Roderick Miranda: a sorrir na Austrália para exorcizar os fantasmas do passado

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Roderick Miranda, que recentemente assinou pelos australianos do Melbourne Victory, é o destaque desta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

Dificilmente se poderia pedir melhor para a estreia oficial no futebol australiano: eleito desde logo capitão de equipa no Melbourne Victory, Roderick Miranda comandou a defesa e ainda teve arte e engenho para, na sequência de um canto ofensivo, apontar o golo que garantiu o triunfo ao seu novo emblema na primeira jornada da edição de 2021/22 da A-League (1-0 no reduto do Western United). Um início de sonho para o central luso, que vive aqui a sua sexta aventura no estrangeiro – mas de longe a mais exótica de todas – e que vai assim tentando exorcizar de vez os fantasmas provocados pela associação ao Benfica e a um lance que o tem acompanhado por toda a carreira.

Nascido em Odivelas em 1991, filho de um médio brasileiro (Ademir Miranda) que passou grande parte da carreira em Portugal e aqui acabaria por assentar arraiais, Roderick cumpriu praticamente toda a formação nas águias, onde chegou com apenas 9 anos oriundo do Odivelas, sendo unanimemente apontado pelos especialistas como uma das maiores promessas do clube na primeira década deste século/milénio – era, por exemplo, frequentemente comparado a Carlos Mozer, uma das maiores figuras da História dos encarnados na posição de defesa-central. Recebeu as primeiras oportunidades na equipa principal ainda com 18 anos, lançado por Jorge Jesus curiosamente logo como titular e num jogo de Liga Europa (2-1 aos gregos do AEK, a 17 de Dezembro de 2009), e em 2010/11 chegou mesmo a capitanear a equipa na última das seis aparições que registou (1-1 no Algarve ante o Olhanense).

Com apenas 20 anos foi cedido ao Servette, histórico suíço orientado na altura por João Alves, por quem já tinha sido treinado nos juniores do Benfica, e no início de 2012/13 voltaria a ser emprestado, desta feita ao Deportivo da Coruña, englobado numa autêntica legião portuguesa que seguiu para a Galiza nessa temporada ao abrigo de uma “parceria” com Jorge Mendes (Tiago Pinto, André Santos, Pizzi e Nélson Oliveira, que se juntaram a Bruno Gama e Diogo Salomão). A escassa utilização, todavia, levou os encarnados a resgatá-lo a meio da temporada (e até a prolongar-lhe o vínculo até 2019, com cláusula de rescisão de 30 milhões de euros), com Jorge Jesus a apostar em Roderick principalmente numa lógica de rotação (titular nas meias-finais da Taça da Liga diante do Braga, falhando uma das grandes penalidades no desempate que sorriu aos minhotos, bem como nos dois jogos dos oitavos-de-final da Liga Europa contra o Bordéus, aqui actuando como médio-defensivo).

Até que chegou o fatídico 11 de Maio de 2013. Jogava-se no estádio do Dragão a 29ª e penúltima jornada da Liga e o Benfica chegava ao jogo na liderança com 2 pontos de vantagem sobre o Porto, com um empate a escancarar as portas do título às águias. E tudo estava a correr como previsto – encarnados estiveram mesmo em vantagem, mercê de um golo de Lima logo aos 19 minutos, acabando por permitir o empate aos 26′ num auto-golo de Maxi Pereira; o 1-1 arrastou-se por toda a restante primeira parte e também no segundo tempo, levando Jorge Jesus a lançar em campo Roderick ao minuto 66 para o lugar de Nico Gaitán numa perspectiva de reforçar o meio-campo e dar maior poder de combate à equipa para fazer face às investidas (já a raiar o desespero a partir de certa altura) dos portistas, a quem só a vitória interessava para poderem lançar-se rumo ao tricampeonato. E então, no decorrer do minuto 92, o que até aí parecia já impossível aconteceu mesmo: Liedson tocou para Kelvin e o jovem brasileiro, superando a marcação de Roderick, atirou para o fundo das redes à guarda de Artur Moraes, espoletando a loucura no Dragão e a imagem que ficou para a História do futebol nacional de Jorge Jesus ajoelhado e acometido de total incredulidade.

