não gostava de mim, nunca senti muita empatia, ao contrário do que acontecia com o Paulo Gonçalves, que era o único com quem eu sentia empatia e era prestável comigo, preocupava-se. Digamos que foi uma dispensa administrativa, que eu aceitei, sem problema, não fiquei melindrado por causa disso. Até me recordo que quando sou chamado à SAD para uma conversa, estava com um amigo meu em casa e disse-lhe que me tinham ligado para ir à SAD e certamente era para ser emprestado. Ele disse que eu era maluco, que se mandava da varanda se isso acontecesse, e eu disse-lhe que podia ir indo porque era isso que ia acontecer… E estava certo. A conversa foi que o Carlos Brito não contava comigo e tal, e eu sim senhor, pouco falei. Até que depois surgiu o Beira-Mar através do Rui Neno. Há um dia em que vou visitar o Sandro, que é um colega da formação que teve um acidente grave, e encontro lá o Bosingwa, com quem me dava muito bem desde as camadas jovens, ele perguntou pela minha situação, eu expliquei e ele disse que depois falava comigo. O Rui Neno era empresário dele, penso que do Inácio também, e uma coisa levou a outra e surgiu assim a hipótese do Beira-Mar. Aliás, até fui ganhar mais dinheiro para o Beira-Mar, mas isso não era coisa a que eu olhasse muito, sinceramente.
CR: Mas em Aveiro, acaba por ter pouca utilização dentro de um plantel fortíssimo que venceu a II Liga com Augusto Inácio a treinador. O que aconteceu?
JP: As coisas começaram muito bem, estava super motivado. Falei com o Jorge Silva sobre o clube, a cidade, etc., e as informações que ele me passou foram as melhores. Tinhamos excelentes condições de trabalho, de I Liga mesmo, a cidade era fantástica, salários em dia, as pessoas do clube impecáveis… Estava tudo dentro do normal. Tinhamos uma equipa muito forte para a II Liga, e a minha concorrência era grande porque tinhamos um meio-campo de I Liga, com Luís Vouzela, Torrão, Rui Lima e Zé Roberto, e ainda chegaram Diakité e Labarthe, duas apostas pessoais do mister. Penso que chego lá dois ou três dias depois da pré-época ter começado, mas faço uma pré-época normal, e percebi rapidamente que o mister dava muita importância à receção e ao passe e ao jogar simples e eu fazia “o meu”, como se diz, jogava bem, de forma simples, era inteligente na ocupação dos espaços, e as coisas correram bem. Entretanto, o campeonato começa e sou titular na 1ª Jornada no Santa Clara, em que até sofro um penalti que o Labarthe falhou. Nesse jogo, o Torrão ficou de fora por lesão e na semana do segundo jogo volta a treinar, até que na palestra antes do jogo com o Feirense o mister diz: “A equipa é a mesma da semana passada, só há uma troca e é por questões táticas: entra o Torrão e sai o João Pedro”. Não foi questão tática nenhuma, foi uma simples troca de jogador. E eu reagi mal. Não de palavras, claro, mas “amuei” no treino, ainda fui convocado algumas vezes e fiz alguns jogos até que comecei a ser “castigado” e vou jogar para o Avanca, que era o clube satélite e estava na III Divisão.
CR: Augusto Inácio nunca lhe deu uma explicação?
JP: Não, nada. Durante esse período que fui jogando pelo Avanca, fui sempre profissional ao máximo e as pessoas do clube diziam-me que não percebiam o que estava ali a fazer, que tinha qualidade para jogar no Beira-Mar. Possivelmente isso começou a chegar aos ouvidos do Inácio, que, um dia, me chama no Estádio de Aveiro e diz que as pessoas do Avanca não estavam contentes comigo, que eu não estava a ser profissional… Eu achei muito estranho e pensei logo que ou em Avanca me estavam a “dar a banha da cobra” ou era uma mentira da parte dele. Então, falei com o mister do Avanca, Nazih Andem, contei-lhe a situação e ele disse logo que isso não era verdade, que ninguém estava insatisfeito com o meu comportamento lá. Nesse mesmo dia, salvo erro, falei com o Inácio e disse-lhe que aquilo que ele andava a dizer era mentira e ele defendeu-se dizendo que só disse o que ouviu. Provavelmente não estava à espera que eu me fosse inteirar da situação.
