(O FC Porto foi o clube onde Bruno Alves mais se notabilizou.)
Foi, seguramente, um dos mais controversos futebolistas portugueses das últimas duas décadas. Uma figura impossível de gerar consensos, acima de tudo pela impetuosidade com que abordava cada lance no exercício da sua função – mais até do que propriamente por posturas menos correctas extra-jogo, que raramente existiram, muito menos nas fases de maior maturidade e sucesso. É, ainda assim, absolutamente impossível negar que a carreira de Bruno Alves foi recheada disso mesmo: de sucesso. Aos 40 anos, o central nascido na Póvoa de Varzim no “já longínquo” ano de 1981 decidiu pendurar as botas, num anúncio que andou a adiar o mais possível (e que porventura até terá chegado já com um ano de atraso) pelo simples motivo de que são feitas as histórias de amor: a paixão arrebatadora pela prática do que é tão justamente denominado de desporto-rei.
O processo formativo foi quase integralmente feito no clube da terra, o histórico Varzim, onde o seu pai, Washington, havia actuado durante cinco temporadas enquanto atleta (curiosamente também central) e onde se estabeleceu posteriormente. Bruno Alves, de resto, herdou muitas das características do progenitor: além da posição, destacam-se o posicionamento, a capacidade de antecipação e a impetuosidade e virilidade, muitas vezes a passar os limites do aceitável. No segundo ano de júnior (99/00) mudou-se para o Porto, onde viria a dividir a temporada entre os juniores e a equipa B dos Dragões, então a disputar a II Divisão B, numa altura em que a dupla titular dos meninos às ordens do icónico Bandeirinha era constituída por Tonel e Ricardo Costa.
(Foi pelo Farense que o central se estreou na I Liga corria a época 01/02.)
No primeiro ano de sénior, já sob o comando de Ilídio Vale (actual adjunto de Fernando Santos na selecção nacional), tornou-se indiscutível na equipa secundária dos azuis-e-brancos, com 36 partidas (todas como titular) e 6 golos, numa primeira demonstração de apetência goleadora que se viria a tornar também imagem de marca – nomeadamente na sequência de lances de bola parada. Tornava-se bastante óbvio que este era já um patamar competitivo bastante curto para o central poveiro – numa altura em que o irmão Geraldo, um ano mais velho, ia tendo oportunidades na equipa principal do Benfica, primeiro com José Mourinho ao leme e depois com Toni – e assim, em Janeiro de 2002, Bruno Alves chegou à I Liga pela via de um empréstimo ao Farense, na altura envolvido numa luta hercúlea pela permanência.
O objectivo dos Leões de Faro acabaria por não ser atingido, mas Bruno Alves pegou de estaca, somando 15 partidas (só uma a sair do banco). A cedência estendeu-se por mais uma temporada e em 2002/03 o central dos quadros do Porto tornou-se a referência defensiva de uma equipa teoricamente candidata óbvia à subida ao principal escalão, mas cujos graves problemas financeiros levaram a um modesto 12º posto final. Por esta altura o Porto voava sob o comando de José Mourinho e nomes como Jorge Costa, Ricardo Carvalho, Pedro Emanuel ou mesmo Ricardo Costa eram absolutamente incontornáveis; ainda assim, os Dragões continuavam a acreditar no potencial de Bruno Alves e por isso mantiveram-no nos seus quadros nas duas temporadas seguintes, cedendo-o a Vitória SC (onde foi treinado por Jorge Jesus e Augusto Inácio) e AEK de Atenas (tendo como treinador Fernando Santos).
(Contratado pelo Zenit no Verão de 2010, Bruno Alves foi duas vezes Campeão na Rússia.)
2005/06 surgiu então como o ano do tira-teimas na carreira do defesa poveiro. Já sem Ricardo Carvalho e com Jorge Costa a não contar para Co Adriaanse, Bruno Alves foi integrado no plantel, juntando-se a um lote constituído por Pedro Emanuel, Pepe e Ricardo Costa, e de forma surpreendente ganhou a titularidade a partir da jornada 4. Perderia, porém, o estatuto pouco depois, mercê da exibição muito pouco conseguida na derrota caseira consentida perante o Benfica (0-2), com o ponto mais baixo a ocorrer ao minuto 81, quando agrediu Nuno Gomes com uma cabeçada; daí até ao fim da temporada foi utilizado apenas de forma residual (chegando inclusivamente a actuar pela equipa B numa ocasião), e apesar de acabar a época a festejar a conquista da dobradinha, tudo levava a crer que não continuaria no clube para a temporada seguinte.
