Leonardo Rocha: “Sempre que me deram regularidade e confiança, fiz a diferença”

leonardorocha(A estreia a marcar de Leonardo Rocha na atual temporada, valeu a vitória ao Radomiak na receção ao Warta, por 3-2, a contar para a 5ª Jornada da Liga Polaca.)

Ainda à espera de ser titular pela primeira vez esta época, Leonardo Rocha já começou a decidir para o Radomiak: lançado aos 82 minutos na receção ao Warta, com o jogo empatado a duas bolas, o ponta de lança assinou o golo da vitória aos 90’+6, permitindo assim à sua equipa somar o 3º triunfo em 5 jornadas na principal Liga da Polónia.
Contratado pelo emblema de Radom em Janeiro deste ano, o gigante futebolista luso-brasileiro (2 metros de altura) apontou 6 tentos em 13 jogos pelos polacos no que faltava da temporada 22/23, ele que tem um percurso curioso ao nível da formação, destacando-se a passagem pelo Mónaco, onde ganhou uma Taça na equipa B ao lado de Mbappé – antes dos franceses, vestiu as camisolas de Belenenses, Vitória FC e Boavista.
Atualmente com 26 anos, Leonardo Rocha, que como sénior já representou os espanhóis do Leganés ou os belgas do Lierse, afirma nesta entrevista que um avançado, caso marque muitos golos, não tem limites em termos de carreira e revela que tem o sonho de ouvir pelo menos uma vez o hino da Liga dos Campeões dentro de campo:

À Bola pelo Mundo/Conversas Redondas: Este golo foi uma definição perfeita do que és enquanto jogador? Um verdadeiro ponta de lança?
Leonardo Rocha: Sim, foi ali aquele instinto rápido. O cruzamento tinha sido bom, mas eu não consegui chegar, estava ali na luta com o defesa, e o guarda-redes atrapalhou um pouco, mas quando a bola voltou foi ali o instinto para tocar na bola. Ali é tudo muito rápido, só depois no vídeo é que vi que foram dois defesas tentar fazer o carrinho em cima da linha para tirar a bola! Quando a bola está na área temos de estar sempre atentos, porque tudo pode acontecer, como ali aquele presente (risos)! Se tivesse virado as costas ao lance, já não via a bola e eles tiravam.

Foste titular em todos os jogos que fizeste pelo Radomiak na época passada, agora ainda não. Tens mais concorrência este ano?
Claro que quero jogar como titular, como qualquer jogador. Chegou o Pedro Henrique, um avançado de quem gosto muito e com quem tenho boa relação, mas penso que podemos jogar com dois avançados, ou pelo menos tentar encontrar uma solução para ambos estarem felizes e jogarem, seja juntos ou ir rodando. Temos jogado em 4x3x3, em certos jogos podemos passar para 4x4x2 quando é preciso atacar mais. Mas pronto, temos de ser pacientes e esperar o momento certo.

Quais os objectivos para a época? Individuais e colectivos?
Em termos colectivos, o clube quer ficar acima da classificação do ano passado [10º lugar], e também por isso trouxe mais jogadores este ano, para ter mais qualidade no plantel. Até que ponto vamos conseguir, isso só o tempo dirá. O meu objectivo individual é tentar marcar o máximo de golos possível, mas para isso um avançado precisa de minutos, precisa de confiança e de jogar.

leonardorocha(Em meia época ao serviço do Lierse, o ponta de lança fez 12 golos em 19 partidas na II Liga da Bélgica.)

Que balanço fazes desta passagem até agora? O que gostas mais no país e no clube?
Eu não conhecia nada da Polónia, mas é um país muito bom para viver, muito desenvolvido. Estamos perto de Varsóvia, a capital, não é muito caro e é muito tranquilo.

Como é o clima, a comida, a comunicação, as pessoas?
O clima é um pouco como a Bélgica: frio, chuva, neve. Já estou habituado. A nível de comida, há aqui uma comida especial que é o pieroge [pastel de massa cozido], que é muito bom, mas aparte disso é mais a minha mulher que cozinha, por isso como mais comida típica de Portugal e do Brasil. Os polacos gostam muito de futebol, são loucos pela equipa. Falam inglês, não tanto em Radom mas em Varsóvia sim.

E já falas alguma coisa de polaco, ou nem por isso?
Só aquelas coisas de ‘bom dia’, ‘obrigado’, ‘boa noite’, ‘boa tarde’. Uma frase mais composta já fica mais difícil (risos)! Na equipa fala-se muito português, mas com os polacos falamos inglês. A comunicação no clube é fácil. O segredo deste clube é que somos muito unidos, e o facto de termos ali não sei quantos portugueses e brasileiros é um espectáculo, é brincadeira o dia todo! É muito positivo.

Como descreves o futebol na Polónia? Surpreendeu-te de alguma forma?
Aqui na Polónia eles dizem que existe dois campeonatos: o campeonato até Dezembro e outro depois de Janeiro até Maio. Agora tens equipas que estão mais preocupadas com as competições europeias e é importante começar bem, porque é um campeonato muito físico, mas até Dezembro consegues jogar num estilo de futebol; a partir de Janeiro, muda, porque quando começa a neve, campos congelados… É totalmente diferente, já não podes jogar futebol, tens de ir para a guerra em cada jogo!

LeonardoMolenbeek(Na temporada 20/21, o luso-brasileiro representou os belgas do Molenbeek também no segundo escalão.)

E adaptaste-te bem?
Sim. Como eu sou aquele atacante alto, que tem muitos duelos com os defesas, já estou habituado a isso, na Bélgica também era assim. Mas há clubes com estruturas muito boas: o Legia, o Lech Poznan, o Raków, até o Pogon. Muito bons estádios, mais de 20 mil pessoas por jogo.

Tens algumas histórias engraçadas ou curiosas que já tenham acontecido aí?
O que me surpreendeu mais foi logo no primeiro jogo, no estádio do Legnica, um estádio pequeno mas que parecia ter mais de 10 mil ou 15 mil pessoas a cantar. Todo o estádio a cantar! Não é só a claque organizada, eles começam a cantar e depois toda a gente acompanha. Por exemplo neste jogo em que jogámos em casa e marquei, só me lembro de fazer o golo e o estádio a explodir! É incrível, são mesmo apaixonados por futebol.

Já tinhas sentido esses ambientes noutros países?
Na Bélgica não muito. O Lierse tinha muito apoio, mas o Eupen nada, tinha 1500 pessoas ou assim por jogo. Em Espanha sim, quando estive no Leganés vi que os fãs também são muito assim.

