Fabián O’Neill: o Best uruguaio teve o mesmo fim do original

oneilljuventus(A Juventus foi o principal clube que Fabián O’Neill representou, mas a experiência em Turim ficou longe de ser positiva para o uruguaio.)

É por demais conhecida, por entre os verdadeiros fãs de futebol, a história de vida de George Best, o “Quinto Beatle”, unanimemente considerado o melhor jogador norte-irlandês de sempre e uma das maiores figuras da História do Manchester United, que nunca levou a carreira de futebolista verdadeiramente a sério e que, por consequência do estilo de vida errático e despreocupado, acabaria por falecer aos 59 anos vítima de insuficiência renal. O que poucos recordariam até há um par de dias era o uruguaio, menos famoso mas, dizem (entre eles, um tal de Zinedine Zidane), talvez igualmente talentoso, que infelizmente teve o mesmo fim, e 10 anos mais novo: Fabián O’Neill.

O’Neill, apelido proveniente do avô… irlandês, começou a dar nas vistas no Nacional de Montevideu, sagrando-se campeão nacional logo aos 18 anos, na primeira época no futebol sénior. Médio de apuradíssima craveira técnica, que lhe valeu a alcunha de “El Mago”, rumou à Serie A a meio da temporada 95/96, numa altura em que o campeonato italiano era indiscutivelmente o melhor do mundo, e depressa se estabeleceu como figura do Cagliari, que representaria durante 5 épocas – na última das quais fez uma jogada que ficou célebre até hoje, na qual efectuou três túneis (ou cuecas) a… Gattuso, que então alinhava na Salernitana.

oneilluruguai(Pela principal Seleção Uruguaia, o médio fez somente 19 internacionalizações.) 

Ao todo, foram 136 partidas e 16 golos pelo clube da Sardenha, onde chegou a capitão e se tornou ídolo – estatuto que mantém ainda hoje, apesar de mais tarde ter reconhecido que chegou a participar em esquemas de resultados combinados “mas nunca para a equipa perder”, salientou. “O meu melhor momento foi no Cagliari. Apesar da tristeza quando descemos, eu parava na praia e os adeptos chamavam-me ‘bêbado’. No ano seguinte, quando subimos, esses mesmos adeptos pagavam-me bebidas!”, contava há poucos anos.

Os belíssimos desempenhos, apesar da descida de divisão dos Rossoblú no fim de 99/00, proporcionaram a ida para a Juventus nesse verão, onde integraria um plantel recheado de estrelas – a maior das quais um concorrente directo para a sua posição, então já com estatuto de campeão mundial e europeu chamado Zinedine Zidane. O mesmo que mais tarde diria que o futebolista com mais talento com quem jogou na sua carreira foi… Fabián O’Neill. Foram, de resto, colegas apenas nessa temporada, e nem ganharam qualquer troféu juntos – o médio uruguaio seria campeão italiano, sim, mas só na época seguinte, na qual Zidane já se encontrava no Real Madrid, e fruto de apenas 4 aparições na primeira metade da temporada, antes de sair para o Perugia.

No fim da época regressou ao Cagliari, que ainda se encontrava no segundo escalão do futebol transalpino, mas nem sequer chegou a jogar, voltando em Janeiro de 2003 para o Nacional. Apenas 9 jogos e 2 golos depois, deixou o clube e refugiou-se numa fazenda em Paso de los Toros, povoação a 250 quilómetros de Montevideo. Ainda nem sequer tinha 30 anos completados por essa altura – e pouco mais de um ano antes, por exemplo, havia estado com a selecção nacional no Mundial da Coreia do Sul e do Japão, ainda que não tenha sido utilizado, devido a lesão. Somou apenas 19 internacionalizações (e 2 golos), disputando a Copa América em 1993 – a sua primeira internacionalização A, de resto, surgiu nessa competição; antes, no Mundial de sub-20 em 1993, tinha feito 4 jogos e 2 golos… ambos frente a Portugal, numa vitória uruguaia por 2-1 na fase de grupos.

oneillnacional(Foi no Nacional de Montevideu que O’Neill iniciou e terminou a carreira.)

