Pacheco: a mágoa de uma troca que nunca sarou

pachecoslb(Em 6 épocas no Benfica, Pacheco venceu 2 Campeonatos, uma Taça de Portugal e uma Supertaça, apontando 48 golos em 220 jogos.)

Fulminante, inesperado, rápido e imprevisível. Assim foi Pacheco enquanto jogador; assim foi a decisão que marcou irremediavelmente a sua carreira; e assim foi o seu adeus ao mundo dos vivos, aos 57 anos, na sequência de uma paragem cardíaca que o deixaria em morte cerebral até à confirmação oficial, por parte da família, do falecimento na passada quarta-feira.

Pacheco fez 213 jogos, abrilhantados com 32 golos e muitas assistências, no escalão principal do futebol português. Disputou duas finais da Taça dos Campeões Europeus, conquistou dois campeonatos nacionais, duas Taças de Portugal e uma Supertaça e foi ainda internacional A por Portugal (o primeiro natural de Portimão a fazê-lo) em 6 ocasiões.

pachecoantonio(Na época 86/87, o extremo chegou à I Divisão “pela mão” do Portimonense.)

Registos assinaláveis, sem sombra de dúvida. Mas nada que se possa escrever sobre o antigo extremo dirá mais aos adeptos de futebol nacional do que a mudança, oficializada a 1 de Julho de 1993, do Benfica para o Sporting, ao lado de Paulo Sousa e de um Sousa Cintra radiante pela bicada dada ao maior rival. Para trás ficavam 6 épocas de águia ao peito, numa ligação terminada por vontade do próprio jogador, descontente com a sua situação no clube – os salários em atraso que motivaram a rescisão por justa causa foram apenas o pretexto legal para a oficialização da troca de lado na Segunda Circular.

Para a generalidade dos adeptos dos encarnados, Pacheco (e Paulo Sousa, obviamente) tornou-se persona non grata, e esse “estatuto” permaneceu praticamente inalterado até agora – isto, apesar do “perdão oficial” do clube através de um anúncio promovido no seu canal de televisão em 2018, no qual Pacheco é abraçado por vários antigos colegas do período em que representou o Benfica e onde se pode ler a mensagem “Que nenhuma família se volte a separar por dinheiro”.

pachecopt(Internacional jovem nos escalões de Sub-16, Sub-18 e Sub-21, o algarvio alinhou ainda numa ocasião pela Seleção Olímpica e 6 vezes pela nossa principal Seleção – 4 golos em 25 jogos no total.)

“Tinha a consciência de que seria uma mudança polémica, mas enquanto profissionais deixamos a parte da paixão um pouco de lado. Apesar da minha decisão, senti-me sempre benfiquista, sou sócio há 31 anos, mantive-me sempre como sócio. Os meus filhos são sócios desde que nasceram. Não tenho como intenção abrir portas para voltar ao Benfica, não sinto necessidade de voltar porque já sou do Benfica, não quero tachos. Não me foi proposto pelo clube qualquer tipo de pagamento por este maravilhoso anúncio, apenas me pediram as despesas e eu recusei, o Benfica não tem de me pagar nada, vim porque gosto. Fiz esta campanha para fazer as pazes comigo próprio. Só pelas pessoas que participaram já viria, são colegas meus com quem passei mais horas do que com elementos da minha família”, referiu na altura Pacheco ao canal de televisão do clube.

Formado essencialmente no Torralta, extinto emblema algarvio que marcou o panorama da formação em Portugal na década de 80, Pacheco fez a primeira temporada na I Liga pelo Portimonense, em 1986/87, sob o comando do também já falecido Vítor Oliveira. Uma época bastou para dar o salto para o Benfica, onde seria vice-campeão europeu logo nesse ano, repetindo o feito em 1989/90. Pelas Águias sagrar-se-ia duas vezes campeão nacional (88/89 e 90/91), conquistando ainda uma Taça (92/93) e uma Supertaça (89/90).

pachecoscp2(No Verão de 1993, Pacheco trocou o Benfica pelo Sporting, mas a sua passagem pelos “leões” não foi muito feliz apesar de ter conquistado uma Taça de Portugal – 35 jogos/3 golos em duas épocas.)

A segunda Taça do seu palmarés foi (pouco) festejada, em 94/95, já na segunda época no Sporting, onde fez apenas 3 jogos, devido a divergências com o treinador Carlos Queiroz que já vinham de longe e que se arrastaram por ano e meio. No verão de 1995, precisamente 2 anos depois do outro, bem mais “quente”, Pacheco rescindiu com os leões e ficou alguns meses sem clube, não tendo podido ser inscrito por Aston Villa e Nottingham Forest, onde jogou pelos reservas, devido às restritas regras de contratação de estrangeiros na Premier League na altura, passando os últimos meses da temporada no Belenenses, em mais uma experiência para esquecer – numa entrevista ao Expresso, em 2020, confessou não ter recebido um único ordenado nos azuis do Restelo, aludindo ainda a práticas menos próprias nas quais rejeitou alinhar, o que lhe terá prejudicado em relação às opções do treinador João Alves.

Teria na temporada seguinte a primeira (e única) experiência da carreira no estrangeiro em termos oficiais, assinando com os italianos da Reggiana. A descida de divisão, porém, levou-o a sair no fim de 96/97, passando depois uma temporada inteira sem jogar, até que no verão de 1998, já com quase 32 anos, aceitou o convite de Manuel Fernandes para rumar ao Santa Clara, recém-promovido à II Liga.

pachecotorralta(Foi no GD Torralta que o esquerdino iniciou o seu trajeto como federado, estreando-se como sénior pelo mesmo emblema na antiga II Divisão.)

As dificuldades físicas inerentes ao período de inactividade e um desentendimento com o treinador, todavia, levaram-no a rescindir o contrato e descer um patamar, rumando ao Atlético, na então denominada II Divisão B, a pedido do antigo colega António Veloso. No mesmo escalão, representou em 99/00 o Estoril, onde também foi orientado por um antigo colega (no caso, Rui Águas), e na época seguinte regressou ao histórico da Tapadinha com a promessa de ali iniciar a carreira de treinador após pendurar as botas – o que aconteceu ainda a meio da temporada, com 34 anos.

Curiosamente, estrear-se-ia como técnico em… Portimão, para onde voltou em 2003, assumindo o cargo de adjunto de Dito no clube da sua cidade. No decorrer dessa época, passou para treinador principal e aí se manteve para 2004/05, apesar da descida ao terceiro escalão (que seria revertida devido à queda do Salgueiros na secretaria), sendo substituído pelo antigo colega Diamantino Miranda a 5 jogos do fim da temporada, ainda que recebendo elogios do presidente João Sintra, que lhe augurava mesmo um grande futuro: “Reúne todas as condições para se afirmar como um grande técnico, pois possui um potencial enorme”.

pachecoreggiana(Na temporada 96/97, o extremo viveu a sua única experiência em termos oficiais fora de Portugal, alinhando pelos italianos da Reggiana na Série A – 1 golo em 15 partidas.)

As previsões do então líder máximo do Portimonense, porém, não se viriam a concretizar. Pacheco não mais voltou a trabalhar no futebol, tendo-se dedicado às alegrias da paternidade e ao bar-restaurante que mantinha até agora em Lagos. Nunca escondeu o benfiquismo (apesar de em criança ser adepto do Sporting, puxado pelo pai) nem tão pouco a mágoa pela forma como a generalidade dos adeptos dos encarnados nunca conseguiu perdoar a opção que tomou no verão de 1993 o algarvio rápido, fulgurante e de pé esquerdo desconcertante que, de uma maneira ou de outra, ficará para sempre marcado na História do futebol português.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.