O que te levou a aceitar o convite do Radomiak? Qual foi a motivação? Naquele momento lideravas a tabela de melhor marcador da II Liga belga!
Já tinha jogado muito tempo na II Liga da Bélgica e acho que já não tinha mais nada a provar. O objectivo era jogar numa I divisão europeia. Infelizmente na Bélgica muitas equipas ficaram com receio por causa da minha passagem pelo Eupen, onde jogava 5 ou 10 minutos durante 2 anos. Por isso preferi sair do país. Se puseres um atacante a jogar e lhe deres confiança, a qualquer momento ele pode começar a marcar. Tinha equipas interessadas na Bélgica, mas preferi sair e conhecer outras coisas. E acho que foi uma decisão boa nesse sentido, para aparecer, porque em 6 meses já consegui aparecer muito mais do que em todo o tempo que estive na Bélgica.

leonardomonaco(Foi no Mónaco, clube que representou durante cerca de duas épocas e meia, que Leonardo Rocha completou a sua formação.)

Tens um percurso curioso a nível de formação, desde o Amora e Colégio Guadalupe ao Novara, depois Brasil, depois novamente Amora… e Monaco! Como aconteceram todas essas etapas?
Fomos para o Brasil na altura em que se deu a grande crise em Portugal, porque os meus pais e toda a minha família são brasileiros, eu é que nasci em Portugal, eles já viviam lá há muitos anos. Mas antes disso eu tinha ido para o Pescara, aos 14 anos, onde assinei um contrato de 4 anos que depois passaria para profissional. O problema é que a FIFA não me deixou jogar até aos 16 anos, por isso fomos para o Brasil e fiquei lá até aos 16 anos para poder voltar para a Europa outra vez. Estive a fazer testes em alguns clubes e acabei por assinar pelo Mónaco. No Amora tinha jogado em pequeno e depois tive de fazer lá uma inscrição nessa altura para poder jogar no Mónaco, porque tinha de passar pela Europa depois de ter estado no Brasil.

E como se deu a ida para Espanha? Ainda foste com contrato com o Mónaco, ou já como jogador livre?
No Mónaco joguei com o Kylian [Mbappé], ganhámos a Taça e tudo [sub-18], foi um ano muito bom, joguei muito e marquei muitos golos, e tinha muitas equipas interessadas para me dar contrato profissional. O Mónaco nesse momento ainda não queria, queria dar-me um de transição e se jogasse bem na equipa B, aí davam-me contrato profissional. Então eu disse que preferia ir embora e jogar como profissional num contexto de equipa sénior. Eles não me deixaram sair, exigiam direitos de formação, então aceitei o que me estavam a oferecer no Mónaco… e depois durante 6 meses só treinei, não pude jogar mais. Depois desses 6 meses deixaram-me sair livre e aí assinei com o Leganés.

Como correu a passagem por Espanha? Foi curta, mas ainda foste ao banco da equipa principal na La Liga…
Fui ao banco duas vezes. Mas aí há outra história, a minha carreira é cheia de histórias (risos)! Eu jogava na equipa B mas estava sempre com a equipa principal, e nessa altura em que fui convocado, havia equipas da II Liga interessadas em me ter por empréstimo. Eu tinha 20 anos e queria jogar, mas não me deixaram sair; depois nos últimos dias do mercado contrataram 2 atacantes, o Amrabat e o Beauvue, e disseram-me que tinha de ir para a equipa B. Naquela altura a equipa B era muito complicado, estava na quarta divisão, treinava de noite, não tinha fisioterapia… Era horrível. Depois de 6 meses, deixaram-me ir para o Ontinyent, para jogar até ao final da época. Ainda marquei uns golinhos, não era titular mas entrava sempre. Depois o clube começou a ter problemas de dinheiro, acho que até foi à falência, e foi aí que fui para a Bélgica.

leonardopntinyent(Na segunda metade de 17/18, o avançado representou os espanhóis do Ontinyent por empréstimo do Leganés.)

E como surge a Bélgica? Por essa altura estavas um pouco “desaparecido” na III Divisão espanhola…
O Lommel precisava de um avançado e, através de um empresário que o meu pai conhecia, fui fazer testes, porque tinha 21 anos e ainda não tinha começado verdadeiramente a jogar futebol profissional. Fui, treinei 10 dias, fizemos jogos amigáveis e fiquei. Imagina se não tenho aceitado ficar à experiência? Mas eu sou cristão e sei que Deus faz as coisas correctas. Poucas pessoas sabem que eu fui fazer testes inicialmente, não fui contratado. Foi assim que começou toda a história! E o Lommel ainda ganhou 500 mil euros com a minha venda, também fiquei feliz porque pude ajudar o clube, que naquela altura tinha um orçamento muito pequeno, o objectivo era mesmo sobreviver na II Liga. O Scott Bitsindou, um dos meus melhores amigos lá na Bélgica, também foi fazer testes, assinámos os dois juntos, e fomos as revelações do campeonato e do clube. Muitas vezes os clubes perdem boas oportunidades e não sabem o que pode acontecer, aliás até com as maiores estrelas às vezes se fala de que certo clube o rejeitou porque achava que não iria ter nível ou assim. Não conseguem avaliar o potencial do jogador.

E o que falhou no Eupen?
Eu escolhi ir para lá porque ia jogar. Se fosse só para ir para a I Liga da Bélgica, eu tinha clubes grandes que me queriam, mas o meu objectivo era jogar ali um ano, marcar os meus golos na I Liga e depois ser vendido para um clube grande já com outro estatuto. Quando cheguei, o treinador trouxe um atacante que já tinha trabalhado com ele e eu não liguei, mas depois eu só jogava 5, 10 minutos. Depois de 6 semanas de eu ter assinado e já com o mercado fechado, ele chamou-me e disse que iam trazer um avançado emprestado, o Bolingi, e que eu não ia jogar mais, nem sequer ser convocado. Até Dezembro só treinei. Passas de ser o melhor marcador da II Liga a nem convocado num clube pequeno da I, é complicado.

Entretanto sofreste uma lesão grave e depois voltaste para a II Liga, onde mais uma vez marcaste muitos golos!
Sim, infelizmente lesionei-me num joelho e acabou a temporada. Depois quando voltei, ainda estava o mesmo treinador e decidi ir para o Molenbeek, onde voltei a jogar, a ganhar confiança e a marcar golos.

Onde é que gostaste mais de jogar em termos de futebol jogado? Qual se adequou mais às tuas características?
O campeonato belga é bom para avançados do meu estilo, mas tens de estar na equipa certa, que jogue nesse estilo. Os clubes onde tive mais prazer de jogar foram o Lierse e o Lommel, foi onde marquei mais golos e tive o mesmo treinador, o Tom Van Imschoot. Tinha uma muito boa relação com ele e foi onde passei os melhores momentos. E aqui na Polónia também é um futebol muito bom para atacantes como eu, de área. Saem daqui muitos jogadores para a Alemanha com esse perfil.

leonardoeupen(A estreia de Leonardo numa I Divisão europeia aconteceu na época 19/20, em representação dos belgas do Eupen, mas a experiência no clube esteve longe de lhe correr de feição.)