Isto foi uma breve descrição da sua carreira; se atentarmos ao período prévio, porém, talvez se consiga perceber melhor o pós. Criado por uma avó, com a qual partilhou cama até aos 14 anos, já trabalhava aos 9, vendendo salsichas à porta de um… bordel. A dependência do álcool começou por essa altura e nunca mais o abandonou, apesar das inúmeras tentativas de reabilitação; as várias tentativas de negócios deram todas para o torto, o vício do jogo e os casos mais ou menos fugazes com mulheres mais ou menos interessadas nele (e na sua conta bancária) levaram o resto.

“Cavalos lentos, mulheres rápidas e apostas: não ficou nada. Cheguei a ter 14 milhões de dólares na conta; hoje não tenho nada, nem o contador da luz em casa”, contava em 2017 ao jornal uruguaio “Ovación”, explicando passar os seus dias no bar La Nueva Lata e na banca de frutas que ficava ao lado, a beber o seu whisky e a ajudar os donos dos estabelecimentos quando necessário. “Não quero que me façam trabalhar muito, eu não gosto muito de trabalhar. Gostaria de descobrir jogadores, conheço gente em todos os países, mas não é fácil de me recomendarem. Gostaria de trabalhar com isso e nada mais. Não quero ser comentador na televisão, nada de fato e gravata. Eu gosto de andar assim, de chinelos. Quando era capitão do Cagliari, às vezes tinha de colocar roupa social por obrigação. Sabia ser capitão, sei ter responsabilidades. A vida fez-me assim, rebelde e orgulhoso”, dizia então.

oneillcagliari(O’Neill teve duas passagens pelo Cagliari e destacou-se no emblema da Sardenha.)

Por essa altura, Fabián O’Neill vivia com a sogra, a esposa e o filho Favio (tinha mais duas filhas de casamentos anteriores), e dizia-se mais feliz sem nada do que nos tempos de conta bancária gorda. Já tinha voltado a ter um relance da vida boa quando em 2013 viu publicada a sua biografia, intitulada “Hasta la última gota” – na qual se conta, entre muitas outras histórias do género, a rábula do dia em que, numa manhã após noite inteira em claro a beber, foi a um leilão de gado e comprou 1104 vacas por 250 mil dólares… O livro foi um sucesso de vendas no Uruguai – e até mesmo Zidane chegou a ser fotografado a segurar um exemplar –, mas não fez grande coisa à vida do antigo futebolista, que em Junho de 2016 teve de ser operado à vesícula biliar.

Na altura, os médicos alertaram-no para ficar três anos sem beber álcool; não aguentou mais de um mês. “Agora não me dói nada. Por fora pareço um carro para vender, que não se sabe se tem motor ou bateria”, dizia entre risos, garantindo preferir este estilo de vida ao do glamour dos tempos de jogador. “Não me incomoda ser pobre, não me custa. Tendo dinheiro para beber e que meus filhos estejam bem, está bom. Que meus filhos tenham saúde é uma fortuna para mim. Depois, se como arroz com ovo, está bom. Quando era jogador apostava mais, porque tinha mais dinheiro. Agora não posso, não tenho nada”, apontava nessa mesma entrevista.

zidanelivro(Zinedine Zidane foi um dos mais ilustres futebolistas que adquiriu o livro do ex-colega.)

E completava: “Os amigos do passado hoje não existem. Sou feliz igual, porque há gente nova, que está comigo quando não tenho nada. Hoje paro aqui no bar com um grupo e ajudamo-nos uns aos outros. Às vezes tenho mil pesos, às vezes eles têm. E o senhor do posto dá-me para que leve comida para casa. É melhor estar assim que ter dinheiro. Tive muito dinheiro e milhões de amigos. Hoje só tenho 10 ou 12, boémios como eu, mas são os que me ajudam. Quero continuar assim, não quero estar do lado dos ricos. Nunca quis, o rico era eu. Por sorte, ficaram alguns princípios. Pouquinhos, mas ficaram. Em Paso de los Toros, ficaram alguns princípios. Gente que vê que eu estou mal e me estende a mão”.