Manuel Cajuda: o algarvio que pôs o Braga a nadar na piscina dos “grandes”

cajudabraga(Manuel Cajuda fez sucesso com o Sp. Braga a meio da década de 90 e no princípio dos anos 2000.)

O apuramento do Braga para a final da Taça de Portugal, selado na noite desta terça-feira, veio confirmar a grandíssima temporada protagonizada pelos Guerreiros do Minho, que a cinco jornadas do fim do campeonato ainda acalentam legítimas aspirações a conquistar o campeonato – seguem a 6 pontos do líder Benfica, que visitarão daqui a duas jornadas. O percurso dos comandados de Artur Jorge vem no seguimento do crescimento que os bracarenses têm vindo a solidificar nas últimas duas décadas, principalmente após a chegada de António Salvador à presidência do clube, em Fevereiro de 2003.

Os primeiros passos nesse sentido, todavia, começaram a ser dados um pouco antes, e pela mão de um… algarvio. É certo que já tinha ficado por três ocasiões em 4º lugar no campeonato (duas na década de 70 e outra na de 80), contando ainda com uma Taça de Portugal no palmarés (conquistada na já longínqua época de 1965/66), mas foi após a chegada de Manuel Cajuda ao comando técnico que os minhotos se começaram a estabelecer em pleno como uma das melhores equipas do futebol nacional.

cajudafarense(Foi no Farense que Cajuda iniciou a sua carreira de treinador.)

Após um 10º e um 8º lugares entre 1994 e 1996 – e depois de o clube ter escapado por um triz à descida em 93/94 –, o técnico nascido em Olhão alcançou o 4º posto em 96/97, orientando uma equipa recheada de nomes míticos do Braga como Rui Correia, Zé Nuno Azevedo, Bruno, Karoglan… ou o próprio Artur Jorge. Os Guerreiros do Minho terminaram a temporada a apenas 3 pontos do 3º classificado, Benfica, e 2 à frente do arqui-rival Vitória SC, algo pouco frequente por essa altura.

“Eu disse aos dirigentes que, no primeiro ano, queria ser o primeiro dos últimos. O que é que isto representava para mim? Queria ficar no décimo lugar. No segundo ano, queria ser o último dos primeiros, e, portanto, queria ficar em nono lugar. No terceiro ano, queria estar na Europa. As pessoas ficaram, de certo modo, espantadas comigo. Até me recordo do prémio que pedi ao clube no caso de ir à Europa: no primeiro ano, eram 15 mil contos. No segundo ano, eram 10 mil contos – baixava 5 mil – e no terceiro passava para 20. O presidente perguntou porque é que o queria um prémio assim. Eu disse que, se eu conseguisse acabar a primeira época no Braga, já era um herói, porque o Braga nos últimos quatro anos tinha tido seis treinadores”, revelava Manuel Cajuda em entrevista ao Zerozero no passado mês de Fevereiro. “Porque é que eu baixava na segunda? Eu disse que, na segunda, se eu acabar a época, já tenho mais condições para trabalhar. Perguntaram-me ‘porque é que você, na terceira, já exige 20?’ e eu disse: ‘porque eu exijo a mim próprio, não exijo a vocês, no terceiro ano estar no quarto lugar’”, contou também.

cajudaleiria(A União de Leiria foi o clube por onde o técnico mais vezes passou: foram três períodos distintos ao serviço do emblema da cidade do Lis.)

O treinador algarvio rumou depois ao Belenenses, mas voltaria a Braga a meio de 98/99, culminando a temporada com um 9º posto (que se repetiu em 99/00), tendo os bracarenses terminado 97/98 ainda mais abaixo: 10º lugar (chegaram, ainda assim, à final da Taça, onde foram derrotados pelo Porto por 3-1). Em 2000/01, com um misto das velhas guardas e alguns jovens de inestimável qualidade (casos de Quim, Luís Filipe, Castanheira ou o saudoso Miklós Fehér), chegaria então novo 4º lugar, na época do Boavista campeão – o Braga ficou a 20 pontos do 1º posto mas a apenas 5 do 3º, ocupado pelo Sporting, tendo terminado à frente de União de Leiria e… Benfica, no que foi a pior época da História das Águias, e bem à frente do Vitória SC, 15º com menos 19 pontos.

“Eu disse que queria fazer do Braga uma equipa como o Corunha ou o Valência: não eram campeões, mas estavam próximos da luta pelo título. Que queria fazer do Braga o melhor clube do Minho, e não queria dizer não fosse grande já, mas quem liderava o futebol do Minho era o Vitória. E conseguimos ultrapassar o Vitória. Curiosamente, quando cheguei a Guimarães, disse exatamente a mesma coisa… e consegui pôr o Vitória no terceiro lugar”, lembra Manuel Cajuda, após desfiar um rol gigante de dificuldades pelas quais o Braga passava na altura – desde não ter bolas ou lavandaria até aos inevitáveis meses de salários em atraso: “Nós passámos as dificuldades que já não existem agora e que ninguém passou. Muita gente diz que eu fui o pai do Braga e eu digo sempre que não. Eu, quando muito, posso ser o tio. Foram oito anos de grandes sacrifícios, mas, acima de tudo, fica a consciência de que recuperámos o Braga do período mais difícil da sua história.”

cajudaolhanense(Durante a época 12/13, Cajuda regressou ao Olhanense, clube da cidade onde nasceu, e que já tinha orientado na década de 80.)

O 9º lugar em 2001/02, com os mesmos pontos do Vitória minhoto, configurou o último capítulo na relação de Manuel Cajuda com o Braga – que passaria por momentos de aflição na temporada seguinte, com Jesualdo Ferreira a salvar a equipa da despromoção por 2 pontos. Deu-se, então, a chegada de António Salvador à presidência, e com ela o crescimento realmente sustentado do clube, que hoje se bate de igual para igual com os “grandes” do nosso futebol.

O legado de Cajuda, no entanto, estende-se bastante mais do que os feitos em Braga. Depois de uma carreira de jogador passada inteiramente em clubes da sua região (Sambrasense, Olhanense e Farense), o antigo central começou como adjunto nos Leões de Faro em 1983/84, acabando por ter aí a primeira experiência enquanto treinador principal após a saída do lendário técnico búlgaro Hristo Mladenov antes do fim da época. Após voltar às funções de adjunto na temporada seguinte, passou definitivamente para chefe de equipas técnicas em 1985/86, no “seu” Olhanense, que liderou durante 2 temporadas.

cajudazamalek(Em 2006, o treinador algarvio assumiu o comando dos egípcios do Zamalek, vivendo aí a sua primeira experiência internacional.)

Em 1986/87 regressou ao escalão principal, conduzindo o Portimonense a um 13º lugar, e após ficar às portas da subida com o Louletano em 89/90, viria a conseguir esse objectivo ao comando do Torreense na temporada seguinte, não conseguindo porém impedir a descida em 91/92. Chegaria a Braga depois de nova subida à I Liga, então ao serviço da União de Leiria, e pelo meio dos quase sete anos nos minhotos teria apenas uma passagem tristonha pelo Belenenses, acabando despromovido ao segundo escalão em 97/98 – viria a sair a meio da temporada seguinte para regressar ao Braga, fazendo ainda assim parte da campanha que culminou com nova subida dos Azuis do Restelo.