Para quem nunca te viu jogar, como te descreves enquanto jogador? Quais os teus principais atributos e também onde consideras que ainda podes evoluir?
Quando era mais novo, queria correr para todo o lado, sair da área, ir buscar a bola. O meu pai, que também jogou futebol, dizia-me sempre: “Fica na área, é lá que vais fazer golos”. Agora, começo a entender que me tenho de focar muito mais nesse objectivo. Também gosto de jogar, de participar no jogo, mas tudo depende de como o treinador joga: se for mais pelas laterais, vou participar menos e aparecer mais na finalização; se tivermos um estilo mais por dentro, vou descer mais e participar mais. Para me descrever… sou um atacante muito grande e onde sou mais perigoso é dentro da área, claro. Há uns anos, quando o Guardiola surgiu no Barcelona, as pessoas começaram a olhar só para os atacantes pequenos e o avançado de área ficou meio rejeitado; agora, nos últimos anos, voltaram a haver os atacantes altos, fortes, que ficam mais na área como o Haaland, que não pegam na bola no meio-campo e saem a driblar. Fazem o simples no meio-campo e quando é para finalizar é que fazem a diferença. E isso é muito bom para mim. Ser grande é uma característica a mais para mim; claro que não vou ter a mobilidade e a velocidade de um Aguero, mas cada bola na área é perigosa. Mas também sei jogar, depende do estilo de jogo da equipa, se domina ou não. Se for uma equipa que tem muita posse de bola, vais aproveitar muito mais, vais tocar muito mais na bola. No Radomiak ou no Lierse tínhamos muito pouca posse, e aí tinha de guardar a energia mais para finalizar, era mais bolas na frente. Mas quando usaram esse estilo comigo, deu certo. Tens de saber usar as armas que tens.

Quem são os teus ídolos de infância, ou em quem te revias/revês mais na tua posição?
O meu jogador preferido era o Ronaldo Fenómeno, por ser atacante, via os vídeos dele. E depois quando comecei a crescer, comecei a ver que ia ser um atacante muito alto, comecei a olhar mais para outros perfis e gostava muito do Zlatan. Era um gajo alto com qualidade técnica de Neymar. Por isso foi dos melhores.

Que treinador mais te marcou?
Com certeza o Tom Van Imschoot, sobretudo porque foi ele que me deu a oportunidade para aparecer no mundo do futebol, e foi ele que meu deu a oportunidade de me voltar a lançar após um ano praticamente sem jogar, quando saí do Eupen. Tenho muito respeito por ele nesse sentido e também como treinador, porque fez muitas coisas incríveis com o pouco que lhe deram. Esteve sempre em equipas com o orçamento mais baixo e no Lommel, salvámo-nos, e agora no Lierse terminou nos seis primeiros num clube ainda em reconstrução e sem grandes condições.

leonardoleganes(Apesar de ter sido suplente não utilizado em dois jogos da La Liga, o atleta nascido em Almada apenas conseguiu jogar pela equipa B do Leganés.) 

O que ainda esperas atingir na carreira?
O futuro só Deus sabe. Tudo pode acontecer muito rápido, seja para cima seja para baixo, e falo por experiência própria. Não há limites, especialmente um atacante: se começar a jogar e a marcar muitos golos, pode chegar a qualquer lado. Claro que todos sonham jogar na Liga dos Campeões ou algo assim, eu também. Escutar aquela música pelo menos uma vez, jogar numa competição europeia… Seria muito bom.

Sentes-te mais português ou mais brasileiro?
É ali 50-50. A minha infância toda foi passada em Portugal, mas a minha cultura é brasileira, sou o único português da minha família. Se um dia acontecesse estar perto de jogar numa selecção, veríamos; por enquanto ainda estou longe.

Há uns tempos, quando estavas a marcar com muita regularidade, o teu pai escreveu que eras o melhor ponta de lança português da actualidade. O que achas em relação a isso?
É verdade que não há muitos atacantes assim muito altos. Portugueses então, de 2 metros deve haver poucos. Mas claro que para um pai, o filho é sempre o melhor (risos)! Em todos os lados por onde passei, quando me deram regularidade e confiança, sempre consegui fazer a diferença, fiz golos, fui dos melhores marcadores.

Joel Pereira: “Sonho jogar a fase de grupos da Liga dos Campeões”

joellech(A terceira época de Joel Pereira no Lech Poznan está a começar da melhor forma: em dois jogos, soma duas assistências e duas vitórias.)

Perfeitamente adaptado à Polónia, para onde se mudou em 2021, Joel Pereira, que cumpre a terceira temporada com a camisola do Lech Poznan, está a ter um excelente começo em 23/24: o lateral direito soma duas assistências em outros tantos jogos, com a sua equipa a vencer ambas as partidas.
Produto da formação de FC Porto e Vitória SC, o jogador natural de Vila Nova de Gaia estreou-se como sénior na equipa B vimaranense, passando depois por Académico de Viseu, DOXA (Chipre), Omonia (Chipre), Spartak Trnava (Eslováquia) e Gil Vicente até reforçar o Lech, por quem se sagrou Campeão na época de estreia.
Atualmente com 26 anos, Joel Pereira assume nesta entrevista, sem rodeios, que se vê capaz de chegar a um dos 5 principais campeonatos europeus, ele que é internacional português no escalão Sub-16 e tem a ambição de ser eleito o Defesa do Ano na principal Liga Polaca:

À Bola pelo Mundo/Conversas Redondas: Uma assistência na primeira jornada da Liga polaca e outra na pré-eliminatória da Liga Conferência. É para manter essa média (risos)?
Joel Pereira: Se puder manter, assino já por baixo (risos)! É uma fase que não vai durar para sempre, como é óbvio, mas enquanto durar, vou desfrutar.

Nos últimos anos tens-te destacado muito no capítulo das assistências. Tens feito algum trabalho específico, nomeadamente desde que chegaste à Polónia?
Nos primeiros anos enquanto sénior jogava em clubes que atacavam menos, era diferente o estilo de jogo. Este estilo de jogo aqui no Lech Poznan favorece-me mais. Já conheço muito bem um grande núcleo de jogadores da equipa e isso ajuda muito, e o pessoal que veio este ano também veio acrescentar e tem corrido muito bem para todos.

Quais são os objectivos para esta época, individuais e colectivos?
Individuais é manter no mínimo os mesmos números das duas épocas anteriores aqui na Polónia, que foram bons, e continuar no mínimo a ser nomeado para Defesa do Ano – não ganhei, mas este ano vou atrás disso. Tudo o que vier é acréscimo. Colectivamente, em termos internos o objectivo é lutar por todos os títulos: Campeonato e Taça. Na Europa, é chegar o mais longe possível como no ano passado. Claro que sabemos que é uma missão quase impossível, mas vamos atrás do sonho.