Em Dezembro de 2020, o jornal “El Pais” dava conta de “um novo Fabián O’Neill”, revelando que o antigo médio já não bebia álcool há seis meses, depois de (mais) um susto a nível de saúde: uma cirrose. “Desta vez vi a coisa feia. Estive perto de morrer, os neurónios estavam a queimar-se”, admitia então, revelando que os médicos lhe pediram para ficar sóbrio durante um ano, de modo a poder candidatar-se a um transplante de fígado e assim poder sonhar com uma vida longa e saudável. Por essa altura tinha arranjado o seu trabalho de sonho: captação de talentos para o grupo Casal, detido pelo afamado empresário uruguaio Paco Casal, que o acompanhou durante toda a carreira.

oneill-1405x1732-e1672004529176-758x490(Uma imagem que não precisa de qualquer tipo de legenda…)

A redenção acabou por chegar tarde, infelizmente. Na passada sexta-feira, véspera de Natal, Fabián O’Neill foi internado no hospital com quadro hepático grave; no dia seguinte, dia de Natal, seria declarado o seu falecimento. Tinha 49 anos completados em Outubro. “Orgulhosos de ter podido admirar de perto o teu génio: puro, cristalino, como os diamantes mais preciosos. Fizeste-nos enamorar-nos da tua classe, Cagliari nunca deixou de amar o seu Mago com a 10 nas costas. Descansa em paz, Fabián. Para sempre um de nós”, podia ler-se na mensagem publicada nas redes sociais pelo emblema da Sardenha, sendo que também o Nacional e a Juventus recordaram o antigo jogador, bem como antigos colegas e amigos – entre os quais Luis Aguiar, médio que passou por Portugal (FC Porto, Estrela da Amadora, Académica, Braga e Sporting) e que reservou palavras bem duras para com muita gente do seu país: “Perdemos o MELHOR JOGADOR DE TODOS!! Não me venham com grandes figuras. Foi e será eternamente o jogador mais completo de todos os tempos, não existe nenhum como ele na história do futebol uruguaio e jamais haverá. Deste de comer a todo um povo e riram-se tanto de ti. Roubaram-te tudo, saquearam-te e chamaram-te bêbado toda a vida. Fabián querido, descansa em paz que agora de certeza que esta cambada de fdp que há no Uruguai já não terá sobre o que falar. Oxalá não chorem todos os nojentos que te pediam trabalho e comida e gozaram contigo durante anos.”

“Que estejas em paz, papá. Já há algum tempo que tinhas perdido a chispa, a alegria e a tua essência única. Cada vez te via mais triste, mais doente, com os olhinhos perdidos, o olhar caído, o teu físico que sempre foi tão forte cada vez mais débil e deteriorado. Doeu-me escutar-te algumas vezes dizer ‘Não quero viver mais’ nas tuas poucas horas de sobriedade. O mais importante: juro-te que te perdoo, papá. Orgulha-me o quão querido e amado és por toda a gente. Vamos recordar sempre a tua bondade e generosidade, a humildade que te saía dos poros, o teu desapego ao dinheiro, a tua luz e o teu talento. Amo-te para sempre e agora sei que não é só até à morte, como me dizias, mas muito mais”, escreveu a filha Marina nas redes sociais.

oneillperugia(O’Neill teve uma curta passagem pelo Perugia em 2002.)

“Perguntavam-me: ‘E bebias quando estavas na Juventus?’ E eu respondia: ‘Se bebo pobre, não ia beber quando tinha dinheiro?” E foi isso que aconteceu: bebendo, saindo à noite, começaram as lesões. O treino era às 9:30, o Nedved acordava às 5:30, ia correr, chegava às 7:30, a mulher à espera dele com o pequeno-almoço feito, comia, tomava banho e ia treinar. Quando ele saía de casa para ir correr, estava eu a deitar-me. Por mais que estivesse a 200 por cento, nunca iria chegar ao nível dele.” A descrição é feita pelo próprio Fabián O’Neill e não podia espelhar melhor a sua vida.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.

Bruno Alves: chegou a hora do adeus para o mais romântico dos duros

brunofcp(O FC Porto foi o clube onde Bruno Alves mais se notabilizou.)

Foi, seguramente, um dos mais controversos futebolistas portugueses das últimas duas décadas. Uma figura impossível de gerar consensos, acima de tudo pela impetuosidade com que abordava cada lance no exercício da sua função – mais até do que propriamente por posturas menos correctas extra-jogo, que raramente existiram, muito menos nas fases de maior maturidade e sucesso. É, ainda assim, absolutamente impossível negar que a carreira de Bruno Alves foi recheada disso mesmo: de sucesso. Aos 40 anos, o central nascido na Póvoa de Varzim no “já longínquo” ano de 1981 decidiu pendurar as botas, num anúncio que andou a adiar o mais possível (e que porventura até terá chegado já com um ano de atraso) pelo simples motivo de que são feitas as histórias de amor: a paixão arrebatadora pela prática do que é tão justamente denominado de desporto-rei.