Em 2002/03, regressou a Leiria para fazer a melhor temporada da História do clube: quinto lugar e a presença na final da Taça de Portugal, perdida para o Porto de José Mourinho (0-1). Na época seguinte rumou ao Marítimo, onde conseguiria um 6º lugar, seguindo-se passagens menos bem sucedidas por Beira-Mar e Naval. Teria a primeira aventura fora do país em 2005/06, nos egípcios do Zamalek, onde se sagraria vice-campeão e finalista vencido da Taça, voltando a Portugal a meio da temporada seguinte para resgatar o Vitória SC de uma possível descida à II Divisão B, conduzindo-o à subida à I Liga e na temporada seguinte a um impensável 3º lugar que permitiu aos vimaranenses disputar o play-off de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões em 2008 (no qual acabaria derrotado por 2-1 em Basileia, em jogo onde viu um golo mal anulado por pretenso fora-de-jogo de Roberto).

cajudavsc(Manuel Cajuda “tirou” o Vitória SC da II Liga e colocou-o a disputar o play-off de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões.)

Após 2 anos nos Emirados Árabes Unidos, ao comando do Al Sharjah, regressou a Leiria já com a época 2011/12 em andamento e acabaria por enfrentar uma situação muito complicada, de novo devido ao flagelo dos salários em atraso, deixando o clube em Março na última posição da tabela – pouco depois, vários jogadores rescindiriam unilateralmente, com a União de Leiria a cair num poço de onde só se está a reerguer agora. Regressaria a Olhão quase um ano depois, sucedendo a Sérgio Conceição, mas onde curiosamente reencontraria um cenário semelhante e o qual não conseguiria reverter: acabaria por sair a 3 jornadas do fim, depois de apenas uma vitória em 15 jogos, com o interino Bruno Saraiva a conseguir o milagre da permanência na última ronda.
Esta seria, sabe-se agora, a última presença de Manuel Cajuda no escalão maior do nosso futebol. O técnico algarvio colecionou depois passagens por emblemas do continente asiático (Chongqing, Tianjin Tianhai e Sichuan Annapurna, nos escalões secundários da China; Ajman, nos Emirados Árabes Unidos; e BEC Tero Sasana, na Tailândia), até que em Fevereiro de 2018 regressou a Portugal com nova missão “impossível”: colocar o Académico de Viseu na I Liga pela primeira vez em 30 anos.

“Não vim para aqui para ficar três meses. Se não subir este ano, subo para o próximo”, prometeu na apresentação oficial no emblema viseense; acabaria por não conseguir cumprir, todavia, ainda que por culpas que não lhe podem ser imputadas. Logo nessa época, terminou no terceiro lugar da II Liga, a apenas 2 pontos do Santa Clara, com os açorianos a ser visados (e considerados culpados) de várias irregularidades puníveis nos regulamentos da Liga com perda de pontos – o que acabou por não acontecer: dada a morosidade do processo, que se arrastou até ao início da temporada seguinte, o emblema dos Açores acabou por ser punido apenas com multas, prejudicando assim de forma directa o Académico de Viseu.

Cajuda ainda começaria a temporada seguinte no clube, mas o falecimento da mãe e problemas de saúde levaram-no a abandonar o cargo no início de 2019. Voltaria ao activo um ano depois, pela porta do Leixões e também no segundo escalão, mas a interrupção abrupta e definitiva da competição em Março, devido ao surgimento da pandemia do coronavírus, levou-o a decidir abandonar o clube após apenas 6 jogos (2 vitórias).

cajudaleixoes(O Leixões foi o último clube que Manuel Cajuda treinou até hoje: o técnico chegou a Matosinhos em Janeiro de 2020, mas, devido ao surgimento da pandemia, deixou o cargo em Maio.)

Desempregado desde então, há quase 3 anos, o longevo treinador olhanense mantém-se ainda assim bastante activo e presente no mundo do futebol: visto várias vezes em vários estádios de norte a sul do país (mantém uma habitação em Braga e também na sua cidade natal), faz questão de mostrar nas redes sociais que se actualiza constantemente em formações, mantendo a porta aberta para um regresso ao trabalho apesar dos 71 anos. Os 506 jogos enquanto treinador na I Liga e os vários trabalhos de monta descritos neste artigo não chegaram para dar o salto para um “grande” (mais que merecido), o que ajuda a explicar a vitrina de troféus vazia, nem para alimentar com mais afinco o sonho de um dia ser o seleccionador nacional de Portugal, mas Manuel Cajuda será sempre um dos treinadores mais emblemáticos e reconhecidos dos adeptos do futebol português – e se este Braga chegar mesmo um dia a ser campeão, não se esqueçam aqui do “tio”.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.

14 de Fevereiro: cinco casos portugueses de amor ao clube

331236590_749427876364391_223297894177635695_n(André, Bessa, Bruno Reis, Pedro Aguiar e Thomas Militão só conheceram um único clube até hoje.)

Aproveitando esta data, famosa por ser o Dia da Celebração do Amor, a nossa página enumera cinco casos de futebolistas portugueses em atividade que, até hoje, só representaram um único clube tanto na formação como a nível sénior.
São, por isso, exemplos raros de amor à camisola e aos clubes que representam desde sempre, algo que, como é sabido, começa a ser muito difícil de encontrar nos tempos que correm, até mesmo no próprio futebol internacional.
Posto isto, e sem mais demoras, ficam aqui esses exemplos:

André (Milheiroense)

Natural de Milheirós de Poiares, concelho de Santa Maria da Feira, André está ao serviço do clube da sua terra desde 2001, ano em que ingressou naquele que era então o escalão mais baixo: escolinhas.
Central de posição, cumpriu onze temporadas nas camadas jovens do emblema preto e vermelho, e em 11/12, prestes a terminar o processo formativo, teve o “prémio” de se estrear pela equipa principal, entrando na segunda parte da última jornada da I Divisão Distrital da AF Aveiro diante do Canedo.
Promovido em definitivo ao escalão sénior meses depois, tornou-se, nos últimos anos, uma das principais referências do clube, especialmente por nunca o ter abandonado nos momentos mais difíceis: num curto espaço de tempo, o Milheiroense passou do primeiro para o terceiro escalão do seu Distrito, mas não perdeu o capitão.
Atualmente com 29 anos (15/10/1993), André Vieira cumpre a 22ª temporada ao serviço do seu clube.

Bessa (Foz)

Aos 36 anos, Hugo Bessa é, seguramente, um dos futebolistas atuais com maior longevidade nos Campeonatos Distritais da AF Porto: sénior desde a longínqua temporada 2005/06, jogou em todos os escalões portuenses pelo Foz, único clube que representou até hoje no “desporto rei”.
Nascido a 19 de Setembro de 1986, este central ou médio defensivo entrou no emblema fozeiro em 1998, para jogar nas escolinhas, e cumpriu toda a formação de preto e branco, excetuando o primeiro ano de juvenil, em que decidiu trocar de modalidade e teve uma passagem pelo futsal com a camisola da Juventude de Gaia.
De regresso ao Campo da Ervilha logo na temporada seguinte, não mais voltou a sair, tendo contribuido para o grande crescimento que o clube tem tido nos últimos anos, que resultou, por exemplo, na ascensão à Divisão de Elite, patamar mais elevado da AF Porto, e no histórico apuramento para a Taça de Portugal em 2020.
Contas feitas, esta é a 24ª época que Bessa cumpre no Foz, a 21ª consecutiva.