(Em 20/21, Joel Pereira estreou-se na I Liga Portuguesa pelo Gil Vicente.)

Estás na terceira época na Polónia. O que gostas mais no país e no clube em si?
O clube, os adeptos… É uma coisa inexplicável. Só mesmo sentindo o estádio, o que é ir na rua e todas as pessoas te conhecerem. És um “ídolo”. É muito bom. Claro que quando as coisas não correm bem também não é bom receber mensagens de ódio, mas isso faz parte em todo o lado. No geral, o ambiente é muito bom em todos os estádios. Se calhar, é algo desconhecido para muita gente, mas quem anda dentro do futebol sabe que aqui é muito diferente de Portugal. Sem contar com os três grandes, é incomparável.

E como descreves o futebol na Polónia? Surpreendeu-te de alguma forma?
Sabia que ia ser físico, mas não esperava que houvesse tanta qualidade individual. Há muitas equipas a jogar bom futebol, mas acho que ainda falta alguma evolução, o jogo ainda parte muito, há muitas transições. Mas ano após ano, acho que temos vindo a mudar a mentalidade do campeonato. Temos evoluído bastante.

No primeiro ano tiveste um treinador polaco [Maciej Skorza], e desde o segundo estás com um neerlandês [John van den Brom]. Há diferenças entre ambos?
O treinador polaco conhecia mais o campeonato, era mais rato. Conhecia todas as equipas, os jogadores, a maneira de lidar em cada jogo. Conhecia tudo. E foi isso, a ambição, a exigência dele internamente, que nos levou ao título. O neerlandês quer um futebol mais apoiado, mais bonito, mais atrativo, e dá-nos liberdade. Eu posso ir para o meio, desde que o médio compense na minha posição.

(A primeira experiência internacional do gaiense foi com a camisola dos cipriotas do Doxa na temporada 18/19.)

A época passada, apesar de abaixo da anterior a nível interno, acabou por ser considerada positiva pelo grande trajecto na Liga Conferência (o Lech chegou aos quartos-de-final)?
Sim, porque ninguém esperava, nem no clube nem no país. E andámos perto de passar a Fiorentina! Foi muito bom, até pela forma como tínhamos saído da qualificação para a Liga dos Campeões, onde levámos um amasso do Qarabag. Abalou-nos um bocadinho, mas depois mantivemos sempre a bitola alta na Liga Conferência.

E adaptaste-te bem? É um futebol que se adequa às tuas características? Também tiveste três colegas portugueses…
Sim, já cá estavam o [Pedro] Tiba e o [João] Amaral, depois chegou o [Pedro] Rebocho. Mas mesmo os polacos receberam-nos muito bem. Este é o melhor balneário que tive na carreira, é inexplicável. O polaco no geral é muito frio, distante, mas nós tivemos muita sorte de apanhar estes polacos. Mas também ajudou termos trazido qualidade ao plantel, eles perceberem que viemos para ajudar. Foi um grupo que se uniu desde o início, fomos atrás do objectivo principal, que no primeiro ano era o título, e conseguimos. A partir daí foi o alavancar de tudo, até porque o núcleo duro continuou no clube.

O que te levou a ir para a Polónia no verão de 2021, depois de uma época de estreia na I Liga onde foste titular indiscutível no Gil Vicente?
Tinha uma proposta de renovação do Gil Vicente, e era boa, e tinha mais algumas abordagens da I Liga. Mas o que me levou a aceitar a proposta do Lech Poznan foi indiscutivelmente a questão financeira, se dissesse o contrário estaria a mentir. A diferença para o que o Gil me propôs era muito grande. E também sabia que o objectivo naquele ano, que era o ano do centenário do clube, era lutar pelo título de campeão, o que também me fez pensar. Mas acima de tudo foi o dinheiro, sem dúvida.

(A experiência de Joel Pereira no Spartak Trnava acabou por ser bem mais curta do que o esperado devido ao surgimento da pandemia.)

Fizeste parte da formação no FC Porto e depois no Vitória SC. O que guardas dessas experiências?
Aprendi muito no FC Porto, com treinadores e jogadores incríveis. Mas onde fui mais feliz foi nos dois anos de júnior no Vitória. Correu tudo muito bem, senti-me valorizado, que era o que precisava na altura. Desfrutei de torneios, de colegas incríveis, de viagens… E é isso que fica. No futebol sénior já é totalmente diferente.

Saíste depois para o Académico de Viseu por vontade própria, dada a pouca utilização na equipa B do Vitória?
Sim, não estava a jogar tanto quanto gostaria e naquela idade queria era jogar e mostrar-me. Apareceu o Académico de Viseu, achei que era uma boa oportunidade, era a II Liga. Salvámo-nos da descida no play-off e no ano seguinte quase que fazíamos história subindo à I Liga, por isso acho que foi o passo certo.

Foste eleito o melhor lateral-direito da II Liga e entretanto vais para o Chipre. Porquê? Tinhas como objectivo jogar no estrangeiro?
Sim, foi sempre um sonho, nem sei explicar bem porquê. Queria experimentar realidades diferentes e sempre foi um sonho ir para fora. Na altura apareceram muitas propostas, porque eu não tinha contrato, e o DOXA foi o mais rápido a aparecer com uma proposta concreta. E eu naquela altura, com 21 anos, vi o salário que eles ofereceram e achei que ia ficar rico (risos), e então parti à aventura. Felizmente apanhei uma pessoa incrível, o meu empresário [Bernardo Vasconcelos] é inexplicável e tudo o que traçámos desde então como objectivos tem-se vindo a concretizar.

(Foi no Vitória SC que o lateral completou a formação e subiu a sénior.)

Era um salário comparável com o que estás a ganhar na Polónia?
Não. Muito abaixo! Mas ainda assim, era muito superior ao que eu recebia na altura no Académico de Viseu. Hoje percebo que aquele ordenado não dava para nada, mas na altura parecia muito. Mas foi giro, adorei estar no Chipre, é uma ilha incrível, inacreditável para férias. Calor o ano todo, praias… Temos é de conseguir separar essa parte do futebol, e eu felizmente soube fazê-lo.