CR: Gostou dessa experiência de jogar pelo Avanca?
JP: Sinceramente, ao início foi um choque. Pensava mesmo: “Então agora vou jogar para a III Divisão?”. Não conhecia as pessoas do Avanca, não sabia sequer ao que ia… Custou-me ir. Até me recordo que no primeiro fim-de-semana que sou convocado para ir jogar pelo Avanca fiquei tão desanimado que havia um jogo “grande” em Portugal e eu nem jantei nem quis ver de tão triste que estava. Depois comecei a ir com frequência e ganhei o gosto: não me habituei àquilo, porque logicamente queria era jogar pelo Beira-Mar, mas, no fundo, estava ali “emprestado” e com o objetivo de jogar e ter minutos. As condições em Avanca eram muito boas, o campo era muito bom, as pessoas eram fantásticas, não deixavam que nada nos faltasse e tiveram sempre palavras elogiosas para comigo. Só tenho a dizer bem.
(Uma notícia do jornal “OJOGO” com João Pedro em destaque.)
CR: Não ponderou sair?
JP: Ponderei, claro. Em Dezembro digo que me quero ir embora porque precisava de jogar, e há ali um período entre Dezembro e Janeiro que volto a jogar e a titular. Pensei que as coisas iam continuar dessa forma, mas no início da segunda volta, já perto do fecho das inscrições, volto a sair da equipa antes do jogo com o Feirense, agora em Santa Maria da Feira, e na semana seguinte vou ao banco com o Maia. O mercado fechou passados uns dias e depois só voltei a integrar a ficha de jogo e a jogar com o Varzim, já muito perto do final do campeonato. Deu-me um “rebuçado” quando eu quis sair, pôs-me a jogar, para depois me fazer passar uma autêntica “travessia no deserto”. Reagi muito bem ao facto de ter saído da equipa dessa segunda vez e deixei de ser convocado sem razões. Até fiquei mesmo surpreendido por ser convocado para esse jogo na Póvoa, não estava mesmo à espera sequer de ser suplente tendo em conta o histórico, mas acabei por entrar e entrei bem. Lembro-me de chorar no balneário e de alguns colegas meus me darem os parabéns porque sabiam o que tinha passado e a forma como as coisas se desenrolaram. Mas gostei muito de viver em Aveiro e de jogar no Beira-Mar. Posso mesmo dizer que não notei diferença nenhuma porque parecia que estava na I Liga.
CR: Segue-se nova cedência em 06/07, desta feita ao União de Lamas da II Divisão B, um clube com que o Boavista tinha boas relações, mas que também passava por maus momentos financeiramente e acaba por descer de divisão. Foi, ainda assim, uma boa experiência?
JP: Sempre tirei coisas boas para o meu crescimento em todos os clubes onde passei e no Lamas isso também aconteceu. Apanhei um clube semelhante ao Ermesinde na condição financeira, mas com outras condições. Um clube com muito potencial mas ao mesmo tempo que estava, de certa forma, abandonado, com balneários normais e com um estádio bom, apesar de muitas vezes, quando chovia, termos de treinar no pelado para “poupar” o relvado. Foi um clube onde pude voltar a jogar com regularidade e onde cresci apesar de termos descido porque a situação do clube não era lá muito boa como já disse, haviam alguns problemas a nível diretivo também, e a equipa não era muito forte para o campeonato em questão.
CR: Acaba por ficar na história do Pedro Martins, dado que o agora treinador do Olympiacos se estreou como treinador precisamente no Lamas nessa época, e o João fez parte do primeiro 11 da carreira dele.