Bruno Reis (Portimonense)

Jogador do Portimonense desde 2011, ano em que se juntou aos infantis do clube, Bruno Reis terminou a formação em 2018 e, desde então, já somou 10 jogos pela equipa principal dos algarvios, 5 deles na temporada atual: 3 na I Liga e 2 na Taça da Liga.
Após cumprir sete épocas nas camadas jovens, passou para a recém criada equipa de Sub-23 quando atingiu a “maioridade futebolística”, e o seu desempenho nesse escalão agradou a António Folha, técnico da formação principal, que a 16 de Fevereiro de 2019, em Guimarães contra o Vitória, o lançou aos 82 minutos da partida que terminou com triunfo caseiro (0-2) – entrou ainda na Luz diante do Benfica (1-5), além de ter sido várias vezes suplente não utilizado.
Até à última temporada, o médio de 23 anos foi-se “desdobrando” entre equipa A e Sub-23, mas só em 21/22 é que voltou a contar minutos pela equipa principal, tendo, curiosamente, jogado no Dragão contra o FC Porto (0-7) e em Portimão na receção ao Sporting (2-3) – esta época, até pelo limite de idade da Liga Revelação, foi promovido em definitivo à turma comandada por Paulo Sérgio.
Nascido a 20 de Julho de 1999, Bruno Reis leva já 12 temporadas de Portimonense.

Pedro Aguiar (Angrense)

Pauleta será, muito provavelmente, o Pedro mais famoso da história do Angrense, mas não é, nem de longe nem de perto, o Pedro com mais anos ao serviço do emblema açoriano: essa distinção pertence a Pedrinho, médio ofensivo de 33 anos que está no clube desde 1997.
Natural precisamente de Angra do Heroísmo (12/11/1989), Pedro Aguiar começou a jogar nas escolinhas e passou onze épocas nas camadas jovens da turma vermelha e branca, tendo subido à primeira equipa ainda com idade de júnior, apesar de, oficialmente, isso ter acontecido em 08/09, temporada em que o seu clube disputou a extinta III Divisão Nacional.
Atualmente, tanto o jogador como o Angrense cumprem a quinta época das suas vidas no Campeonato de Portugal, e o registo do atleta naquele que é, agora, o quarto escalão do nosso futebol, tem números bem interessantes: contando com a temporada atual, soma 44 golos em 120 jogos (2/11 em 22/23).
No total, entre formação e equipa sénior, Pedrinho tem 26 épocas de Angrense.

Thomas Militão (Caldas)

Conhecido por ser um clube familiar que gosta de manter a maioria dos seus plantéis de umas épocas para as outras, o Caldas tem em Thomas Militão um grande exemplo de amor e lealdade às cores que representa.
No clube desde 2001, ano em que entrou para as escolinhas, o central cumpriu dez temporadas na formação, duas por cada escalão, e subiu aos seniores em 11/12, estreando-se pela equipa principal na II Divisão Nacional, numa época que seria de má memória para o emblema das Caldas da Raínha, visto que não evitou a descida.
Nascido em França, a 11 de Fevereiro de 1992, Militão rapidamente se impôs na equipa titular dos “pelicanos”, e nas últimas temporadas tem sido uma das principais “peças chave” no sucesso do emblema preto e branco, que tem dado cartas tanto nos Campeonatos que disputa como na Taça de Portugal – esta época, recorde-se, foi a penaltis com o Benfica; e em 17/18 chegou às Meias-Finais, perdendo com o Aves.
Com dez temporadas na formação e doze na equipa sénior, Thomas Militão, de 31 anos, cumpre a 22ª temporada no Caldas.

Masca: Três de uma vez para se apresentar ao futebol espanhol

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Masca, ponta de lança que representa os espanhóis do Oviedo B, é o destaque desta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

Calcanhar (direito), pé direito e cabeça: não foi o protótipo do hat-trick perfeito, mas foi uma estreia a titular a roçar a perfeição para Francisco Mascarenhas (Masca no mundo do futebol) na equipa B do Oviedo. Depois de 5 aparições como suplente utilizado (3 ainda antes do Mundial e mais 2 já em Dezembro), o avançado natural de Cascais entrou em 2023 com a boa nova de que iria finalmente ter uma oportunidade de início e deu finalmente a primeira demonstração das qualidades goleadores que lhe são reconhecidas já há muito tempo nos escalões jovens do futebol português, contribuindo decisivamente para o triunfo da equipa secundária do Oviedo na recepção ao Marino de Luanco (3-1).

Com formação iniciada no Estoril, Masca passou depois 4 temporadas no Cascais até regressar aos Canários no segundo ano de iniciado. Ficaria na equipa da Linha até chegar a sénior (com excepção de meia época como juvenil no Belenenses), e aos 20 anos rumou ao Algarve para reforçar a equipa de sub-23 do Portimonense, depois de já ter completado 2 temporadas naquele escalão pelo Estoril. Em Portimão ficou em branco em 20 jogos na primeira época (2020/21), mas na segunda somaria 9 tentos em 22 utilizações, sagrando-se mesmo o artilheiro da fase de campeão da Zona Sul.

Os números muito interessantes chamaram a atenção dos responsáveis do Oviedo, que decidiram assim avançar para a sua contratação – ainda para mais estando disponível a custo zero. O emblema asturiano encontra-se neste momento na II Liga, estando a equipa B no quarto escalão do futebol espanhol, e foi esse o patamar destinado a Masca nesta primeira época no clube – tem mais 2 de opção, a exercer no final da temporada caso ambas as partes cheguem a acordo nesse sentido.

E, se a amostra até aqui não era famosa, dado o pouquíssimo tempo de jogo concedido ao avançado luso, a verdade é que o faro de golo demonstrado na última ronda do grupo 1 da Segunda RFEF pode influenciar sobremaneira o que resta da temporada em termos de rendimento de Francisco Fumaça Mascarenhas Costa Pessoa – ou, lá está, Masca. Sem passado nas selecções jovens, apesar de ter sido chamado a estágios, o avançado de 22 anos vive a primeira experiência fora de Portugal e a continuidade a faturar tem de ser o seu objectivo principal nesta fase para que possa dar o salto para patamares mais elevados.

“Acredito a 100% que serei o próximo número 9 da selecção portuguesa. Gonçalo Ramos ou Fábio Silva? Acredito que em breve, e estando a jogar nas principais ligas, seja na I Liga ou lá fora, e fazendo golos, estarei no patamar deles e a fazer tantos ou mais golos que eles. Não temo isso de chegar tarde à seleção porque acredito muito em mim”, dizia no verão em entrevista ao “Desporto ao minuto”, numa altura em que ainda não se havia comprometido com o Oviedo. A primeira amostra “a sério” deixa claro que o sonho é legítimo; resta agora esperar para ver se o seguimento vai dar os resultados desejados – a começar, quiçá, pela promoção à equipa principal, onde terá a oportunidade de jogar na II Liga espanhola.

Portimonense – Boavista: já começa a ser tradição

PortimonenseBoavista1718(Fabrício, do Portimonense, conduz a bola perante o olhar atento do árbitro Nuno Almeida, do seu colega Tabata e do boavisteiro Fábio Espinho na 1ª Jornada de 17/18.)