No DOXA fizeste uma grande época e acabas por ser contratado pelo Omonia, mas essa temporada já não correu tão bem… Foi a pior da tua carreira?
Sem dúvida. No DOXA a época correu-me muito bem, apareceram vários clubes e optei pelo Omonia por ser um clube grande, histórico, com adeptos inacreditáveis, e o treinador fez uma força incrível para eu ir. Assinei, pré-época tudo tranquilo, começámos o campeonato comigo a titular, ganhámos 2-0 contra o DOXA; no jogo a seguir tirou-me… e foi até Janeiro, só joguei para a Taça. Nunca me deu qualquer explicação, só me disse que estava nervoso naquele jogo de estreia. Em Janeiro decidi que queria sair porque precisava de jogar e emprestaram-me ao Spartak Trnava, que era treinado pelo mister Ricardo Chéu. Fizemos pré-época na Turquia, depois vamos para a Eslováquia, faço 2 ou 3 jogos como titular e depois… vem o covid, fecha tudo e o Joel fechado na Eslováquia! Foi uma época para esquecer.

E de repente, aparece o Gil Vicente e a oportunidade de te estreares na I Liga. Como é que isso aconteceu?
Eu tinha mais 2 anos de contrato com o Omonia, eles não demonstraram muito interesse que eu continuasse, até porque o treinador tinha ficado e por isso ia ser mais do mesmo. Eu queria resolver o meu futuro e tive muita sorte porque no Gil Vicente, o Alex Pinto não quis renovar e foi para o Farense e depois o Fernando Fonseca também acabou por ir para o Paços de Ferreira. Abre ali uma janela para mim, foi o destino ou Deus que me deu mais uma oportunidade. Tive literalmente uma época sem jogar, vinha do Chipre, nunca tinha jogado na I Liga e apareceu uma oportunidade. Surpreendeu-me muito. Sabia que tinha feito boas campanhas na II Liga e nessa altura tinha tido oportunidade de ir para a I Liga, mas nunca pensei sair do Chipre de um ano sem jogar e ir para uma equipa da I Liga. Mas as oportunidades surgem por alguma razão e eu consegui agarrar a minha.

(Joel Pereira, aqui em ação pelo Omonia diante do Anorthosis, não teve uma passagem feliz pelo emblema verde e branco.)

E foi o que esperavas?
Infelizmente jogámos sem adeptos o ano todo, mas gostei muito de jogar na I Liga. Há muita qualidade. O jogo não é tão físico, com tantas bolas longas como na II Liga, que é um jogo mais directo. Na I Liga joga-se futebol com qualidade, com intensidade e com sentido.

Porque achas que isso acontece na II Liga, sendo que muitos dos treinadores que por lá andam já têm muita experiência de I Liga?
Acho que os treinadores acabam por se adaptar ao plantel que têm. Porque o objectivo de muitas equipas na II Liga é subir, e não dá para todas! A II Liga é uma guerra! Muito competitiva, qualquer equipa pode ganhar a qualquer equipa.

E depois de uma época como titular no Gil Vicente, surge a hipótese de ir para a Polónia para a melhor época da tua carreira…
Sim, essa época foi inesquecível. Pelo título em si, por ser o ano do centenário do clube… Foi tudo perfeito. Só não ganhámos a Taça, porque de resto fomos muito superiores.

Tiveste outros convites de Portugal antes de aceitares o Lech Poznan?
Tive o Gil, tive conversas com o Moreirense, mas o salário era muito inferior. Claro que se me aparecesse um Vitória ou um Braga, o pensamento seria diferente, com máximo respeito pelo Gil, tenho a maior gratidão, mas é diferente, mesmo os salários. E eu pensei na minha família, no meu futuro porque, como já tenho ouvido alguns jogadores dizerem, as medalhas não me dão de comer, nem os títulos. Por isso fui atrás do aspecto financeiro, é a realidade.

(Ao serviço do Académico de Viseu, o defesa registou 36 jogos em época e meia.)

Sendo que curiosamente acabaste por conseguir medalhas e títulos com essa escolha (risos)!
Exactamente (risos)! Se pudermos juntar as duas coisas, perfeito!

Como é viver na Polónia? O clima, o país, as pessoas, a comida, a comunicação…
As pessoas são frias. A comunicação não é fácil porque as pessoas normalmente não falam inglês, e as que falam não querem fazer o esforço porque és estrangeiro. Mas a vida é tranquila, vamos a cafés, a restaurantes (mais internacionais, não comemos muita comida tradicional), dar um passeio. O problema é o frio, quando está muito é impossível sair. Não vou pôr a minha filha no frio, porque fica doente e depois passamos uma semana em casa com ela doente. Então optamos por ficar em casa ou ir a sítios mais fechados. O ano passado acabei por ter pouco tempo para a família porque jogávamos de 3 em 3 dias, estávamos sempre em viagens, as daqui de camioneta são muito longas, e depois para a Europa de avião íamos um ou dois dias antes. Foi uma correria autêntica. E que este ano seja igual, era bom sinal!

Tens algumas histórias engraçadas ou caricatas que já tenhas vivido aí?
Na segunda mão da Liga Conferência, jogámos em casa contra uma equipa da Islândia, o Vikingur. E passámos a eliminatória só após prolongamento. Passámos, festejámos, mas eles eram uma equipa semi-profissional e os nossos adeptos não gostaram nada e fizeram-nos uma espera à porta do estádio! E não saímos do estádio até ir falar com eles e dar-lhes justificações de porque é que não tínhamos ganho sem ser no prolongamento!

(Entre 2011 e 2012, Joel Pereira foi 7 vezes internacional Sub-16 por Portugal.)

Onde é que gostaste mais de jogar? Que futebol se adequou mais às tuas características?
Adorei jogar em Portugal, o campeonato é muito melhor, sem dúvida, mas aqui estou num clube grande e cujo estilo está adaptado às minhas características. A equipa gosta de jogar futebol, não gosta de bater bola na frente, e o treinador também fomenta isso, e é bom para mim. Atacamos muito mais do que defendemos e eu gosto disso.

Onde consideras que evoluíste mais na carreira desde o início? E onde achas que ainda precisas de evoluir mais?
Desde que cheguei à Polónia, evoluí muito no jogo interior, no jogo entre linhas. Eu sou um lateral, normalmente o lateral fica mais fixo na linha, mas desde que cheguei aqui, o treinador quis muito que eu jogasse quase como médio centro, 8. E este treinador neerlandês dá-me liberdade total para eu fazer o que quiser dentro do campo. Para melhorar, diria o jogo aéreo. Não é importantíssimo, mas é. E se calhar ser mais agressivo.

Quem são os teus ídolos de infância ou em que te revias/revês na tua posição?
A minha referência foi sempre o Ronaldinho. É totalmente o oposto da minha posição, mas foi quem sempre admirei. Apaixonei-me pelo futebol muito por causa dele. As referências como defesa-direito… Gostava muito do Lahm, gosto muito do Kimmich (que agora joga no meio), do Arnold do Liverpool e do Cancelo, é incrível, tem mais qualidade tecnicamente do que muitos extremos.

(Contratado pelo FC Porto ao Perosinho, o gaiense representou os dragões durante 6 anos.)

