Miguel Silva: “Aqui todos gostam de mim, mesmo os adeptos dos outros clubes”

miguelbeitar(Miguel Silva mudou-se para o Beitar Jerusalém em Janeiro deste ano.)

Há praticamente um ano, Miguel Silva rumou ao Beitar Jerusalém com o objetivo de voltar a jogar com regularidade e essa aposta revelou-se certeira: contratado em Janeiro, o guarda-redes rapidamente assumiu a titularidade e foi a tempo de ajudar a sua equipa a conquistar a Taça de Israel, naquele que é também o primeiro título da sua carreira enquanto profissional.
Revelado ao mais alto nível pelo Vitória SC, o futebolista natural de Prazins (Santa Eufémia), freguesia pertencente ao concelho de Guimarães, acabou por não ser uma aposta contínua nos vimaranenses, e, por isso, aceitou aventurar-se no estrangeiro pela primeira vez em 20/21, ao serviço dos cipriotas do APOEL, voltando depois a Portugal para representar o Marítimo.
Atualmente com 28 anos, Miguel Silva, que fez grande parte da formação no Vizela e foi internacional por Portugal nos Sub-21, assume nesta entrevista que a sua ambição passa por ter anos de estabilidade, confessando ainda que gostava de ser recordado em Guimarães e no Vitória como alguém que sempre deu tudo pelo clube:

À Bola pelo Mundo/Conversas Redondas: Depois de um início menos positivo, com a derrota na Supertaça, o afastamento logo na segunda pré-eliminatória da Liga Conferência e uma sucessão de três derrotas consecutivas, o Beitar voltou às vitórias. Quais os objectivos do clube para esta época?
Miguel Silva: Nós começámos com menos 4 pontos, e mesmo não querendo pensar muito, é óbvio que acaba por pesar um bocado. Olhas para a classificação, ganhas um jogo e não sais dali… Há sempre mais nervosismo no jogo, eu notava isso nos meus colegas, e acho que isso interferiu um bocadinho na nossa forma de lidar com o jogo. Entretanto aconteceu a situação da guerra, eles (os israelitas) ficaram aqui a treinar e a preparar o regresso para o campeonato, aspectos que precisávamos de melhorar. No primeiro jogo após a paragem fomos infelizes, tivemos várias oportunidades que não conseguimos concretizar [derrota por 1-0 com o Hapoel Petah Tikva], e a seguir foi o derby e uma vitória, que nos deu algum ânimo que estávamos a precisar [1-0 ao Hapoel Katamon]. Sente-se que a equipa está a melhorar aos poucos e acredito que vamos dar agora um pulinho. Os objectivos dependem de como correrem os jogos, mas o essencial é garantir a permanência. Se conseguirmos mais, óptimo. No fim fazem-se as contas.

Esse castigo deveu-se a quê?
Foi por causa dos adeptos terem invadido o relvado quando ganhámos a Taça na época passada. Agora jogamos à porta fechada em todos os jogos. Isso também é uma questão que interfere, nos primeiros jogos tivemos de jogar no estádio do Maccabi Tel-Aviv.

Chegaste a meio da época passada e conquistaste a titularidade de imediato, ganhaste a Taça, o primeiro troféu da tua carreira, e és desde o início muito acarinhado pelos adeptos. Como avalias esta experiência até agora?
Tem sido muito positivo. Eu cheguei dois dias antes do primeiro jogo, fiz um treino e joguei logo, as coisas não estavam a correr bem com o outro guarda-redes e eles acarinharam-me logo muito. Mesmo antes de ter viajado, quando fui anunciado pelo Beitar recebi logo muitas mensagens no Instagram, o pessoal todo a dizer “Welcome”, “Precisamos mesmo de ti”… Senti um carinho muito grande logo de início, e quis retribuir esse amor. Foi melhorando a cada jogo, e é óptimo sentir isso. E é engraçado porque aqui sinto que mesmo os adeptos dos outros clubes gostam de mim, já me aconteceu estar na praia ou assim e ser abordado por adeptos de outros clubes a dizer que eu era bom guarda-redes, e para ir para o clube deles (risos)! Em Portugal isto não é muito habitual. Israel acolheu-me muito bem, não só o Beitar: em todo o lado onde vou, sinto que as pessoas gostam de mim, e isso é óptimo.

(Lançado na equipa principal do Vitória por Sérgio Conceição, o atleta minhoto fez 91 jogos pelo clube do seu coração em 5 temporadas.)

