(Em 1998, Aílton passou a ser a transferência mais cara da história do Werder Bremen, justificando o investimento nos anos seguintes com muitos golos.)
O êxodo dos talentos brasileiros rumo ao futebol europeu começou a ganhar força no início da década de 80. Daí para cá, muitos foram os atletas canarinhos a deixar a sua marca nos maiores campeonatos da Europa, e a Bundesliga não foi excepção. Um dos maiores exemplos – literalmente –, porém, é também o mais ilógico: Aílton, conhecido no Brasil como “Queixada” devido ao prognatismo proeminente e até hoje o segundo brasileiro com mais golos no escalão principal do futebol alemão (106, só atrás de Élber, que marcou 133), que festejou o 50º aniversário na passada semana.
Nascido em Mogeiro, localidade da Paraíba, em 1973, Aílton é visto quase como uma divindade em Bremen. A julgar pelo físico, poderia até ser uma divindade budista – é que o avançado tinha tudo menos perfil físico de um jogador de futebol, como o caro leitor poderá comprovar ao ver imagens suas em acção. Ficou, de resto, conhecido na Alemanha como “Kugelblitz”, que se poderá traduzir livremente como “Relâmpago Redondo”, em alusão ao evidente peso a mais mas, ao mesmo tempo, à velocidade que imprimia em campo.
(Em 2004, após ser o melhor marcador da Bundesliga e Campeão Alemão pela primeira vez, o avançado trocou o Werder Bremen pelo Schalke 04.)
Depois de passar por vários clubes no Brasil (começou no Estudantes de Timbaúba, no estado de Pernambuco, e representou depois Mogi Mirim, Ypiranga, Internacional, Santa Cruz e Guarani, onde deu realmente nas vistas, apontando 34 golos em época e meia) e de breve estadia no México (Tigres), Aílton chegou à Alemanha no verão de 1998 a troco de 5,2 milhões de dólares – na altura a contratação mais cara da História do Werder Bremen. E a verdade é que nessa primeira temporada até nem se destacou minimamente, apontando apenas 2 golos em 13 aparições (só 4 como titular), ainda que tenha festejado a conquista da Taça.
Aos poucos, porém, os golos começaram a surgir: foram 16 em 99/00, 17 em 2000/01, 20 em 2001/02 e 17 em 2002/03. Até que em 2003/04 seria o melhor do campeonato – jogador (o primeiro estrangeiro de sempre a receber essa distinção), artilheiro e campeão (com a conquista da Taça e consequente dobradinha a coroar uma temporada perfeita). Numa equipa orientada por Thomas Schaaf e que tinha Borowski, Ernst, Micoud e Klasnic como parceiro de Aílton no ataque, o brasileiro gordo e atarracado marcou 28 golos, números que não se viam na prova desde os 29 de Rummenigge em 1981, faturando ainda por mais 6 ocasiões na Taça e acabando em segundo na disputa pela Bota de Ouro, só atrás de Thierry Henry. A grande exibição da temporada foi precisamente diante do segundo classificado, o Bayern, onde marcou um golaço na vitória por 3-1 na penúltima jornada, jogo que garantiu o título ao Werder Bremen.
(Em 06/07, o ponta de lança teve uma curta passagem pelo Estrela Vermelha, mas conseguiu na Sérvia mais um título de Campeão Nacional.)
No fim dessa temporada, Aílton mudou-se para o Schalke 04, numa transferência que já estava acertada alguns meses antes – a direcção do Werder Bremen considerava que o salário do avançado brasileiro era demasiado alto para uma equipa que não disputava a Liga dos Campeões… Escusado será dizer que no fim da temporada se arrependeram e tentaram renegociar um novo contrato, mas Aílton manteve a palavra dada ao clube de Gelsenkirchen.
Ali fez 20 golos em 44 jogos, foi vice-campeão e finalista vencido da Taça, mas no verão de 2005 aceitou a proposta do Besiktas – mais tarde explicaria que decidiu sair do Schalke 04 devido a um desentendimento com o treinador Ralf Rangnick. Não se adaptaria à Turquia, porém, e em Janeiro de 2006 regressou à Alemanha, agora para representar o Hamburgo, mas já sem o brilhantismo evidenciado anteriormente: apenas 3 golos em 13 partidas disputadas.