Que treinador mais te marcou?
Gosto muito dos que apanhei aqui na Polónia, porque me deram muita confiança. Mas vou dizer o mister Luís Castro, que apanhei no Vitória em juniores, estava agora no Benfica B, e também o Ricardo Soares, que me fez crescer muito jogador. É um treinador muito acima da média. Adorei trabalhar com ele, aprendi muito. Vai ter muito sucesso na carreira, e merece esse sucesso porque é mesmo muito bom treinador.

O que ainda te falta atingir na carreira? Foste internacional (sub-16), achas que ainda irás conseguir regressar à selecção?
Sonhos possíveis… Gostava de atingir a fase de grupos da Liga dos Campeões. Não sou obcecado por isso, mas gostava de conseguir esse sonho. A selecção… temos de ser conscientes, está muito bem servida na minha posição e não vai ser um jogador do Lech Poznan a ser convocado, nunca aconteceu, só vão jogadores das equipas grandes e é normal, por isso é que estão nessas equipas. Além disso, é conseguir sempre melhores contratos para melhorar a minha vida e a da minha família. Esse é o objectivo principal.

Mas não te vês a chegar, por exemplo, a um campeonato do top-5 europeu?
Eu ambicionava muito isso, por isso disse que gostava de jogar na fase de grupos da Liga dos Campeões, porque normalmente são quase só equipas dessas ligas que lá chegam. Tenho a certeza que tenho qualidade para jogar num desses campeonatos, mas… a oportunidade precisa de aparecer. Irei atrás do meu sonho até ao fim da carreira, mas pensando dia a dia, fazer os meus jogos e os meus números. O que vier, cá estaremos para analisar.

(Joel Pereira, Pedro Rebocho e João Amaral formavam parte da “armada lusa” que se sagrou Campeã pelo Lech Poznan em 2021 – falta na foto Pedro Tiba.)

Para finalizar, uma curiosidade: a tua companheira é ex-jogadora de futebol, certo?
Sim. E jogava a defesa-direito (risos)! Vou ter de afastar a minha filha dos estádios, isto está-lhe no sangue (risos)!

E ela gosta de futebol e de acompanhar? Dá-te conselhos, faz críticas?
Sim, ela percebe muito de futebol. Falo de tudo com ela, análise futebolística, tudo. No fim dos jogos pergunto o que ela achou e acredito 100 por cento no que ela diz, porque ela dá a opinião sincera, se achar que eu joguei mal diz! E é isso que eu quero ouvir, não é dizer que estou sempre bem porque somos namorados, isso não ajuda ninguém.

Chegaste a vê-la jogar? Tinha características parecidas com as tuas?
Eu já a vi em fim de carreira, ela jogava no Leixões. Depois começou a trabalhar e juntou-se comigo, depois fomos para Viseu e deixou o futebol. Depois ainda voltou uns meses no Viseu 2001, porque o campo ficava mesmo ao lado de onde eu treinava, mas vi muito pouco dela para poder dizer se era parecida comigo. Mas dizem que era muito boa jogadora!

Luís Machado: quando à arte se junta a eficácia

lmachado

Luís Machado, extremo que representa os polacos do Radomiak Radom, é o destaque desta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

Três semanas consecutivas a marcar. A julgar unicamente por este registo, este é o melhor momento da carreira profissional de Luís Machado, a cumprir a segunda temporada na Liga polaca ao serviço do Radomiak Radom (onde partilha balneário com os compatriotas Pedro Justiniano, Tiago Matos e Filipe Nascimento). Aos 30 anos acabados de fazer, o extremo natural de Lamego vai-se cotando como um dos destaques do actual décimo classificado da Ekstraklasa e até já dobrou o número de golos feitos em 2021/22: soma 4 em 16 jogos, contra os 2 em 32 partidas efectuadas na última temporada.

A experiência na Polónia é a segunda da carreira de Luís Machado fora de Portugal – e consecutiva, depois de nove temporadas a actuar unicamente nos campeonatos nacionais. No início de 2020/21, depois de uma época em que foi opção regular quer para Vítor Campelos, quer para Ricardo Soares no Moreirense, o extremo surpreendeu ao rumar à exótica Superliga indiana para representar o NorthEast United, onde chegaria às meias-finais – acabou, de resto, por falhar o apuramento para o jogo decisivo devido a um penalty desperdiçado… pelo próprio na derrota por 2-1 ante o ATK Mohun Bagan, ele que foi de longe o destaque da equipa ao longo da prova (7 golos e 2 assistências em 22 jogos).

Com formação quase integralmente realizada no Paredes, estreando-se nos seniores ainda com 17 anos, na então III Divisão (2008/09, sagrando-se campeão), Luís Machado cumpriu o segundo ano de júnior no Freamunde e ali começou “a sério”, disputando a II Liga logo no primeiro ano de sénior (2011/12, 9 jogos). Faria mais duas temporadas nos Capões, uma no segundo escalão e outra no então denominado Campeonato Nacional de Seniores (que venceu), e em 2014/15 rumou ao Tondela onde voltaria a conquistar um título de campeão, logrando simultaneamente a subida inédita à I Liga.

As oportunidades acabariam por escassear na primeira metade da temporada seguinte, e por essa razão optou por dar um passo atrás em Janeiro e mudar-se para o Feirense, na II Liga, acabando por festejar nova subida ao escalão principal logo no fim da época. Seguiram-se três temporadas interessantes pelos Fogaceiros e nem a despromoção no fim de 2018/19 o tirou da I Liga, dada a contratação por parte do Moreirense. Nos Cónegos não teve tanta preponderância, dividindo de forma totalmente igualitária a utilização (12 vezes titular e outras tantas suplente utilizado), mas de qualquer forma não deixou de espantar a saída para a Índia quando tinha mais dois anos de ligação ao emblema minhoto.

A verdade é que parece ter tomado o gosto à vida de emigrante, pois já lá vão dois anos e meio longe do nosso país e com desempenhos interessantes, com a temporada actual a encaminhar-se a passos largos para ser a melhor da carreira. E se em Portugal já não era propriamente novidade a sua apetência para fazer grandes golos (ficaram na retina os golaços apontados a Boavista e Braga no espaço de um mês em 2017/18, por exemplo), já os polacos estão agora a familiarizar-se com essa característica do extremo lamecense: Luís Machado abriu a contagem na vitória por 2-1 em casa do Piast com um belíssimo remate de primeira sem deixar a bola cair na sequência de um canto e repetiu a façanha com novo pontapé de fora da área na derrota caseira ante o Warta Poznan (2-3), fechando agora o triunfo por 3-1 em casa do surpreendente Widzew Lodz (recém-promovido e actual terceiro classificado) já nos últimos instantes após corrida iniciada ainda antes do meio-campo.