A jornada inaugural da Liga volta a proporcionar o reencontro entre Portimonense e Boavista logo a abrir o campeonato, algo que já vem sendo hábito nos últimos anos: desde 2017, esta é a terceira vez que algarvios e portuenses se defrontam na primeira ronda e sempre em Portimão – e é a quarta da história.
Assim sendo, perante este dado, podemos dizer que um Portimonense – Boavista logo no princípio do campeonato já começa a ser tradição, e o primeiro capítulo teve lugar na década de 80, mais precisamente em 1981, quando a 23 de Agosto desse ano, um golo de Norton de Matos (54′) foi o suficiente para a turma de Portimão derrotar os axadrezados na jornada inicial da época 81/82.
Posteriormente, as formações que equipam de preto e branco cruzaram-se na I Divisão pela última vez em 89/90, e, só volvidos vinte e sete anos, em 2017, é que voltaram a ser adversários no topo do futebol luso, defrontando-se de novo na primeira jornada, precisamente a 7 de Agosto, tal como hoje: há exatos cinco anos, Rochinha ainda adiantou as “panteras” (21′), mas Rúben Fernandes (54′) e Tabata (85′) carimbaram a reviravolta favorável à equipa então orientada por Vítor Oliveira.
Volvido praticamente um ano, a 13 de Agosto de 2018, o Estádio Municipal de Portimão tornou a receber mais um Portimonense – Boavista na abertura da Liga, mas, dessa feita, a vitória sorriu aos boavisteiros, que com golos de David Simão (47′) e André Claro (90’+3) selaram o primeiro de treze triunfos que tiveram nesse campeonato.
No total, em trinta e seis jogos entre os clubes no primeiro escalão, o Boavista tem vantagem no confronto, com dezanove vitórias contra treze do Portimonense, tendo-se registado apenas quatro empates – se contabilizarmos os registos de todas as competições, I Liga, II Liga, Taça de Portugal e Taça da Liga, os axadrezados somam vinte e dois triunfos contra dezoito dos algarvios em quarenta e quatro partidas.
Logo mais, a partir das 20h30, o árbitro Cláudio Pereira dará início ao décimo primeiro jogo consecutivo entre Portimonense e Boavista na I Liga, o quarto da história entre os clubes na primeira jornada do campeonato e em Portimão.

Gil Vicente: o 26º representante luso na Europa

gilvicente(A festa dos jogadores gilistas após Boselli marcar o golo do empate na partida de ontem.)

Agora sim, é oficial: ao empatar ontem na Letónia, diante do Riga FC (1-1), a contar para a 1ª mão da 3ª Eliminatória da Conference League, o Gil Vicente tornou-se no vigésimo sexto clube português a disputar uma prova europeia reconhecida pela UEFA – o Barreirense fica fora desta contabilidade precisamente porque participou na Taça das Cidades com Feira, competição não reconhecida pelo organismo que tutela o futebol europeu.
A formação comandada por Ivo Vieira até entrou a perder na estreia, cortesia do brasileiro Douglas Aurélio (17′), mas no segundo tempo conseguiu restabelecer a igualdade graças a um golaço histórico do urugaio Juan Boselli: o avançado contratado ao Tondela, além de permitir à sua equipa obter um bom resultado, apontou o primeiro golo da história do Gil Vicente em competições europeias.
De resto, a última vez que Portugal havia estreado um clube nas provas da UEFA foi há seis anos: em 2016, o Arouca, que tal como os gilistas em 21/22 fez um campeonato sensacional em 15/16, começou por eliminar os neerlandeses do Heracles na 3ª Eliminatória de acesso à Liga Europa (empate 1-1 fora e 0-0 em casa); e no play-off, depois de perder no seu estádio com o “todo poderoso” Olympiacos (0-1), conseguiu vencer no Georgios Karaiskakis ao fim de 90 minutos, contudo, perdeu no prolongamento (1-2).
Sem surpresa, Benfica, FC Porto e Sporting são os clubes lusos com mais presenças e mais jogos nas provas da UEFA, e logo atrás deles surge outro trio que não surpreende: Sp. Braga, Boavista e Vitória SC têm todos vinte ou mais participações europeias, sendo que, destes seis, apenas o emblema de Guimarães não conseguiu disputar a fase de grupos da Liga dos Campeões, tendo-se ficado pelo play-off em 08/09.
A partir daqui, surgem várias equipas com ligeiras diferenças entre si: Belenenses e Vitória FC já foram ambos à Europa por quinze vezes; o Marítimo soma nove presenças; a União de Leiria conseguiu oito apuramentos; CUF, Nacional e Paços de Ferreira já experimentaram competições internacionais por cinco ocasiões; Académica, Leixões e Rio Ave têm quatro participações; enquanto que Estoril, Estrela da Amadora e Santa Clara contam com duas experiências europeias.
Com apenas uma presença em provas europeias surgem mais seis clubes para além do Gil Vicente: Arouca, Beira-Mar, Desp. Chaves, Farense, Salgueiros e Portimonense ainda procuram repetir o feito, sendo que, à exceção dos beiramarenses que venceram a Taça de Portugal e por isso garantiram a vaga na então Taça UEFA, todos os outros conseguiram lugar na “Europa do futebol” graças a belíssimas performances na I Divisão.
Ainda relativamente às estreias, nota para o facto do Santa Clara, que na época passada disputou a Conference League, não se ter estreado em provas europeias em 21/22: os açorianos fizeram-no em 2002, na já extinta Taça Intertoto, prova reconhecida e organizada pela UEFA, na qual participaram vários clubes lusos, tais como Sporting, Vitória FC, Vitória SC, Sp. Braga, U. Leiria, Belenenses, Estrela da Amadora e CUF.
Contas feitas, entre Taça dos Campeões Europeus/Liga dos Campeões, Taça UEFA/Liga Europa, Taça das Taças, Taça Intertoto e Conference League, Portugal já “deu” vinte e seis clubes às competições europeias, e a lista pode aumentar já na próxima temporada.

Aylton Boa Morte: o primeiro carimbo na ficha dos marcadores nas Arábias

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Aylton Boa Morte, avançado que recentemente se mudou para o Khorfakkan, dos Emirados Árabes Unidos, é o destaque desta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

Tozé, cria do Porto e antiga esperança do futebol nacional, é o português com mais obra feita nos Emirados Árabes Unidos – são já 28 golos em 85 jogos desde que, no verão de 2019, deixou o Vitória Sport Clube para embarcar na primeira aventura da carreira fora de Portugal. Não foi, porém, o médio natural de Esposende a brilhar no embate da última jornada entre o seu Al Nasr e o Khorfakkan: esse papel coube a Aylton Boa Morte, que ao quarto jogo pela nova equipa fez a melhor exibição na ainda curta história nas Arábias.

Tal como Tozé, também Aylton (que não tem qualquer relação familiar com o antigo internacional Luís Boa Morte, ao contrário do que muitas vezes é erradamente veiculado) está a ter nos Emirados Árabes Unidos a primeira experiência no estrangeiro. Aos 28 anos, e depois de três épocas a destacar-se ao serviço do Portimonense, o extremo nascido em Almada decidiu partir à descoberta de uma nova realidade e assinou pelo Khorfakkan, emblema que habitualmente luta pela permanência no campeonato local – tal como está a acontecer esta época: era 11º quando o atleta português lá chegou, com 7 pontos de vantagem sobre a zona de despromoção, e passadas cinco jornadas continua na mesma posição mas com mais um ponto de diferença.

A primeira grande demonstração da qualidade de Aylton Boa Morte chegou então, como já se disse anteriormente, no seu quarto jogo em terras árabes. De forma absolutamente surpreendente, o Khorfakkan derrotou o Al Nasr, habitual candidato aos primeiros lugares da tabela, por concludentes 4-0 e o extremo almadense esteve em três dos tentos: participou na construção do primeiro, fez ele mesmo o segundo, numa prova de astúcia e instinto matador (percebeu que o guarda-redes não tinha a bola completamente dominada e conseguiu tocá-la para a baliza deserta), e ainda viria a assistir para o quarto num cruzamento perfeito da direita do ataque.