JP: Olha, não sabia (risos). Ter-me cruzado com o Pedro Martins foi das melhores coisas que me aconteceram em Lamas. Um treinador muito nosso amigo e que me dizia muitas vezes que via em mim potencial para estar noutros patamares e que não devia estar ali. Dizia até que me achava com condições para ser um grande “box to box” porque era rápido e forte fisicamente apesar de ter só 1,77 de altura. Eu dividia as bolas com os “artistas” e eles caiam tipo pinheiros naquela altura (risos). Era muito forte nesse aspeto e ele transmitia-me essa ideia. Recordo até uma história em que tinhamos salários em atraso e não ganhávamos, e o treino, um dia, foi no balneário com ele a falar individualmente de cada jogador. E quando chegou à minha beira, como sabia que eu era benfiquista, disse que um dia se fosse para o Benfica que me levava (risos). Ele tentou ao máximo não deixar cair aquilo, foi fantástico nesse aspeto, mas chegou a uma altura em que ele próprio não aguentou mais e acabou por ir embora. Tem aquele semblante carregado, faz parecer que é uma pessoa triste, mas não é, é uma pessoa fantástica, com um bom coração, e com quem, infelizmente, perdi o contacto. Foi dos treinadores mais importantes que tive na minha carreira.
CR: No Verão de 2007 termina a sua ligação com o Boavista.
JP: Sim, já levava 12 meses de salários em atraso, não seguidos mas no total, e entendi que o meu ciclo ali tinha terminado, provavelmente voltaria a ser emprestado até final do contrato, e decidi rescindir por justa causa com mais alguns colegas e fomos para o Sindicato à procura de uma solução e de outro rumo. Claro que me custou muito acabar com uma ligação que já durava desde os meus 6 anos. Dou-te este exemplo: quando estava na equipa principal, em 04/05, era o jogador com mais anos de casa, nem o Jorge Silva tinha mais do que eu. Mas o clube estava a começar a ficar descaracterizado e isso também me fez rescindir.
(O plantel que fez do Boavista Campeão Nacional de Juniores em 2003. João Pedro é o primeiro no lado direito da fila de baixo.)
CR: E seguiu-se o Chipre. Foi a melhor opção?
JP: Foi. Tive algumas possibilidades de ir para a II Divisão B, mas não queria e o tempo foi passando até que em Novembro fui à Roménia treinar à experiência ao Universitatea Cluj por intermédio do Sérgio Leite. As coisas correram bem nos primeiros dias, tanto que até vim a Portugal buscar mais algumas coisas minhas e só me faltava fazer exame médico aos olhos, salvo erro. Quando voltei, fizemos um treino contra uma equipa da II Liga, mas não me correu muito bem porque estava parado há algum tempo e não tinha piton de alumínio, escorreguei muitas vezes. Depois fui fazer o tal exame que faltava, esperei pelo resultado e o médico disse que por ele tinha o aval e o clube agora ia decidir se ficava ou não. E eu fiquei a pensar naquilo. Entretanto, ligou-me o emprésario romeno que estava a fazer a ligação com o Sérgio e disse para ir ao hotel falar com ele. Eu fui lá e ele disse que no exame tinha acusado muita graduação e que isso podia interferir com a luz do jogo. Eu fiquei um bocado parvo, percebi logo o que estava a acontecer, mas também já não estava com muita vontade de lá ficar por tudo o que me fui apercebendo, a parte financeira era a única coisa que valia a pena e, claro, não queria deixar mal o Sérgio. Liguei ao Sérgio, disse que queria ir embora, e quando cheguei a Portugal, ele ligou-me a perguntar se queria ir novamente à experiência, mas desta vez ao Chipre. Eu disse que sim e quando lá cheguei encontrei uma realidade completamente diferente de Cluj, que era uma cidade escura e suja, e no Chipre apanhei logo um tempo bom e via palmeiras, etc., foi logo um impacto muito positivo. Estive três semanas à experiência e acabei por assinar.
CR: Passou duas épocas no Chipre, sempre na II Liga, ao serviço de ASIL e Digenis. Como correram essas temporadas?