O processo formativo foi quase integralmente feito no clube da terra, o histórico Varzim, onde o seu pai, Washington, havia actuado durante cinco temporadas enquanto atleta (curiosamente também central) e onde se estabeleceu posteriormente. Bruno Alves, de resto, herdou muitas das características do progenitor: além da posição, destacam-se o posicionamento, a capacidade de antecipação e a impetuosidade e virilidade, muitas vezes a passar os limites do aceitável. No segundo ano de júnior (99/00) mudou-se para o Porto, onde viria a dividir a temporada entre os juniores e a equipa B dos Dragões, então a disputar a II Divisão B, numa altura em que a dupla titular dos meninos às ordens do icónico Bandeirinha era constituída por Tonel e Ricardo Costa.

Brunofarense(Foi pelo Farense que o central se estreou na I Liga corria a época 01/02.)

No primeiro ano de sénior, já sob o comando de Ilídio Vale (actual adjunto de Fernando Santos na selecção nacional), tornou-se indiscutível na equipa secundária dos azuis-e-brancos, com 36 partidas (todas como titular) e 6 golos, numa primeira demonstração de apetência goleadora que se viria a tornar também imagem de marca – nomeadamente na sequência de lances de bola parada. Tornava-se bastante óbvio que este era já um patamar competitivo bastante curto para o central poveiro – numa altura em que o irmão Geraldo, um ano mais velho, ia tendo oportunidades na equipa principal do Benfica, primeiro com José Mourinho ao leme e depois com Toni – e assim, em Janeiro de 2002, Bruno Alves chegou à I Liga pela via de um empréstimo ao Farense, na altura envolvido numa luta hercúlea pela permanência.

O objectivo dos Leões de Faro acabaria por não ser atingido, mas Bruno Alves pegou de estaca, somando 15 partidas (só uma a sair do banco). A cedência estendeu-se por mais uma temporada e em 2002/03 o central dos quadros do Porto tornou-se a referência defensiva de uma equipa teoricamente candidata óbvia à subida ao principal escalão, mas cujos graves problemas financeiros levaram a um modesto 12º posto final. Por esta altura o Porto voava sob o comando de José Mourinho e nomes como Jorge Costa, Ricardo Carvalho, Pedro Emanuel ou mesmo Ricardo Costa eram absolutamente incontornáveis; ainda assim, os Dragões continuavam a acreditar no potencial de Bruno Alves e por isso mantiveram-no nos seus quadros nas duas temporadas seguintes, cedendo-o a Vitória SC (onde foi treinado por Jorge Jesus e Augusto Inácio) e AEK de Atenas (tendo como treinador Fernando Santos).

brunozenit(Contratado pelo Zenit no Verão de 2010, Bruno Alves foi duas vezes Campeão na Rússia.)

2005/06 surgiu então como o ano do tira-teimas na carreira do defesa poveiro. Já sem Ricardo Carvalho e com Jorge Costa a não contar para Co Adriaanse, Bruno Alves foi integrado no plantel, juntando-se a um lote constituído por Pedro Emanuel, Pepe e Ricardo Costa, e de forma surpreendente ganhou a titularidade a partir da jornada 4. Perderia, porém, o estatuto pouco depois, mercê da exibição muito pouco conseguida na derrota caseira consentida perante o Benfica (0-2), com o ponto mais baixo a ocorrer ao minuto 81, quando agrediu Nuno Gomes com uma cabeçada; daí até ao fim da temporada foi utilizado apenas de forma residual (chegando inclusivamente a actuar pela equipa B numa ocasião), e apesar de acabar a época a festejar a conquista da dobradinha, tudo levava a crer que não continuaria no clube para a temporada seguinte.