O contrato assinado com o conjunto dos Emirados Árabes Unidos foi de ano e meio, pelo que estes primeiros seis meses serão sempre de adaptação a esta nova realidade, tendo em vista a explosão definitiva na próxima temporada. O Khorfakkan é o nono clube da carreira de Aylton Boa Morte enquanto sénior, sendo que o Portimonense foi mesmo a equipa onde o extremo passou mais tempo; com formação dividida entre Cova da Piedade, Amora e Beira-Mar de Almada, a estreia como sénior deu-se em 2012/13 no Pinhalnovense, na II Divisão – patamar onde representaria depois Joane, Ribeirão, Tirsense e Salgueiros.

Os 4 golos em 30 jogos ao serviço dos salgueiristas chamaram a atenção de emblemas com outras aspirações, e foi assim que na pré-temporada de 2017/18 surgiu a oficialização da sua contratação por parte do primodivisionário Estoril. Numa época muito complicada para os Canarinhos, Aylton acabaria por não dispor de muitas oportunidades para mostrar o seu valor (11 aparições, 5 das quais como titular) e em Janeiro aceitou ser cedido ao Cova da Piedade, somando 13 partidas na II Liga pelo emblema da sua terra natal.

Seria nesse escalão que se viria a destacar na primeira metade de 2018/19, com 25 jogos e 4 golos pelos estorilistas, convencendo os responsáveis do Portimonense a avançar para a sua contratação nas últimas horas do mercado de Janeiro. Seguiram-se então as 3 temporadas no Algarve com excelente aproveitamento (106 jogos e 20 golos, 8 dos quais apontados na primeira metade da época em curso), que acabaram por proporcionar a mudança para os Emirados Árabes – não houve confirmação oficial, mas de acordo com a imprensa especializada a transferência rendeu cerca de 500 mil euros aos cofres do conjunto do Barlavento algarvio.

São, portanto, fundadas as expectativas dos adeptos locais em relação ao atacante português. As aspirações do Khorfakkan, já se disse, são relativamente modestas e até por essa razão é crível que Aylton Boa Morte se venha rapidamente a tornar uma das estrelas da equipa – e, por que não, do próprio campeonato. Resta esperar que a adaptação decorra da forma mais célere possível para que se torne um hábito ver o nome do extremo luso nas fichas de marcadores (ou nos registos de assistências) da Liga onde pontificam ainda Rúben Canedo, Adrien e Fábio Martins (Al Wahda, actual vice-líder da prova).

Pedro Delgado: o craque multi-cultural que está a renascer na China

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Pedro Delgado, médio ofensivo que representa os chineses do Shandong Taishan, é o jogador em destaque esta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

O Shandong Taishan está a viver a melhor época da última década no futebol chinês e um homem em particular tem vindo a deslumbrar nas últimas semanas: Pedro Delgado. Depois de já se ter evidenciado na fase inicial da Superliga chinesa, com 3 golos em 7 jogos disputados, o jovem luso, que na China tem atuado mais como extremo do que médio, foi o dono e senhor dos quartos-de-final e meias-finais da Taça da China, com quatro golos e uma assistência nas vitórias sobre Wuhan Zall (2-0 e 1-0) e Henan Jianye (1-0 e 4-2), contribuindo decisivamente para a sua equipa assegurar a presença no jogo decisivo pela quarta época consecutiva.

2020 não foi de todo um ano para recordar para Pedro Delgado. O atleta nascido em 1997, em Portimão, foi cedido no início do ano pelo emblema chinês ao Aves, fazendo 3 partidas como suplente utilizado até ao momento da suspensão de todas as actividades desportivas no país devido ao surgimento da pandemia do coronavírus; seria utilizado apenas mais uma vez no então já condenado emblema avense já em Junho, após o regresso das competições, sendo substituído ao intervalo de uma derrota caseira ante o B SAD (0-2), e esse foi mesmo o último jogo que realizou nesse ano, acabando por não ser inscrito no regresso à China.

A carreira de Pedro Delgado, de resto, toda ela tem contornos caricatos. Filho de Amílcar Delgado, antigo avançado cabo-verdiano que fez carreira em Portugal e acabou por se radicar em Portimão, desempenhando já há vários anos funções no Portimonense (neste momento é o team manager da equipa de sub-23), o jovem Pedro deu nas vistas de tal forma nas camadas jovens dos algarvios (bem como no Sporting, onde passou os dois anos de iniciado e onde não ficou por exigência dos pais devido ao mau desempenho escolar) que no verão de 2013, com 15 anos e depois de ter regressado a Portimão, foi contratado pelo poderoso Inter de Milão.

Ali ficaria 3 temporadas, chegando mesmo a estrear-se na primeira equipa em contexto de jogos particulares sob o comando de Roberto Mancini, até que no verão de 2016 voltou ao Sporting, assumidamente o seu clube do coração, envolvido na transferência de João Mário no sentido inverso. Curiosamente, tal aconteceu depois de ter sido oficializado pelo próprio Inter como reforço… do Benfica, num negócio que terá caído por terra por desacordo em termos salariais – os próprios encarnados emitiram na altura um comunicado onde falavam de “exigências absurdas” por parte do jogador.

No regresso aos leões, Pedro Delgado tinha como objectivo claro a chegada à formação principal mas a realidade foi bastante diferente: acabou por fazer 2 épocas inteiras na equipa B (57 jogos, 11 golos), sem nunca ser chamado ao mais alto patamar. Por essa razão tentou a saída no início de 2018/19, não chegando sequer a ser inscrito nas competições nacionais, mas só no fim do ano conseguiria resolver o seu futuro, assinando por 4 temporadas com o Shandong Luneng, da China, numa operação que só se viria a oficializar… em Junho, devido às limitações na inscrição de atletas estrangeiros na federação daquele país asiático.

A questão burocrática, de resto, viria a ser desbloqueada de forma… surpreendente, para dizer o mínimo: o médio teve de requerer a cidadania chinesa, que acabaria mesmo por lhe ser concedida apesar do curtíssimo tempo que levava no país – ainda que com restrições, como por exemplo a impossibilidade de actuar pela selecção da China ou pelo clube na Liga dos Campeões asiática. Pedro Delgado tornou-se assim o primeiro futebolista de sempre a obter a cidadania chinesa sem ter ascendência daquele país (no seu bilhete de identidade chinês passou a figurar o nome De’erjiaduo) e acabaria por fazer 8 jogos até ao fim de 2019 (7 no campeonato e 1 na Taça), com os Taishan Dui a terminar no quinto lugar da Superliga chinesa e a chegar à final da Taça, que fugiria para o Shanghai Shenhua (o jogador português ficou de fora dos eleitos para as duas mãos da decisão).

Percebendo que não fazia parte das opções técnicas para a temporada de 2020 (na China a época joga-se em anos civis, ao contrário do que acontece por exemplo na maioria dos países europeus), Pedro Delgado decidiu procurar novo destino e assim chegou ao Aves no mercado de inverno de 2019/20, numa passagem também ela muito rápida e nada bem sucedida como já explicado acima. Seguiram-se mais alguns meses sem competir, até que 2021 lhe trouxe uma nova oportunidade no emblema de Jinan: o atleta luso foi um dos quatro estrangeiros não-asiáticos inscritos para a nova temporada, juntamente com os brasileiros Moisés e Léo Souza (entretanto transferido e “substituído” por Jadson, central ex-Portimonense) e o renomado belga Fellaini.