JP: Nessa primeira época, no ASIL, joguei com dos portugueses, o Vítor Rodrigues, que eu conhecia da formação do FC Porto, e o Rui Varão, e fui para o mesmo hotel onde eles estavam, então isso ajudou muito. O treinador gostou do que viu naquelas três semanas, quis ficar comigo e eu aceitei. Era um clube simpático, modesto, sem grandes pressões, que estava a tentar subir mas estava sempre tudo bem. Aliás, quase sempre (risos). Houve uma situação em que perdemos com o último e tiraram-nos logo 25% do ordenado sem nos dizerem nada porque estava estipulado no regulamento (risos). Mas pagaram sempre certinho, arranjaram-nos casa e fizemos uma temporada normal, um campeonato tranquilo. Depois surgiu a hipótese do Digenis, um projeto para subir, sediado na capital, Nicósia, e onde tinhamos umas condições fantásticas: treinávamos no centro de treinos do Doxa, onde treinam até várias equipas, porque aquilo tem muitos relvados e jogávamos no Makario, que é o estádio onde jogam, por exemplo, o Doxa e o Olympiacos de Nicósia. Tinha um bom salário, apesar de que atrasavam alguns meses, mas o que ganhava dava para gerir bem, cheguei a estar três ou quatro meses sem receber e nunca passei dificuldades porque sempre pensei que o mais importante é o dia de amanhã e fui fazendo o meu “pé de meia”, estava salvaguardado para se acontecesse algum infortúnio. Lutámos para subir até ao fim mas não conseguimos. Lembro-me de uma situação que é, no mínimo, duvidosa (risos). Comigo estava o Bruno Baltazar, que já foi treinador do Olhanense, do Estoril e do APOEL, nós jogávamos praticamente sempre e há um jogo importante, contra o Olympiacos, em que estámos em estágio e o diretor vem ao nosso quarto perguntar se estávamos preparados para jogar, nós dizemos que sim, claro, e ele diz que não sabia se íamos jogar (risos). Nós ficámos a olhar um para o outro. Fomos para o banco, estivemos a perder 0-2, entretanto mandou-nos aquecer, meteu o Bruno, central, posteriormente entrei eu, fizemos o 1-2 e eu já “fervia” por todos os lados (risos). Só me lembro do treinador dizer: “Calma, calma”. E nós a perder (risos).
CR: O seu regresso a Portugal dá-se “pela mão” do Gondomar, em 2009, onde joga duas épocas na II Divisão. Como surgiu esta possibilidade?
JP: Surgiu novamente através do Sérgio Leite. Foram dois anos em que tentámos subir e nunca conseguimos. Na primeira época tivemos uma fase menos boa: jogávamos bem, mas perdemos muitos pontos e cedo ficamos longe também porque o Moreirense fez um grande campeonato e o 1º lugar ficou praticamente “entregue” a muito tempo do fim. Na época seguinte, o mister Fanã sai logo no início para o Kuwait e vem o Vítor Paneira, que eu já conhecia das tais idas aos hotéis quando o meu pai era funcionário do Benfica. Ele não me conhecia mas tem uma abordagem engraçada comigo logo no primeiro dia, porque tinha ido ver o jogo para a Taça no fim-de-semana anterior e eu fui titular. Então quando me vem cumprimentar diz: “Tu jogas muito!”. O mister conhece bem o meu Pai mas só ficou a saber quem eu era ao fim de uns meses, quando vamos a um jogo para a Taça à Póvoa e o meu Pai vai ver o jogo e ao fim está a falar com ele e ele pergunta-lhe o que estava ali a fazer. O meu Pai diz que tem o filho a jogar no Gondomar, ele pergunta quem é, e nisto eu apareço e o Paneira diz: “Porque é que nunca me disseste que o teu Pai é o Armindo?”. E eu respondo: “Mas eu tinha que dizer isso porquê?” (risos). Andámos praticamente sempre na luta mas acabámos por perder a pouca esperança que tinhamos num jogo precisamente no Bessa que é quando deixo de ser convocado a alguns jogos do fim, porque chutei um balde no fim do jogo e quase acertou no adjunto. Mas fiz aquilo sem propósito nenhum, fiquei possuído por ser suplente, ainda por cima contra o Boavista no Bessa. Acabei por entrar quando estávamos com menos um e depois no fim aconteceu isso e o mister ficou a olhar para mim. Ainda me convocou no último jogo e acabei por não jogar. Mas depois ficou tudo bem entre nós e hoje em dia temos uma relação normal, até costumámos falar.