Seria, provavelmente, esse o cenário caso Co Adriaanse tivesse permanecido no comando técnico do Porto. Tal, porém, não aconteceu, como se sabe: o holandês entrou em divergências com a estrutura dirigente dos Dragões durante a pré-temporada e não chegaria a iniciar a nova época, sendo substituído por Jesualdo Ferreira – uma mudança que acabou por salvar a carreira de Bruno Alves. Isso e o infortúnio de Pedro Emanuel, na altura capitão de equipa e cuja lesão sofrida na pré-época o afastou dos relvados durante toda a temporada 2006/07. Bruno Alves chegou-se então à frente, ultrapassando Ricardo Costa na hierarquia, e viria a formar uma dupla férrea com Pepe que se revelou determinante para o bicampeonato dos Dragões, registando 36 jogos (todos como titular) e 2 golos.

BrunoParma(O Parma foi a casa de Bruno Alves durante três anos – 2018 a 2021.)

Tinha assim início “oficial”, digamos assim, a história de sucesso de Bruno Alves no Dragão. Em 2007/08, já sem Pepe ao lado (entretanto transferido para o Real Madrid) e numa defesa que foi oscilando até Pedro Emanuel se restabelecer em pleno (as apostas no sérvio Stepanov e no luso João Paulo não tiveram os resultados pretendidos), o poveiro assumiu-se como a grande referência do sector mais recuado dos portistas, somando 38 partidas efectuadas (sempre como opção inicial) e 2 golos apontados no que seria o segundo tricampeonato da História para os azuis-e-brancos. Um estatuto que ainda reforçou na época seguinte, no que se viria a revelar o segundo tetracampeonato de sempre do Porto, com 46 jogos (todos como titular) e 6 golos, dois dos quais icónicos – o que valeu a vitória por 2-1 em Alvalade, na ronda 5, e o que inaugurou o marcador no 2-0 caseiro ante o Arsenal, para a Liga dos Campeões, permitindo aos Dragões ultrapassar os Gunners e terminar no primeiro lugar do grupo G –, sendo eleito o Melhor Jogador do campeonato.

Nesta época, finalizada também ela com dobradinha, Bruno Alves fez dupla com Rolando, reforço proveniente do Belenenses. E assim se manteve em 2009/10, temporada menos bem sucedida a nível colectivo, apesar dos 43 jogos e 7 golos do aqui já capitão portista, na sequência do adeus aos relvados de Pedro Emanuel; o central até ergueu a Supertaça (com um golo seu no 2-0 ao Paços de Ferreira) no início da temporada e a Taça de Portugal no fim, mas a perda do que seria o pentacampeonato para o Benfica – já depois da derrota na final da Taça da Liga ante o mesmo adversário por claros 3-0, num jogo em que Bruno Alves não conseguiu disfarçar a frustração, protagonizando algumas entradas duríssimas que por milagre não foram sequer sancionadas com cartão amarelo – constituiu um golpe difícil de encaixar para um jogador que desde sempre demonstrou ser um verdadeiro animal competitivo.

brunofener(Em três épocas na Turquia, o poveiro venceu uma Liga e uma Supertaça pelo Fenerbahçe.)

A fase final da temporada dava ares de despedida, e esse cenário revelou-se mesmo real poucas semanas depois, com o anúncio da transferência para o Zenit a troco de 22 milhões de euros. Na Rússia, e tendo inicialmente o compatriota Fernando Meira como parceiro no centro da defesa, Bruno Alves afirmou-se de imediato e conquistou dois campeonatos, uma Taça e uma Supertaça em três temporadas; findo esse período, e após uma época sem troféus (2012/13), decidiu voltar a mudar de ares e rumou ao Fenerbahçe, onde se sagraria campeão logo na primeira época, conquistando depois também a Supertaça no terceiro país diferente.

Em 2015/16 manteve-se como titular absoluto no emblema de Istambul, aí sob o comando de Vítor Pereira, mas após uma temporada sem qualquer troféu conquistado optou por correr em busca de novos desafios e aceitou a oferta do Cagliari, chegando assim à Serie A prestes a celebrar 35 anos. O contrato era válido por duas temporadas, mas no fim da primeira (em que foi titularíssimo e chegou até a envergar a braçadeira de capitão, contribuindo para um tranquilo 11º posto final) Bruno Alves chegou a acordo para a rescisão, seduzido por um projecto mais aliciante a nível de luta por troféus: o ressuscitado Rangers, que em 2017/18 iria ser treinado por Pedro Caixinha e acalentava o sonho de voltar a ser campeão na Escócia, ultrapassada a crise financeira que quase obrigou o histórico emblema a fechar portas.