(Foi ao serviço do Guarani, por quem apontou 34 golos em ano e meio, que o brasileiro chamou a atenção de clubes europeus.)
A partir daí, já bem dentro dos trintas, encetaria uma série de passagens de curta duração por variados clubes de inúmeros países (Estrela Vermelha, Sérvia, onde se sagrou campeão; Grasshoppers, Suíça; Duisburgo, Alemanha; Metalurg Donetsk, Ucrânia; Altach, Áustria; Campinense, Brasil; Chongqing Dangdai, China), regressando ao futebol alemão para as divisões secundárias em Dezembro de 2009 pela porta do Uerdingen – que trocaria poucos meses depois pelo Oberneuland. Ainda voltou ao Brasil para representar o Rio Branco na Copa Paulista, antes de acabar a carreira aos 39 anos na sexta divisão do futebol germânico, ao serviço do desconhecido Hassia Bingen.
A 6 de Setembro de 2014, perante um estádio Weserstadion repleto (40 mil pessoas), Aílton despediu-se oficialmente dos relvados num jogo com amigos e antigos colegas, nomeadamente os “daquela” equipa do Werder Bremen de 2003/04 – e até a filha Alexandra entrou em campo e fez um golo. “Terei de me preparar um bocadinho para o jogo, correr um bocadinho e treinar. Mas na verdade, só preciso de uma boa equipa atrás de mim. O Aílton simplesmente fica lá à frente e marca golos”, dizia ao site do clube aquando do anúncio do jogo de homenagem. “Joguei em muitos clubes, mas no meu coração só há um, o Werder Bremen”, disse, emocionado, depois de chorar abraçado aos quatro filhos após o adeus definitivo… ou quase.
(Aílton com a mulher e os filhos no dia em que fez o seu jogo de despedida no Weserstadion.)
É que, em Abril passado, surgiram imagens do avançado brasileiro, aos 49 anos e mais… rechonchudo do que nunca, a jogar pelo TSV Bassum nas divisões regionais da Alemanha… e a marcar, pois claro, fazendo o 2-2 que fechou o resultado. “Claro que foi um golo bonito. Quanto mais velho estou, melhor fico. Para mim foi muito divertido. Muita gente veio cá por minha causa e diverti-me muito”, revelou Aílton no fim da partida, com os jornais da região a documentar uma audiência de cerca de 1000 pessoas, a constratar com as… 10 que costumam ir àquele recinto em dias de jogo.
Este terá sido um regresso de um jogo só, ainda que Aílton tenha deixado a porta aberta para voltar a jogar pelo TSV Bassum no futuro. Casado com uma mexicana, o antigo avançado brasileiro radicou-se em Dallas, nos Estados Unidos, após o fim da carreira profissional, mas continua a viajar regularmente para a Alemanha para participar em campanhas publicitárias e de beneficência, tendo inclusivamente sido estrela de um reality-show no país.
(Em Abril passado, aos 49 anos, Aílton voltou à competição com a camisola do TSV Bassum, clube que milita nas divisões regionais da Alemanha.)
O peso em excesso foi uma constante ao longo da carreira, como também as acusações de pouca vontade de trabalhar e queixas por motivos disciplinares – nomeadamente os atrasos no regresso dos treinos após as férias de Natal, que já só surpreendiam quando não aconteciam. Como o foi também a ausência de qualquer convocatória para a selecção brasileira, o que o levou a aceitar uma proposta milionária para representar a selecção do Qatar em 2004 – a FIFA acabaria por vetar essa possibilidade. “Não entendi porque o [Carlos Alberto] Parreira não me deu uma oportunidade, eu estava muito bem na Europa, estava voando. Era o Ronaldo em Madrid e eu na Alemanha como os maiores goleadores da Europa. Não chegou esse convite, e eu fiquei muito triste”, assumiu posteriormente Aílton, o bad boy da Paraíba, ainda hoje um dos maiores artilheiros estrangeiros da Bundesliga e uma lenda em Bremen.
*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.