É indissociável falar da guerra, que afectou a sociedade israelita em todos os aspectos – e o futebol não foi excepção, obviamente. Vocês previam que algo assim pudesse acontecer, ou foram completamente apanhados de surpresa?
Foi uma surpresa, completamente. Claro que toda a gente sabe dos riscos que há ao viver aqui, de vez em quando há uns ataques nas ruas, mas nunca nada como isto. Israel tem muita segurança e mesmo eles foram apanhados de surpresa. Desde que voltei, aqui em Jerusalém não se sente nada da guerra, faz-se a vida normal. Mas há sempre aquele receio… Eu falo por mim, porque para eles é mais normal! Como eles dizem, “Isto é a nossa realidade”, já estão habituados a viver com isto. Nós não, eu agora passo os meus dias praticamente fechado em casa, só vou ao treino e eventualmente ao supermercado comprar qualquer coisa, mas de resto não saio para mais lado nenhum, resguardo-me mais. Mas aqui não se sente nada da guerra, até porque há muitos árabes a viver em Jerusalém, praticamente nunca atiram nada para aqui. Tel-Aviv é mais atacado, o pessoal tem de ir para o bunker, toca mais a sirene lá.

Como foi o teu primeiro impacto com Israel? Surpreendeu-te de alguma forma ou nem por isso?
Surpreendeu-me, sim. Não estava à espera de encontrar o que encontrei. Quando recebi o primeiro contacto ainda fiquei na dúvida, mas desde que cheguei, tanto eu como a minha mulher gostamos muito de estar aqui. As pessoas são boas, muito carinhosas, fazem-te sentir bem-vindo. Nos supermercados não falam muito inglês, mas tenho-me conseguido desenrascar; quando não dá para falar, vamos lá por gestos (risos). É um pouco mais caro do que em Portugal mas tens qualidade de vida, bom tempo, só a partir de Janeiro é que faz um pouco de frio, agora ainda consigo andar de t-shirt. Praia boa, comida boa, não comem carne de porco mas há tudo o resto, também muito à base de saladas. Tenho muita pena do que estão a passar e era óptimo que houvesse paz um dia, porque Israel é um país muito bom para se viver. O mais diferente é o sabat, ao fim do dia de sexta-feira e ao sábado está tudo fechado, só voltam a abrir no domingo.

E a nível de futebol, já tinhas alguma ideia formada? Como o descreves?
Já tinha tido colegas a jogar cá, mas surpreendeu-me nalguns aspectos. Por exemplo em comparação com o Chipre, a liga aqui é mais competitiva, os estádios são melhores, bons relvados. Os adeptos são fantásticos em praticamente todos os clubes. Foi uma surpresa boa. O estilo de jogo é mais contra-ataque, não é tão táctico como o nosso em Portugal. O campeão aqui, na minha opinião, andaria pelo quinto, sexto lugar. Há equipas boas (o Maccabi Haifa ainda no ano passado esteve no grupo do Benfica na Liga dos Campeões), há muito bons jogadores, mas o nível de competitividade é diferente.

(As boas exibições no Vitória levaram o guarda-redes à Seleção de Sub-21.)

Como surgiu a possibilidade de ires para o Beitar?
As coisas no Marítimo não estavam a correr bem, quando chegou o José Gomes perdi o lugar, passei para terceiro guarda-redes e em Janeiro falei com o meu empresário para procurar outro clube. Surgiu uma equipa da Noruega e o Beitar. Da Noruega fiquei na dúvida, porque era muito frio, também por causa dos meus filhos, e o campeonato também decorre num período diferente do nosso… Do Beitar, tinha aquele receio por ser Israel. Estava na sala a falar com o meu empresário, a minha mulher tinha ido ao quarto e de repente desce as escadas e abana com a cabeça a dizer que sim (risos)! E eu, pronto, é porque ela sentiu alguma coisa, e disse ao meu empresário “Siga, é para arrancar!”

Já tinhas tido a experiência no Chipre, no APOEL. Como foi essa época?
Adorei o Chipre, adorei viver lá. Até estamos a pensar um dia voltar para lá. A época foi fraca, começou logo mal, perdemos nos play-offs da Liga Europa no último minuto com um golo de penalty [1-0 na Chéquia, frente ao Slovan Liberec]. Aí começaram logo a haver problemas com os pagamentos, a atrasar… Depois até Dezembro trocámos 3 vezes de treinador, em Janeiro deixaram de me pagar e depois, como eu tinha mais um ano de contrato, puseram-me a treinar à parte, sem receber… Fiz alguns jogos bons, mas foi uma época um bocado desafiante para a minha cabeça. Depois rescindi com eles, com o acordo que iam pagar por mês o que restava do meu contrato, e fui para o Marítimo. Pagaram-me o primeiro e depois deixaram de pagar! Fui para a FIFA e depois em Janeiro ficou encerrado porque eles queriam inscrever jogadores, e por isso tiveram de pagar tudo.