Os planos, porém, acabaram por sair furados: mercê de um início muito pouco animador, que incluiu a eliminação humilhante logo na primeira pré-eliminatória de acesso à fase de grupos da Liga Europa ante os luxemburgueses do Progrès Niederkorn, Caixinha foi despedido numa altura muito precoce da temporada e os reforços portugueses (além de Bruno Alves, haviam chegado a Glasgow também Fábio Cardoso e Dálcio Gomes) perderam espaço. O central mais cotado ainda foi o mais utilizado (25 partidas, 21 das quais de início), mas o falhanço também a nível colectivo (apenas terceiro classificado) e o cartel que havia deixado em Itália levaram Bruno Alves a regressar à Serie A em 2018/19, desta feita para representar outro histórico renascido das cinzas: o Parma, recém-regressado ao principal escalão do futebol transalpino.

brunoapollon(O Apollon Smyrnis foi o último clube da carreira de Bruno Alves.)

Titular indiscutível nas primeiras duas épocas (e com 4 golos na primeira), nas quais o Parma assegurou a permanência com relativa tranquilidade, e sendo já capitão de equipa, Bruno Alves acabou por perder influência na terceira, fazendo 19 jogos (e só 3 nos últimos 3 meses de competição) e não conseguindo evitar o último lugar e consequente despromoção à Serie B. Muito perto dos 40 anos e finda a ligação contratual aos parmesãos, acabaria por declinar a proposta do Porto para ingressar na equipa B e ser a já tradicional figura experiente no meio dos jovens que integram o plantel do conjunto que compete na II Liga, rumando antes ao Famalicão, emblema que o seu pai havia representado quase 40 anos antes.

O desejado regresso ao futebol português, todavia, revelou-se muito curto. Três semanas depois de ser oficializado no conjunto minhoto, Bruno Alves anunciou estar livre após rescindir com o clube, alegadamente devido a divergências com o treinador Ivo Vieira, e um mês e meio depois seria notícia a sua assinatura com o modesto Apollon Smyrnis, da Grécia. “O Cristiano Ronaldo disse-me: ‘Tens de continuar a jogar. Cuidas de ti e estás em boa forma. Sei o quanto gostas de futebol, por isso não desistas’. Mudou a minha decisão. Se o melhor do mundo diz para continuar, então é porque posso realmente continuar”, disse então o central.

ronaldobruno(Cristiano Ronaldo serviu de inspiração ao colega para continuar a carreira.)

Pois bem: tal como a decisão do próprio em regressar ao Manchester United, também aqui a opinião do CR7 se revelou pouco acertada. Bruno Alves encontrou um plantel do Smyrnis fraquíssimo, que nem a contratação no mercado de inverno de um ou outro jogador com mais qualidade amenizou (entre os quais Manuel Fernandes), e foi sem surpresa que se deu a descida de divisão, com o último lugar na fase regular e depois também na fase de permanência, com 19 partidas para o central poveiro. O contrato que ligava as duas partes contemplava uma época mais outra de opção, mas Bruno Alves decidiu mesmo pendurar as chuteiras, anunciando o adeus oficialmente nas redes sociais no passado domingo; passados dois dias, foi agora oficializado como novo director-desportivo do AEK de Atenas, num regresso após 18 anos que marca assim o início de uma nova carreira.

Falta apenas falar do percurso (recheado de méritos) nas selecções nacionais. Internacional a partir dos sub-20 (2001), venceu o Torneio de Toulon logo nesse ano, alinhando depois nos Europeus de sub-21 em 2002 e 2004 e nos Jogos Olímpicos do mesmo ano, de má memória para as cores nacionais. A estreia pela selecção A chegou em Junho de 2007, num particular diante do Kuwait no fim da primeira época como titular indiscutível do Porto, e a partir daí não mais sairia das contas dos seleccionadores: suplente de Pepe e Ricardo Carvalho no Euro 2008, ganhou a titularidade no decorrer do apuramento para o Mundial 2010, beneficiando também da grave lesão sofrida por Pepe nesse período, e foi dele, já nos descontos, o golo que garantiu a vitória a Portugal na visita à Albânia que permitiu à equipa das quinas, na altura orientada por Carlos Queiroz, garantir o apuramento para o play-off, com outro golo seu a garantir a vitória caseira sobre a Bósnia na primeira mão.

brunoalvespt(Só pela Seleção A, Bruno Alves fez 96 jogos – 11 golos – e venceu o Euro 2016.)