Essa seria mesmo a última aparição de Roderick com a camisola do Benfica. O defesa natural de Odivelas ainda foi ao banco no último jogo do campeonato (vitória caseira por 3-1 sobre o Moreirense), mas ficou de fora das convocatórias para as finais da Liga Europa com o Chelsea e da Taça de Portugal ante o Vitória de Guimarães, ambas perdidas por 2-1, e no verão acabou mesmo por ser cedido em definitivo ao Rio Ave. “Não digo que fui injustiçado, mas penso que me usaram como bode expiatório para a perda do campeonato. É algo que me passa ao lado porque tenho a plena noção de que não fui eu que decidi nada. Hoje em dia as pessoas continuam com isso, o que até é bom porque se lembram de mim, mas esse episódio não me marcou como pessoa ou como jogador. Pode ter manchado o meu nome, mas acho que isso faz parte do passado e, neste momento, já estou a apagar esse mau bocado e a mostrar por que razão as pessoas falam de mim desde os meus 18 anos”, dizia em entrevista ao jornal O JOGO em 2016.

E a verdade é que Roderick revitalizou, de facto, a carreira em Vila do Conde. Depois de ganhar paulatinamente o seu espaço ainda em 2013/14 sob o comando de Nuno Espírito Santo, fintou uma lesão grave que o tirou dos relvados alguns meses na temporada seguinte e em 2015/16 agarrou o lugar já sob as ordens de Pedro Martins; seria, porém, em 2016/17 que viria a fazer a que foi provavelmente a melhor temporada da carreira até ao momento, somando 37 partidas (todas como titular) e 3 golos e assumindo-se inclusivamente como capitão de um plantel que começou por ser treinado por Nuno Capucho e passou depois para os comandos de Luís Castro. Por esta altura começou a constar nas listas de pré-convocados de Fernando Santos para a selecção nacional – ele que somou 45 internacionalizações nas selecções jovens, tendo participado no Europeu de sub-19 em 2010 e no Torneio de Toulon e no Mundial de sub-20 (vice-campeão) em 2011 – e no verão de 2017 assinou por 4 temporadas com o Wolverhampton, reencontrando assim Nuno num plantel já recheado de portugueses (Rúben Vinagre, Rúben Neves, Ivan Cavaleiro, Hélder Costa e Diogo Jota).

A armada lusa do Wolves conseguiu mesmo o objectivo, conquistando o Championship e assegurando assim a subida à Premier League, mas Roderick, que até começou a época com o estatuto de titular, foi utilizado apenas de forma residual na segunda metade da temporada (19 jogos no total) e em 2018/19 acabou cedido ao Olympiacos, reunindo-se mais uma vez com um antigo treinador seu (no caso, Pedro Martins). Ali totalizou 20 jogos, mas também não se conseguiu assumir como titular indiscutível, pelo que em 2019/20 optou por regressar a Portugal para se juntar ao entusiasmante projecto do recém-promovido Famalicão. No Minho fez 28 partidas (e 2 golos) mas no fim da temporada mais atípica das últimas décadas (fruto do surgimento da pandemia do coronavírus) decidiu desvincular-se em definitivo do Wolverhampton; depois de alguns meses sem clube, acabou por rumar à Turquia a 1 de Fevereiro para reforçar o Gaziantep, então orientado por Ricardo Sá Pinto.

No emblema turco assumiu de pronto a titularidade, acabando a época com 13 jogos efectuados, mas decidiu não prolongar a ligação após o término da mesma, ficando disponível para decidir o seu futuro – até que no passado dia 1 de Outubro foi oficializado como reforço dos australianos do Melbourne Victory, por quem teve a estreia de sonho com cuja descrição iniciámos este artigo. Aos 30 anos, é perfeitamente aceitável afirmar-se que Roderick não teve a carreira áurea que se lhe augurava desde tenra idade, ostentando um palmarés a nível sénior com “apenas” um Championship e duas Taças da Liga pelo Benfica (onde fez apenas um jogo em cada uma dessas edições, não estando contabilizado o campeonato de 2009/10 por não ter somado nenhum minuto, apesar de ter ido ao banco em duas ocasiões) e não tendo conseguido a tão ambicionada chamada à selecção A; ainda assim, também será justo dizer que estabeleceu o seu nome como um dos bons centrais da Liga portuguesa na última década, estando ligado a algumas das mais belas épocas da História do Rio Ave (e também do Famalicão), e que se mostrou a bom nível na maioria das aventuras que teve além-fronteiras – uma evidência a que pretende acrescentar mais um capítulo agora na Austrália, com o início a dar mostras disso mesmo.