Seria, provavelmente, esse o cenário caso Co Adriaanse tivesse permanecido no comando técnico do Porto. Tal, porém, não aconteceu, como se sabe: o holandês entrou em divergências com a estrutura dirigente dos Dragões durante a pré-temporada e não chegaria a iniciar a nova época, sendo substituído por Jesualdo Ferreira – uma mudança que acabou por salvar a carreira de Bruno Alves. Isso e o infortúnio de Pedro Emanuel, na altura capitão de equipa e cuja lesão sofrida na pré-época o afastou dos relvados durante toda a temporada 2006/07. Bruno Alves chegou-se então à frente, ultrapassando Ricardo Costa na hierarquia, e viria a formar uma dupla férrea com Pepe que se revelou determinante para o bicampeonato dos Dragões, registando 36 jogos (todos como titular) e 2 golos.
(O Parma foi a casa de Bruno Alves durante três anos – 2018 a 2021.)
Tinha assim início “oficial”, digamos assim, a história de sucesso de Bruno Alves no Dragão. Em 2007/08, já sem Pepe ao lado (entretanto transferido para o Real Madrid) e numa defesa que foi oscilando até Pedro Emanuel se restabelecer em pleno (as apostas no sérvio Stepanov e no luso João Paulo não tiveram os resultados pretendidos), o poveiro assumiu-se como a grande referência do sector mais recuado dos portistas, somando 38 partidas efectuadas (sempre como opção inicial) e 2 golos apontados no que seria o segundo tricampeonato da História para os azuis-e-brancos. Um estatuto que ainda reforçou na época seguinte, no que se viria a revelar o segundo tetracampeonato de sempre do Porto, com 46 jogos (todos como titular) e 6 golos, dois dos quais icónicos – o que valeu a vitória por 2-1 em Alvalade, na ronda 5, e o que inaugurou o marcador no 2-0 caseiro ante o Arsenal, para a Liga dos Campeões, permitindo aos Dragões ultrapassar os Gunners e terminar no primeiro lugar do grupo G –, sendo eleito o Melhor Jogador do campeonato.
Nesta época, finalizada também ela com dobradinha, Bruno Alves fez dupla com Rolando, reforço proveniente do Belenenses. E assim se manteve em 2009/10, temporada menos bem sucedida a nível colectivo, apesar dos 43 jogos e 7 golos do aqui já capitão portista, na sequência do adeus aos relvados de Pedro Emanuel; o central até ergueu a Supertaça (com um golo seu no 2-0 ao Paços de Ferreira) no início da temporada e a Taça de Portugal no fim, mas a perda do que seria o pentacampeonato para o Benfica – já depois da derrota na final da Taça da Liga ante o mesmo adversário por claros 3-0, num jogo em que Bruno Alves não conseguiu disfarçar a frustração, protagonizando algumas entradas duríssimas que por milagre não foram sequer sancionadas com cartão amarelo – constituiu um golpe difícil de encaixar para um jogador que desde sempre demonstrou ser um verdadeiro animal competitivo.
(Em três épocas na Turquia, o poveiro venceu uma Liga e uma Supertaça pelo Fenerbahçe.)
A fase final da temporada dava ares de despedida, e esse cenário revelou-se mesmo real poucas semanas depois, com o anúncio da transferência para o Zenit a troco de 22 milhões de euros. Na Rússia, e tendo inicialmente o compatriota Fernando Meira como parceiro no centro da defesa, Bruno Alves afirmou-se de imediato e conquistou dois campeonatos, uma Taça e uma Supertaça em três temporadas; findo esse período, e após uma época sem troféus (2012/13), decidiu voltar a mudar de ares e rumou ao Fenerbahçe, onde se sagraria campeão logo na primeira época, conquistando depois também a Supertaça no terceiro país diferente.
Em 2015/16 manteve-se como titular absoluto no emblema de Istambul, aí sob o comando de Vítor Pereira, mas após uma temporada sem qualquer troféu conquistado optou por correr em busca de novos desafios e aceitou a oferta do Cagliari, chegando assim à Serie A prestes a celebrar 35 anos. O contrato era válido por duas temporadas, mas no fim da primeira (em que foi titularíssimo e chegou até a envergar a braçadeira de capitão, contribuindo para um tranquilo 11º posto final) Bruno Alves chegou a acordo para a rescisão, seduzido por um projecto mais aliciante a nível de luta por troféus: o ressuscitado Rangers, que em 2017/18 iria ser treinado por Pedro Caixinha e acalentava o sonho de voltar a ser campeão na Escócia, ultrapassada a crise financeira que quase obrigou o histórico emblema a fechar portas.
Os planos, porém, acabaram por sair furados: mercê de um início muito pouco animador, que incluiu a eliminação humilhante logo na primeira pré-eliminatória de acesso à fase de grupos da Liga Europa ante os luxemburgueses do Progrès Niederkorn, Caixinha foi despedido numa altura muito precoce da temporada e os reforços portugueses (além de Bruno Alves, haviam chegado a Glasgow também Fábio Cardoso e Dálcio Gomes) perderam espaço. O central mais cotado ainda foi o mais utilizado (25 partidas, 21 das quais de início), mas o falhanço também a nível colectivo (apenas terceiro classificado) e o cartel que havia deixado em Itália levaram Bruno Alves a regressar à Serie A em 2018/19, desta feita para representar outro histórico renascido das cinzas: o Parma, recém-regressado ao principal escalão do futebol transalpino.