Os 7 golos em 10 jogos e o grande momento colectivo da equipa, líder do campeonato e finalista da Taça, configuram a melhor fase da carreira sénior para Pedro Delgado até ao momento. Aos 24 anos, e com contrato válido até ao fim de 2023, é com um interesse redobrado que se vê esta espécie de segunda vida para um jogador que durante vários anos foi apontado como uma das grandes promessas do futebol nacional, tendo somado inclusivamente 44 internacionalizações nas camadas jovens entre os sub-16 e os sub-21 – marcou presença num Europeu de sub-17, noutro de sub-19 e no Mundial de sub-20 em 2017. Curiosamente, devido ao facto de ter obtido a nacionalidade chinesa, não será também de descartar ver um dia o jogador luso envergar a camisola daquela selecção nacional, ainda que para isso tenha de esperar até 2024, altura em que perfaz o período mínimo de cinco anos previsto nos regulamentos.

Oliveirense – Portimonense: quando Wilson Eduardo deu a subida aos algarvios

Portimonense2010(Yero, com o número 29, corre para junto dos adeptos do Portimonense onde já se encontrava Wilson Eduardo e alguns dos seus colegas.)

Visitar Oliveira de Azeméis e a Oliveirense será sempre motivo de alegria para os adeptos do Portimonense: foi no Estádio Carlos Osório, em 2010, que os algarvios puseram fim a um hiato de vinte anos sem marcarem presença na I Liga e consumaram a subida na derradeira jornada da Liga Vitalis com triunfo por 1-0.
A II Liga em 09/10 decorreu bem ao seu estilo: equilibrada, animada e incerta até ao final. Prova disso é Beira-Mar e Portimonense terem sido promovidos com os mesmos pontos, 54, somente com dois de avanço para o Feirense, que terminou em terceiro; três para o Santa Clara que foi quarto; e cinco para a Oliveirense que acabou no quinto posto.
À entrada para a última jornada, estes cinco clubes tinham todos boas hipóteses de acabarem a época a festejar, mas nenhum jogo era tão prometedor como aquele Oliveirense – Portimonense apitado por Pedro Proença: frente a frente estavam dois adversários diretos, separados por dois pontos, e a pressão existia para ambos os lados, embora os algarvios estivessem ligeiramente mais pressionados dada a vantagem na tabela.
As contas, porém, também eram mais simples para a turma de Portimão: bastava o empate aos alvinegros fosse qual fosse o resultado do Feirense na casa do Estoril; enquanto que a Oliveirense tinha de vencer o jogo e esperar que o seu vizinho e eterno rival da Feira não ganhasse na visita ao Distrito de Lisboa.
Podemos dizer que a “chave” do encontro estava no banco: aos 63 minutos, Litos, técnico do Portimonense, lançou o menino Wilson Eduardo para o lugar do goleador Pires e o jovem emprestado pelo Sporting só precisou de dois minutos em campo para marcar, apontando, aos 65′, o golo que guiou de volta os algarvios ao primeiro escalão depois da descida em 1990.
Litos, importa dizer, assumiu o comando da equipa de Portimão em finais de Outubro, substituindo Lito Vidigal que entretanto saíra para o Leiria (I Liga), e encontrou um plantel que tinha nomes como Ricardo Pessoa, Pires, Rúben Fernandes, Vasco Matos, João Pedro, Ivanildo, Diogo Melo, Alê ou Anilton Júnior – Wilson Eduardo, então com 19 anos, só chegou em Janeiro depois de ter iniciado a época no Real.
Amanhã, a partir das 17h, na 3ª Eliminatória da Taça de Portugal, Oliveirense e Portimonense defrontam-se pela décima oitava vez de forma oficial, onze anos depois do encontro que terminou em festa para os forasteiros e em desilusão para os da casa, que a duas jornadas do fim, imagine-se, lideravam a II Liga…

Jackson Martínez: 35 anos de Cha Cha Cha, golos e muito espírito de sacrifício

jacksonfcp(Jackson viveu os melhores anos da carreira ao serviço do FC Porto.)

O dia 3 de Outubro marca o aniversário de um dos melhores avançados que passou por Portugal na última década. Recebido com algumas sobrancelhas franzidas, pelo facto de já ter praticamente 26 anos quando cá chegou e nunca ter jogado na Europa anteriormente, depressa mostrou que essas interrogações eram infundadas e que havia finalmente um substituto à altura para o compatriota Radamel Falcao, que tantas saudades por cá deixara. Já adivinhou, caro leitor: hoje, celebra-se o 35º aniversário de Jackson Martínez.

O desafio era, de facto, muito complicado quando no início de 2012/13 Jackson Martínez, conhecido na sua Colômbia natal como Cha Cha Cha (alcunha que herdou do pai, também ele um futebolista que festejava os seus golos ao ritmo desse estilo de dança), chegou ao Porto para reforçar o plantel comandado por Vítor Pereira a troco de cerca de 8,8 milhões de euros. Os Dragões até se tinham sagrado campeões nacionais em 2011/12, mas viveram toda a época órfãos de uma verdadeira referência de área dada a saída de Falcao para o Atlético de Madrid logo no início da época – Kléber e Janko foram fazendo a função mas sem nunca convencer verdadeiramente.

jacksonindep(Foi ao serviço do Independiente de Medellín que o “Cha Cha Cha” despontou.)

Urgia, por isso, que Jackson chegasse, visse e vencesse, até porque Hulk, o goleador desse início de temporada, também se transferiu em cima do fecho do mercado (no caso, para o Zenit). A pressão estava toda em cima dos ombros do rapaz nascido em Quibdó, que até então mostrara dotes goleadores na Colômbia e no México mas nada de verdadeiramente deslumbrante, e a verdade é que começou a mostrar ao que vinha logo no primeiro jogo oficial, a Supertaça ante a Académica: marcou o único golo do encontro, garantindo assim desde logo a conquista de um troféu, e foi eleito o Homem do Jogo.

Começava assim uma história de golos e mais golos de azul-e-branco vestido – incluindo um que está no top-3 pessoal de quem vos escreve este artigo: esse mesmo, o calcanhar perante Rui Patrício que abriu o marcador no clássico com o Sporting na jornada 6 dessa temporada 2012/13 (o Porto venceria por 2-0). O último golo dos Dragões nessa época, que ditou o 2-0 final em Paços de Ferreira e o consequente tricampeonato para o Porto, foi também o seu 31º na época e 26º no campeonato, do qual se sagrou artilheiro máximo – seria mesmo eleito pela ESPN como uma das grandes contratações do futebol mundial na temporada.

jacksonjaguares(Os golos de Jackson pelos mexicanos do Jaguares convenceram o FC Porto a avançar para a sua contratação.)

As duas épocas que se seguiram no Dragão tiveram pouca glória em termos colectivos (apenas a Supertaça de 2013/14 conquistada, num 3-0 ao Vitória de Guimarães em que também marcou), mas Jackson continuou a dominar os registos individuais, sagrando-se melhor marcador da Liga mais duas vezes: 20 golos em 2013/14 e 21 em 2014/15 – primeiro a consegui-lo por três temporadas consecutivas desde Mário Jardel, que até o fez em quatro entre 1996 e 2000. Não estranhou, por isso, que surgissem tubarões europeus interessados nos seus serviços e foi o Atlético de Madrid que ganhou a corrida, deixando 35 milhões de euros nos cofres dos azuis-e-brancos (segundo jogador mais caro de sempre dos Colchoneros até então) e levando assim o segundo goleador colombiano do Dragão no espaço de quatro anos.