Emblema com pouquíssima tradição na Polónia (até há duas épocas contava apenas com uma participação na Liga principal, na já longínqua temporada de 1984/85), o Radomiak Radom surpreendeu tudo e todos com a boa campanha realizada na temporada passada, terminando num honroso sexto lugar. Por agora segue, como já se disse, no décimo posto, embora esteja a apenas três pontos… do terceiro, precisamente a equipa que bateu no último fim-de-semana, num lugar que garante presença no play-off de acesso à fase de grupos da Conference League. Findo o sonho da Taça, dada a eliminação esta quinta-feira diante do modesto Lechia Zielona Gora, do quarto escalão (derrota por 2-1 no desempate por grandes penalidades depois do 0-0 no tempo regulamentar), o emblema de Radom vira-se agora em definitivo para o objectivo de terminar no melhor lugar possível no campeonato, não descurando a possibilidade de conseguir chegar às competições europeias pela primeira vez no seu historial, e para isso continuará seguramente a contar com a arte e engenho de Luís Machado, a quem pode agradecer directamente a conquista de 4 pontos nesta campanha.

Nené: na Polónia já se renderam ao senhor dos grandes golos

nene

Nené, médio que representa os polacos do Jagiellonia Białystok, é o destaque desta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

Aos 27 anos, novo desafio na carreira de Nené: depois de três épocas de I Liga ao serviço do Santa Clara, o emblema maior do seu arquipélago natal (Açores), o médio da Graciosa rumou pela primeira vez ao estrangeiro, assinando por duas temporadas (mais uma de opção) com o Jagiellonia. E, para primeira impressão, a estreia noutro país não está a correr nada mal: titular por 7 ocasiões em 11 jogos, Nené já marcou dois golos e ambos estratosféricos, apontados do meio da rua, em jogos consecutivos e a valer directamente três pontos à sua equipa – actual nona classificada da Ekstraklasa, com 13 pontos em 10 jornada.

Titular nas duas primeiras jornadas, Nené (Rui Filipe da Cunha Correia no CC) foi depois relegado para o banco nas três rondas seguintes. Foi precisamente na última delas que surgiu a primeira demonstração do pé canhão do médio açoriano, numa bomba a quase 30 metros da baliza contrária que iniciou a recuperação diante do Raków – o Jagiellonia perdia por 2-0 desde o minuto 10 e acabou por chegar ao 2-2 já em cima dos 90, depois de Nené ter reduzido a desvantagem aos 63 minutos. A boa exibição valeu-lhe o regresso à titularidade para a jornada 6, na recepção ao Miedz Legnica, onde o Jagiellonia esteve novamente a perder, chegando ao período de descontos com o resultado em 1-1; a escassos segundos do apito final, e após um alívio para a entrada da área adversária, o médio luso atirou de primeira novamente com o pé esquerdo para o fundo das redes contrárias, num golo de antologia que valeu a vitória da sua equipa e que deu a volta ao mundo.

Daí para cá, Nené não mais voltou a sentar-se no banco dos suplentes, tendo sido titular em todas as quatro partidas disputadas entretanto pelo Jagiellonia para a Liga polaca (foi suplente utilizado apenas na primeira eliminatória da Taça, na qual a sua equipa venceu por 1-0 após prolongamento no reduto do secundário Odra Opole). Também não voltou a marcar, mantendo-se ainda assim como peça fulcral na equipa – fez, de resto, a assistência para o golo que ditou o 1-1 na visita ao terreno do Zaglebie Lubin, estando ainda em destaque na goleada caseira ante o Stal Mielec (4-0) da jornada 9 ao atirar de forma violentíssima ao poste na transformação de um livre directo, com o espanhol Marc Gual a fazer o segundo golo da partida na recarga.

Esta, já se disse, é a primeira aventura de Nené fora de Portugal. Não se pode afirmar peremptoriamente, contudo, que seja o maior desafio da sua carreira: esse, quiçá, terá acontecido quando, aos 11 anos, rumou ao continente e se juntou ao Sintrense, após os primeiros anos de formação passados no clube da sua ilha (Guadalupe), para o qual voltaria três anos depois. Ao chegar a júnior voltou a tentar a sua sorte em território continental, unindo-se ao Braga, com o qual assinaria contrato profissional na transição para sénior (2014/15) logo após celebrar a conquista do título nacional do escalão (e conquistar as três internacionalizações sub-19 que constam no seu currículo), passando posteriormente duas temporadas na equipa B dos Guerreiros do Minho.

A escassa utilização na II Liga, todavia, acabaria por resultar no fim da ligação contratual aos bracarenses, com o médio açoriano a optar então por descer um patamar e rumar ao Montalegre, do Campeonato de Portugal, no qual somou 9 golos em 32 jogos em 2016/17. Os bons desempenhos no emblema transmontano chamaram a atenção do mais ambicioso Fafe, onde Nené jogaria nas duas temporadas seguintes, conseguindo igualmente números muito positivos (5 golos em 2017/18 e 8 na época que se seguiu) que o levariam a ascender directamente à I Liga no verão de 2019 pela porta do Santa Clara.

A jogar “em casa”, Nené não deslustrou: apesar de não se ter conseguido impor como titular indiscutível em nenhuma das três temporadas em que actuou no principal escalão, registou números interessantes (88 jogos, dos quais 40 como titular, um golo e uma assistência). Os primeiros meses na Polónia, todavia, estão já a mostrar que o médio açoriano, a jogar mais recuado ou como 8, conseguirá suplantar esse desempenho e fixar-se como figura não só do Jagiellonia mas de toda a Liga polaca.

Afonso Sousa: a crescer na Polónia para suplantar pai e avô

afonsosousa

Afonso Sousa, médio ofensivo que representa os polacos do Lech Poznan, é o destaque desta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

Aos poucos, a má entrada na temporada vai sendo corrigida pelo campeão polaco em título. O Lech Poznan começou 2022/23 com grande esperança até a nível europeu, e até venceu a primeira mão da primeira pré-eliminatória de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões (1-0 ao Qarabag na Polónia), mas no espaço de uma semana tudo viria a ruir: primeiro a derrota para o Raków na Supertaça (0-2), depois a goleada sofrida no Azerbaijão que ditou a queda precoce para as eliminatórias da Liga da Conferência (5-0) e ainda o desaire caseiro na jornada inaugural da Liga polaca (0-2 ante o Stal Mielec). Seguiram-se depois três eliminatórias ultrapassadas rumo à fase de grupos da terceira prova da UEFA que amenizaram um pouco o clima, mas a nível interno não havia meio de se registarem grandes melhorias: ao fim de 5 jornadas, o Lech Poznan era último classificado, com apenas um ponto.