(O Apollon Smyrnis foi o último clube da carreira de Bruno Alves.)
Titular indiscutível nas primeiras duas épocas (e com 4 golos na primeira), nas quais o Parma assegurou a permanência com relativa tranquilidade, e sendo já capitão de equipa, Bruno Alves acabou por perder influência na terceira, fazendo 19 jogos (e só 3 nos últimos 3 meses de competição) e não conseguindo evitar o último lugar e consequente despromoção à Serie B. Muito perto dos 40 anos e finda a ligação contratual aos parmesãos, acabaria por declinar a proposta do Porto para ingressar na equipa B e ser a já tradicional figura experiente no meio dos jovens que integram o plantel do conjunto que compete na II Liga, rumando antes ao Famalicão, emblema que o seu pai havia representado quase 40 anos antes.
O desejado regresso ao futebol português, todavia, revelou-se muito curto. Três semanas depois de ser oficializado no conjunto minhoto, Bruno Alves anunciou estar livre após rescindir com o clube, alegadamente devido a divergências com o treinador Ivo Vieira, e um mês e meio depois seria notícia a sua assinatura com o modesto Apollon Smyrnis, da Grécia. “O Cristiano Ronaldo disse-me: ‘Tens de continuar a jogar. Cuidas de ti e estás em boa forma. Sei o quanto gostas de futebol, por isso não desistas’. Mudou a minha decisão. Se o melhor do mundo diz para continuar, então é porque posso realmente continuar”, disse então o central.
(Cristiano Ronaldo serviu de inspiração ao colega para continuar a carreira.)
Pois bem: tal como a decisão do próprio em regressar ao Manchester United, também aqui a opinião do CR7 se revelou pouco acertada. Bruno Alves encontrou um plantel do Smyrnis fraquíssimo, que nem a contratação no mercado de inverno de um ou outro jogador com mais qualidade amenizou (entre os quais Manuel Fernandes), e foi sem surpresa que se deu a descida de divisão, com o último lugar na fase regular e depois também na fase de permanência, com 19 partidas para o central poveiro. O contrato que ligava as duas partes contemplava uma época mais outra de opção, mas Bruno Alves decidiu mesmo pendurar as chuteiras, anunciando o adeus oficialmente nas redes sociais no passado domingo; passados dois dias, foi agora oficializado como novo director-desportivo do AEK de Atenas, num regresso após 18 anos que marca assim o início de uma nova carreira.
Falta apenas falar do percurso (recheado de méritos) nas selecções nacionais. Internacional a partir dos sub-20 (2001), venceu o Torneio de Toulon logo nesse ano, alinhando depois nos Europeus de sub-21 em 2002 e 2004 e nos Jogos Olímpicos do mesmo ano, de má memória para as cores nacionais. A estreia pela selecção A chegou em Junho de 2007, num particular diante do Kuwait no fim da primeira época como titular indiscutível do Porto, e a partir daí não mais sairia das contas dos seleccionadores: suplente de Pepe e Ricardo Carvalho no Euro 2008, ganhou a titularidade no decorrer do apuramento para o Mundial 2010, beneficiando também da grave lesão sofrida por Pepe nesse período, e foi dele, já nos descontos, o golo que garantiu a vitória a Portugal na visita à Albânia que permitiu à equipa das quinas, na altura orientada por Carlos Queiroz, garantir o apuramento para o play-off, com outro golo seu a garantir a vitória caseira sobre a Bósnia na primeira mão.
(Só pela Seleção A, Bruno Alves fez 96 jogos – 11 golos – e venceu o Euro 2016.)
Opção inicial na prova africana ao lado de Ricardo Carvalho, manteve-se nessa condição com Paulo Bento no Euro 2012 (onde falhou uma grande penalidade no desempate diante de Espanha nas meias-finais) e no Mundial 2014, numa reeditada dupla com Pepe. Com a veterania já a fazer-se sentir, continuou a ser opção para Fernando Santos mas já com estatuto de suplente – foi assim que se apresentou no Euro 2016, sendo notícia pela expulsão no particular realizado com Inglaterra na preparação para a prova, após entrada duríssima sobre Harry Kane, da qual se redimiria com uma belíssima exibição ao lado de José Fonte na meia-final diante do País de Gales, no único jogo que disputou na prova, actuando no lugar do lesionado Pepe. Titular em 3 dos 5 jogos realizados pela selecção nacional na Taça das Confederações em 2017, na qual Portugal conquistou a medalha de bronze, seria ainda convocado para o Mundial da Rússia no verão seguinte, onde já não somou qualquer minuto; a última das 96 internacionalizações (com 11 golos apontados, que fazem dele o defesa mais goleador da História da selecção nacional), de resto, deu-se a 7 de Junho desse ano, no particular com a Argélia (3-0) prévio à participação na prova.
*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.