(João Pedro alinhou no União de Lamas em 06/07, onde foi treinado por Pedro Martins.)
CR: E em 11/12 volta a Chipre para jogar no Doxa, igualmente da II Divisão. Porquê?
JP: Desde logo porque já conhecia o País e o convite era para um clube que tinha um projeto de subida e que, normalmente, tinha muitos portugueses, como aconteceu naquela época. Metade eu sabia quem eram, claro que não ia só por serem portugueses, mas do que conhecia deles, sabia que podíamos atingir o objetivo, que era, declaradamente, a subida. E não só subimos como conseguimos ser Campeões. Lógico que monetariamente também compensava, ia ser Pai passados três meses e o que ia receber também pesou na decisão. Mais uma vez atrasou alguns meses, mas, como disse, o que eu ia ganhando conseguia gerir muito bem e nunca tive problemas.
CR: Como já falámos, voltou esta época a jogar. Tem perspetivas de jogar por muito mais tempo?
JP: Isto que vou dizer pode parecer uma contradição mas não é: eu penso no dia a dia mas também gosto de pensar um bocadinho mais à frente. Poderei estar a jogar daqui a um ano, mas não estou a ver isso a acontecer, sinceramente. A minha filha é a minha prioridade e no próximo ano letivo irá para o 5º Ano, que é uma mudança radical, num contexto totalmente diferente do que ela está habituada, e eu quero estar presente nessa mudança, quero acompanhá-la ao máximo para a ajudar. Apesar de ter namorada, neste momento ainda não vivemos juntos, mas é um dos passos que queremos dar, e, lá está, quero estar presente mesmo quando dermos esse passo. A minha continuidade como jogador vai depender muito disto. Mas primeiro, há que pensar neste ano, e se dá para ajudar os meus colegas e o clube, jogo a jogo, para no final vermos como estámos e se conseguimos atingir os objetivos a que nos propusemos.
CR: Disse há pouco que já foi treinador adjunto. Vê-se como treinador no futuro?
JP: Sinceramente, e já pensava isto naquele tempo e continuo a pensar neste momento, não me vejo como treinador (risos). Gosto de ajudar, gosto, por exemplo, de corrgir certos aspetos aos jogadores que jogam ali no meio, essas coisas gosto. Agora, planear e dar treinos, para já, não me vejo porque acho até mais cansativo e ocupa muito mais tempo do que jogar.
CR: Que história pode partilhar?
JP: Recordo-me de uma entre o Guga e o Jaime Pacheco. O mister participava sempre nos treinos quando era posse de bola ou joguinhos com balizas pequenas ou balizas grandes, e treinava sem caneleiras, óbvio (risos). Ele ficava sempre num quadrado grande na linha lateral e o Guga era uma pessoa muito bem disposta, criava bom ambiente independentemente de ser titular ou não jogar. Há um treino que estávamos a fazer 5×5, o mister nessas alturas normalmente fazia de joker, e num lance dividido o Guga deu-lhe um carrinho ou uma “voadora”, já não sei precisar, e o Pacheco ficou a olhar para ele (risos). No fim, estávamos a alongar e o mister fala: “Há aqui gajos que nos treinos são leões e nos jogos são gatinhos” (risos). O Guga, que sabia perfeitamente que era para ele, responde tranquilo: “Há-de me dizer qual foi o jogo…”. E o Pacheco diz: “Se tivesse que te pôr a jogar estava bem f*****!” (risos).
(João Pedro foi destacado pelo jornal “OJOGO” aquando da sua estreia a titular no Boavista.)
De Primeira
CR: Qual o melhor momento da sua carreira até agora?
JP: Ter entrado para o Boavista FC e depois ter-me estreado pela equipa principal.
CR: Qual o adversário mais difícil que já defrontou?
JP: Cadinha.
CR: Qual o melhor jogador com quem jogou?
JP: João Pinto.
CR: Que treinador mais o marcou até hoje?
JP: Vou citar três, todos no Boavista: Jaime Garcia, José Amarante e Jaime Pacheco.
CR: Em que médio defensivo atual se revê?
JP: Ljubomir Fejsa.