Farense e Boavista: caminhos desavindos desde as “deserções” de 94/95

434050082_655592790013103_9122191605316752561_n(Raúl Barbosa, Sérgio Duarte e Miguel Serôdio trocaram o Farense pelo Boavista no Verão de 1995, mas apenas o brasileiro se deu bem no Bessa.)

A Jornada 28 do campeonato português inicia-se esta noite no Algarve, com o Farense a receber o Boavista no mítico Estádio São Luís, 4 dias depois de celebrar 114 anos de existência. Frente a frente estarão 2 emblemas históricos do futebol nacional, cada um nas respectivas dimensões, e com um episódio que os une (e divide) de forma indelével há quase 30 anos.

Em 94/95, os Leões de Faro viveram a melhor época da sua História, coroada com um inédito 5º lugar no campeonato nacional – e com o lendário Hassan a conquistar o troféu de melhor marcador da prova (21 golos). A memorável campanha dos homens às ordens do inesquecível Paco Fortes, porém, não significou um amenizar dos problemas financeiros que assolaram o clube algarvio em toda a década de 90 – e que se viriam a agudizar ainda mais com o virar do século/milénio, com as consequências que se conhecem.

BoavistaFarense2324(Robert Bozeník tenta fugir à marcação de Zach Muscat durante o Boavista 1-3 Farense jogado a 12 de Novembro do ano passado.)

O flagelo dos salários em atraso, uma constante nessa década, acabou por ter efeitos directos no seio do plantel. A apenas 3 jornadas do fim do campeonato, e não obstante a luta pelo sonho de terminar num lugar europeu, 4 dos titulares indiscutíveis desse Farense decidiram rescindir com justa causa… e 3 dos quais seguiram directamente para o Boavista: o lateral-direito Raul Barbosa, o central Miguel Serôdio e o médio defensivo Sérgio Duarte; Hugo, outra das peças-chave do meio-campo, rumou à União de Leiria, logo depois de fazer o golo que abriu o triunfo caseiro por 3-0 sobre o Vitória SC na Jornada 31 – o último jogo do quarteto no clube algarvio.

Contra todas as previsões, o Farense viria a vencer 2 dos 3 jogos que faltavam (4-0 ao Marítimo e 2-0 ao Estrela da Amadora, com uma derrota por 1-0 no reduto do Belenenses pelo meio) e garantir assim o tão desejado 5º posto. Nessa época, apesar do incomparavelmente superior fulgor financeiro, o Boavista terminou num modesto 10º lugar, precipitando uma mini-revolução no plantel que passava também pelos reforços conseguidos a custo zero provenientes de Faro.

farense9495(Onze utilizado por Paco Fortes em 94/95, no qual constam os 4 futebolistas que saíram ainda antes do fim da temporada. Em cima, da esquerda para a direita: Portela, Rufai, Sérgio Duarte, Hassan, Miguel Serôdio e King; em baixo, pela mesma ordem: Helcinho, Raúl Barbosa, Paulo Pilar, Hugo e Paixão.)

E de facto, em 95/96 inverteram-se mesmo os papéis. Os Axadrezados acabaram a época num 4º lugar muito mais consentâneo com as suas prestações nas temporadas anteriores, enquanto que o Farense ficou em 10º, mas com apenas três pontos de vantagem sobre o 16º (primeiro despromovido). Não se pode dizer, porém, que a boa prestação do Boavista se tenha devido em grande parte aos ex-jogadores do Farense: se Sérgio Duarte foi de facto um reforço na verdadeira acepção da palavra (33 jogos, 5 golos), o mesmo não se pode dizer de Raul Barbosa (apenas 14 jogos, e só 5 como titular) e Miguel Serôdio (19 jogos, 13 como titular).

Os 2 últimos, de resto, viriam a voltar ao Farense logo na temporada seguinte: Raul Barbosa chegou logo no início, somando 22 partidas (e 1 golo), enquanto Miguel Serôdio foi reforço de inverno, depois de uma experiência infrutífera nos espanhóis do Salamanca, cumprindo 17 partidas no que faltava jogar da temporada. O lateral-direito internacional por Angola viria a sair definitivamente no verão de 1997, representando depois Felgueiras, União da Madeira e Santa Clara, onde se viria a retirar com apenas 27 anos devido a problemas físicos, enquanto o central natural de Albufeira (hoje treinador do renascido Olhanense, a lutar pela subida na segunda divisão distrital do Algarve) faria mais 3 temporadas em Faro, jogando ainda no Imortal, Padernense e Guia.

talocha(A cumprir a segunda temporada consecutiva no Farense, Talocha representou o Boavista entre 2016 e 2019, sendo o único jogador dos atuais plantéis que já vestiu a camisola de ambos os clubes.)

Sérgio Duarte, por seu lado, cumpriu mais uma época a bom nível no Bessa, mudando-se depois para o futebol escocês, onde representou Dunfermline e Hibernian. Já prestes a completar 33 anos, regressou a Portugal pela porta do União de Lamas, então na II Liga, jogando ainda no Vizela, na Ovarense e no Vilanovense antes de voltar ao Brasil para encerrar a carreira no Manaus, do seu estado-natal Amazonas, já com 40 primaveras. Já Hugo jogou na I Liga por União de Leiria e Beira-Mar, representando ainda Salgueiros, Louletano, Beira-Mar de Monte Gordo, Lusitano VRSA e Sambrasense antes de pendurar as botas com 35 anos.

Na época em curso, a diferença entre os dois clubes é quase residual: apenas 2 pontos separam Boavista, 10º classificado, de Farense, 13º. Curiosamente, e contrariando uma tendência quase secular do clube, os algarvios venceram fora na primeira mão: 1-3, com 2 golaços de Fabrício Isidoro e de Rafael Barbosa já nos descontos após Bozenik ter empatado aos 86 minutos (Elves Baldé tinha aberto o marcador aos 28).

ricardovelho(Ricardo Velho tem-se afirmado como um dos melhores guarda-redes da I Liga, ajudando o Farense a realizar uma época tranquila e conquistando vários prémios de melhor em campo.)

No lote de jogadores que mais têm dado nas vistas nos dois clubes, destacam-se os dois guarda-redes, ambos portugueses e de tenra idade. João Gonçalves, de 23 anos, é internacional sub-21 por Portugal desde 2021 e ganhou esta época a titularidade indiscutível no Boavista, aproveitando da melhor forma o adeus de Bracali aos relvados e também a lesão grave de César, o habitual suplente na temporada passada. Já Ricardo Velho (25 anos) foi paulatinamente ganhando o lugar a Rafael Defendi em 2022/23, acabando a época já como o guarda-redes titular na subida de divisão, e manteve o estatuto na I Liga, mesmo com a concorrência do reforço Luiz Felipe, tendo vindo a cotar-se indiscutivelmente como um dos melhores guarda-redes do campeonato – certamente o segundo melhor português, só atrás de Diogo Costa, “apenas” o titular da selecção nacional, tendo já sido eleito o Melhor Guarda-redes do Mês por duas ocasiões (Dezembro e Fevereiro) e 9 vezes Melhor em Campo.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.

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