Até que um dos reforços para esta temporada começou a marcar a sua posição: Afonso Sousa de seu nome. O médio natural de Aveiro até já havia feito um golo no 4-1 aos islandeses do Vikingur Reykjavik para a terceira pré-eliminatória da Liga da Conferência, fechando o resultado no prolongamento (já depois de ter desperdiçado uma grande penalidade), mas foi com o golo que deu a primeira vitória no campeonato à sua equipa (uma verdadeira bomba que fez o 1-0 diante do Piast) que começou realmente a ser tido como um elemento a ter em conta no conjunto de Poznan – onde encontrou os compatriotas Joel Pereira, Pedro Rebocho e João Amaral, todos eles peças-chave no título conquistado na pretérita temporada.

De forma até algo surpreendente, Afonso Sousa seria suplente não utilizado nas duas jornadas seguintes, ambas com vitórias do Lech Poznan (3-0 no reduto do Lechia Gdansk e 2-0 na recepção ao Widzew Lodz), sendo lançado nos descontos do emocionante 4-3 em Villarreal e titular no 2-2 em casa do Pogon. Após não sair do banco nos 4-1 ao Austria Vienna na última quinta-feira, o médio luso surgiu como titular para o derby de Poznan ante o Warta no domingo passado e pela segunda vez na temporada resolveu a partida para a sua equipa, aparecendo pleno de oportunidade na área adversária e finalizando subtilmente para o 1-0 que garantiria o triunfo e consequente subida ao grupo dos sextos classificados – sendo que o Lech Poznan ainda tem um jogo por realizar; em caso de vitória ascenderá ao quarto posto, a apenas três pontos do líder Legia.

Afonso Sousa parece assim estar aos poucos a cimentar a sua posição na equipa para a qual se mudou no último verão, após a despromoção da B SAD, que representou nas últimas duas temporadas, sendo um dos grandes destaques do emblema que jogou no Jamor durante esse período. Para trás ficava um percurso formativo iniciado no Beira-Mar, com uma época no Gafanha ainda como infantil e depois sete anos de Porto, num percurso obviamente influenciado pela herança familiar, não fosse ele neto de António Sousa, campeão europeu pelos Dragões em 1987 e provavelmente o maior treinador da História dos aveirenses, e filho de Ricardo Sousa, também ele um ex-jogador do clube azul e branco e autor do golo que valeu a única Taça de Portugal ao conjunto de Aveiro.

Ao serviço do emblema portista, o mais novo elemento do clã Sousa viveu o momento mais alto em 2018/19, celebrando a conquista da UEFA Youth League e marcando mesmo o 3-1 na final ante o Chelsea após sair do banco. Na época seguinte subiu à equipa B, somando 21 jogos e 6 golos (mais 5 jogos e 4 golos na Youth League e 3 jogos e 1 golo na Premier League International Cup), mas acabaria por se mudar em definitivo para o conjunto de Lisboa nesse verão, numa transferência que surpreendeu os mais atentos em relação às promessas portuguesas nas camadas jovens de clubes e selecções.

Na B SAD, já se disse, Afonso Sousa foi um dos grandes destaques, o que motivou abordagens por parte de emblemas com outras ambições – nacionais e internacionais –, e mais ainda após a descida de divisão. Acabou por ser o campeão polaco em título a ganhar a corrida pelo talentoso médio, que na carreira sénior já chegou a jogar como médio mais defensivo mas que no Lech Poznan se vai afirmando em zonas mais adiantadas – por vezes a roçar as funções de segundo avançado. Aos 22 anos, e com contrato válido até Junho de 2024, Afonso Sousa vai assim traçando o seu percurso numa I Liga europeia, mantendo-se no radar das selecções jovens (como o comprova a chamada por Rui Jorge para a actual convocatória da selecção de sub-21), ele que é internacional em todos os escalões desde os sub-15 e que tem obviamente o sonho (e objectivo) de chegar aos AA, algo que o pai, apesar do imenso talento, nunca conseguiu alcançar (o avô foi internacional A em 27 ocasiões, tendo estado presente no Euro ’84 e no Mundial ’86).

João Amaral: título coroou melhor época de sempre

JoaoAmaral(João Amaral a festejar foi uma imagem recorrente na época do Lech Poznan.)

João Amaral foi um dos futebolistas portugueses que mais brilharam no estrangeiro esta temporada e os números refletem na plenitude o fantástico desempenho do jogador do Lech Poznan: autor de dezassete golos e oito assistências em trinta e seis jogos, está, aos 30 anos, claramente a viver a melhor época da carreira até ao momento.
E a importância do extremo/médio ofensivo tem também, como é natural, reflexo no coletivo: segundo melhor marcador da equipa na Liga com catorze golos e segundo jogador com mais assistências de todo o campeonato (são oito e o melhor registo, curiosamente, é do português Josué que milita no Légia de Varsóvia), contribuiu decisivamente para que o Lech festejasse no último fim-de-semana o sétimo Campeonato Polaco da sua história.
Contratado pelo emblema de Poznan em 2018, João Amaral tornou-se, na altura, a transferência mais cara do clube, que pagou cerca de um milhão e meio de euros ao Benfica pelo seu passe, mas depois de uma primeira temporada de bom nível, acabou por perder espaço e esteve um ano e meio cedido ao Paços de Ferreira.
Esta época, regressou ao clube que detinha os seus direitos desportivos e rapidamente se percebeu que seria influente na turma comandada por Maciej Skorza: habitual titular desde início, só se estreou a marcar à 4ª Jornada, mas em Março, ao bisar diante do Górnik para a Taça, chegou aos doze tentos e superou o seu máximo de golos numa temporada, que era de dez e já tinha atingido por duas vezes – uma pelo Candal nos Distritais da AF Porto (11/12) e outra justamente no Lech (18/19).
Natural de Vila Nova de Gaia, João Amaral fez a sua formação em dois históricos do concelho, Vilanovense e Candal, subiu a sénior nos candalenses, então na extinta III Divisão Nacional, e depois da já referida passagem pelo Distrital, passou quatro temporadas no terceiro escalão entre Padroense, Mirandela, AD Oliveirense e Pedras Rubras.
Em 2016, aos 25 anos e sem nunca ter sido profissional, “saltou” do Campeonato de Portugal para a I Liga por intermédio do Vitória FC, e em Setúbal provou que tinha mais do que capacidade e qualidade para ali estar, apontando catorze golos e fazendo cinco assistências em dois anos, performance que motivou a ida para o Benfica e posterior venda ao Lech Poznan sem representar oficialmente os encarnados.
Ligado aos polacos até 2024 (renovou no final do ano passado), João Amaral tem ainda mais um jogo em 21/22 para poder aumentar os seus fantásticos números e encerrar da melhor forma uma temporada absolutamente inesquecível em termos individuais e coletivos.