No futebol espanhol, todavia, Jackson rapidamente começou a perder a vontade de sorrir. Nunca se conseguiu adaptar ao estilo de jogo preconizado por Diego Simeone, tendo também algumas arreliadoras lesões pelo caminho, e no mercado de inverno de 2015/16, depois de apenas 22 jogos e 3 golos pelo Atlético, mudou-se para o milionário futebol chinês, assinando pelo Guangzhou Evergrande, que pagou 42 milhões de euros pelo seu passe ao Atlético de Madrid – cujo presidente diria então que o avançado “não estava ao nível” do clube madrileno. “É um bom jogador, ninguém pode dizer o contrário, mas não teve sorte e esta foi a melhor decisão para todas as partes. E se o Guangzhou pagou esse dinheiro por ele é porque ele valia isso; tinha bastante mercado”, dizia então Enrique Cerezo.

jacksoncolombia(Jackson fez 10 golos pela Seleção A Colombiana, dois deles no Mundial 2014.)

A realidade, porém, voltou a revelar-se bastante aziaga. Jackson viria a sofrer uma lesão no tornozelo esquerdo passados apenas dois meses de chegar à China, ficando mais de três meses afastado dos relvados; regressou em Agosto, cumprindo quatro encontros como suplente utilizado (e um golo) até Outubro, quando se lesionou novamente no mesmo maldito tornozelo. Era o início de um calvário que durou mais de dois anos… e que na verdade nunca viria a ter fim.

A 31 de Agosto de 2018, de forma absolutamente inesperada, Jackson Martínez foi oficializado como reforço… do Portimonense, convertendo-se na contratação mais surpreendente do emblema algarvio (e possivelmente de todo o futebol português) nesse mercado de verão. Em Portimão, depressa se afirmou como titular e figura de cartaz de uma equipa sem grandes destaques individuais mas com enorme espírito de luta e sacrifício – precisamente as características que o colombiano iria abraçar com a maior tenacidade a partir de então.

As limitações eram evidentes, tal como o esgar de dor na sua face de cada vez que tentava fazer uma aceleração. A vontade estava lá, estava toda lá, mas o tornozelo não deixava. Ou melhor, não deveria deixar, mas a força de Jackson ainda fez com que conseguisse actuar durante duas temporadas no Portimonense, onde chegou inclusive a capitão de equipa, conseguindo até um pecúlio interessante de 9 golos em 28 partidas em 2018/19 (mais 3 tentos em 26 jogos disputados na época seguinte, na qual cortou de vez o vínculo ao Guangzhou e assinou em definitivo pelo conjunto de Portimão). 2019/20 foi a temporada que ficou partida após o segundo terço devido ao surgimento da pandemia do coronavírus e esse facto ainda atrapalhou mais a questão física do goleador, que após o reatar da competição apareceu como uma sombra… da sombra do Jackson que todos conhecemos na passagem pelo Porto.

jacksonatletico(Jackson não foi feliz com a camisola do Atlético de Madrid.)

“A única forma de ele conseguir competir era treinar uma vez por semana com o grupo, e de resto fazia trabalho na piscina, de descompressão, fisioterapia e ginásio. Quase tínhamos de combinar o dia que impreterivelmente ele tinha de estar no treino de conjunto, e que não fosse muito perto do jogo, porque depois passava dois ou três dias com dores horríveis no tornozelo. Era muito limitador, mas o que ficará para mim é a capacidade de sofrimento dele, o quanto queria continuar a jogar, o que se sacrificava, provavelmente com a vida dele resolvida em termos económicos. Mas a humildade dele para querer continuar a jogar, a vontade de se sacrificar… Já apresentava muitas dificuldades para finalizar qualquer lance que viesse da esquerda, na busca dos apoios tinha muitas limitações, mas nas bolas da direita ainda conseguia fazê-lo à Jackson”, revelou há tempos Paulo Sérgio, treinador do Portimonense em 2019/20, em entrevista no Canal 11.

Paulo Sérgio, de resto, acabaria por estar ligado decisivamente à tomada de decisão mais difícil da vida de Jackson Martínez: o adeus ao futebol. “Para a nova temporada decidi que num grupo profissional não se pode trabalhar assim. Com muita pena minha, porque foi um prazer trabalhar com o Jackson, mas é muito injusto eu ir contratar um ponta de lança e dizer-lhe ‘tu treinas todos os dias mas quem vai jogar é o Jackson que só treina uma vez por semana’. Isso para mim não funciona, e então tomei essa decisão, que não foi fácil mas penso que ele já estaria preparado para isso embora eu saiba que, se lhe tivesse pedido para fazer mais um ano, ele era capaz de continuar. Mas se não participasse num jogo ficava frustrado, e gerir um grupo dessa forma é muito complicado. Mas foi um prazer, porque ele é um homem com H grande”, confessou na mesma ocasião.

jacskonchina(Depois do falhanço em Madrid, o colombiano rumou à China.)

A verdade é que já há algum tempo que vinha a ser aventada a possibilidade do adeus aos relvados – inclusivamente por entrevistas dadas pelo próprio, quer na Colômbia quer em Portugal. Ainda se chegou a falar de um possível regresso ao Independiente Medellín, clube onde se formou e se lançou no futebol profissional, mas em Dezembro de 2020, quatro meses depois de deixar Portimão, chegou a oficialização da despedida.

“As angústias foram variadas. Começava nas vezes que tinha de abandonar os treinos, porque tinha chegado ao meu limite e já não suportava mais a dor. Depois dos jogos eram dores impressionantes que me impediam de descansar bem. Sofria com muitas coisas que para o adepto podem ser invisíveis, mas quem as vive sabe o difícil que é. O que mais me abatia era perceber o esforço que eu punha na minha recuperação e ver que não melhorava substancialmente. Sei que fiz tudo o que estava nas minhas mãos. Podem imaginar como era duro um atleta de alta competição acordar com tantas dores durante a noite, ter que se levantar para minimizar algo e passado poucas horas sair de casa para outro dia de treino. Repetidas vezes. Depois de jogar um jogo, tinha de ficar dois ou três dias sem treinar ou mesmo uma semana completa”, explicou o próprio em entrevista ao jornal A Bola em Fevereiro último.

jacksonportimao(Em Portimão, Jackson sofreu para jogar, mas nunca virou a cara à luta.)

Chegou até a pensar numa solução extrema: a amputação, de modo a pôr um fim às intermináveis dores. Mas “a maior dor era não ter voltado a jogar”, segundo palavras do próprio, que deixou a sua marca também com as cores do seu país – 41 internacionalizações e 10 golos, dois dos quais no Mundial 2014. Hoje, Jackson Martínez foca-se unicamente na carreira de rapper cristão – é verdade, esse estilo de música existe realmente e o Cha Cha Cha tem até já um álbum com sete temas, denominado No Temeré (Não Temerei, em português) e editado em Setembro de 2018 cujos videoclips podem ser encontrados no Youtube. Arriscamos a dizer que dificilmente atingirá tanto sucesso nesta nova vertente da sua vida quanto conseguiu no futebol, mas a julgar pela sua tenacidade e vontade de triunfar, será certamente bem sucedido – e sem lancinantes dores físicas, o que por si só já constituirá uma enorme vitória.

Muitos parabéns, Cha Cha Cha!

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.