Opção inicial na prova africana ao lado de Ricardo Carvalho, manteve-se nessa condição com Paulo Bento no Euro 2012 (onde falhou uma grande penalidade no desempate diante de Espanha nas meias-finais) e no Mundial 2014, numa reeditada dupla com Pepe. Com a veterania já a fazer-se sentir, continuou a ser opção para Fernando Santos mas já com estatuto de suplente – foi assim que se apresentou no Euro 2016, sendo notícia pela expulsão no particular realizado com Inglaterra na preparação para a prova, após entrada duríssima sobre Harry Kane, da qual se redimiria com uma belíssima exibição ao lado de José Fonte na meia-final diante do País de Gales, no único jogo que disputou na prova, actuando no lugar do lesionado Pepe. Titular em 3 dos 5 jogos realizados pela selecção nacional na Taça das Confederações em 2017, na qual Portugal conquistou a medalha de bronze, seria ainda convocado para o Mundial da Rússia no verão seguinte, onde já não somou qualquer minuto; a última das 96 internacionalizações (com 11 golos apontados, que fazem dele o defesa mais goleador da História da selecção nacional), de resto, deu-se a 7 de Junho desse ano, no particular com a Argélia (3-0) prévio à participação na prova.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.

João Pedro: aproveitar as segundas oportunidades com Portugal pelo meio

joaopedrogalvao(João Pedro chegou ao Cagliari em Agosto de 2014.)

João Pedro Galvão foi uma das grandes novidades na convocatória de Roberto Mancini para o play-off de acesso ao Mundial deste ano: o jogador do Cagliari, que já tinha sido chamado em Janeiro, pode assim estrear-se pela “Squadra Azzurra” diante da Macedónia do Norte na próxima quinta-feira.
A cumprir a oitava temporada consecutiva ao serviço do Cagliari, João Pedro, convém recordar, teve duas passagens distintas por Portugal, e a segunda, com a camisola do Estoril, abriu-lhe, em definitivo, as portas do futebol italiano, local onde já tinha tentado a sua sorte justamente antes de se mudar para o nosso País pela primeira vez.
Formado no Atlético Mineiro, o avançado, que este mês celebrou o 30º aniversário, sempre foi uma das grandes promessas da formação do “Galo”, chegou cedo à equipa principal pela mão do consagrado técnico Vanderlei Luxemburgo, e em 2010, com apenas 18 anos, foi vendido ao Palermo, por quem fez quatro jogos pela primeira equipa – três na Liga Europa.
A meio de 10/11, foi emprestado ao Vitória SC, mas a experiência em Guimarães não foi, de todo, positiva: titular numa receção ao Sporting, seria substituído ainda antes da meia hora de jogo, não gostou e pontapeou uma bola na direção do banco vimaranense. Não mais vestiu a camisola do clube e a sua história de preto e branco resume-se a seis jogos.
Posteriormente, representou Peñarol e Santos, e em 2013 voltou a Portugal, agora para jogar no Estoril: sob o comando de Marco Silva, apontou nove golos em quarenta e dois jogos e contribuiu para a fantástica época dos “canarinhos”, que fecharam a Liga 13/14 no 4º lugar.
Na temporada seguinte, o agora italo-brasileiro ainda fez os três primeiros jogos (e marcou um golo) do Campeonato pelos estorilistas, mas acabou por ser vendido ao Cagliari nos últimos dias do “Mercado de Verão”, por um valor superior a um milhão de euros, isto depois de até se ter especulado a mudança para um clube português de maior dimensão.
Daí para cá, João Pedro Galvão assumiu-se como referência e ídolo do Cagliari, por quem já festejou a conquista da Serie B em 15/16, e no início deste ano recebeu a notícia que tanto esperava: a autorização da FIFA para representar a Itália, dado que somou várias internacionalizações pelas Seleções jovens do Brasil, tendo mesmo disputado o Mundial Sub-17 em 2009.
Olhando para o percurso de João Pedro, podemos dizer que a vida lhe deu sempre uma segunda oportunidade e ele não a desaproveitou: não se destacou no Palermo, mas fá-lo no Cagliari; não deixou saudades em Guimarães, mas deixou marca no Estoril; não chegou à Seleção A brasileira, mas está prestes a jogar pela italiana.