Alguma vez vos passou pela cabeça que o Marítimo podia descer de divisão?
Passou, porque não era um grupo unido, não havia nada a que nos pudéssemos agarrar, nós sentíamos isso. Não tínhamos ali um grupo que conseguisse virar as coisas. E depois, cada vez estávamos a afundar-nos mais no poço, e depois de estar ali é difícil sair, é difícil respirar. Mas é um clube que leva bastantes adeptos ao estádio, mesmo com as coisas a correr mal.

(Na época 20/21, Miguel Silva foi “dono” da baliza do APOEL – 25 jogos.)

Tu és natural de Guimarães, chegas ao Vitória no segundo ano de júnior e alcançaste a titularidade na equipa principal de forma “súbita” e inesperada. Como recordas essa fase inicial da tua carreira?
Na verdade sou de Prazins, Santa Eufémia. Perto das Taipas. Foi de facto muito inesperado, até na equipa B tinha feito ainda poucos jogos, o Miguel Oliveira já estava lá quando eu cheguei para os juniores, depois no ano seguinte estivemos juntos e ele fez os jogos todos. Depois no segundo ano [de equipa B] ele começou a jogar e depois comecei eu, as coisas correram bem e entretanto o Assis lesiona-se e eu fui treinar com a equipa principal. Fiz uma semana e meia de treinos, fui ao banco com o Nacional e no jogo seguinte, estamos no estágio e o Sérgio [Conceição] chama-me e diz que eu vou jogar, que a direcção me via como o futuro do clube, que para ele não importava eu ser miúdo ou não e ia-me dar a oportunidade. Olhando para trás, eu era um miúdo, sem experiência, claro que cometi os meus erros, acho que também faz parte. Sendo da cidade, custou-me bastante, porque é uma cidade onde o futebol corre nas veias, a qualquer sítio que ia abordavam-me, falavam-me de futebol… Um jovem, ainda sem experiência, as coisas entram na cabeça… Foram tempos muito complicados para mim. Se tivesse a maturidade que tenho hoje, seria totalmente diferente, mas também me ajudou no que sou hoje.

Travaste uma “luta” com um dos melhores guarda-redes do Vitória, o Douglas, e acabas por sair ao mesmo tempo em que ele terminou a carreira. Porque saíste nessa altura?
Acabei por querer mudar de ares, também porque arrumaram comigo, encostaram-me de tal maneira que não me sobrou mais nenhuma opção. São coisas do futebol. Quando tive a proposta do Chipre, já estava tudo praticamente fechado e ainda me obrigaram a viajar ao Algarve só para ir lá fazer o aquecimento ao Douglas, tomar banho e ficar na bancada a ver o jogo, em vez de me deixarem passar algum tempo com a minha família… Eu comecei essa época a jogar, depois com o Frankfurt [Liga Europa] lesionei-me num joelho, houve uma paragem de seleções e tentei recuperar ao máximo, porque íamos jogar com o Arsenal ao Emirates, era a oportunidade de uma vida. Fui a jogo e correu mal. Depois viajámos directamente para Lisboa, para ir jogar com o Sporting, e eu nem conseguia treinar, nem andar. Joguei com o Sporting, voltou a correr mal, e aí o Ivo Vieira tirou-me. Ainda voltei a jogar com o Frankfurt, mas depois passei para terceiro guarda-redes, o Jonathan recuperou de lesão. Depois quando fui falar com eles sobre a proposta do APOEL ainda tentaram renovar (risos)! Vi que era a altura de ir à minha vida.

Ainda és lembrado e acarinhado em Guimarães? Tens essa percepção?
Na verdade não. Eu em Portugal vivo nas Taipas, mas quando vou a Guimarães praticamente ninguém me diz nada. Eu sei que a minha passagem pelo Vitória não correu como todos gostávamos, mas é o meu clube, o meu clube do coração, e gostava que as pessoas recordassem que sempre tentei dar o máximo pelo clube e às vezes não é fácil lidar com todas as emoções. Mas acredito que dei o meu melhor, dei sempre o máximo, tentei passar aos novos jogadores, a quem vinha de fora, o que era o Vitória e o que aquilo significava para nós. A experiência não foi boa e acabei por sair pela porta pequena, infelizmente, mas gostava que as pessoas se recordassem também de mim de forma positiva. Mas senti o carinho quando fui lá jogar pelo Marítimo, as pessoas aplaudiram-me quando entrei em campo.

(A experiência no Marítimo não correu como o guardião desejava.)

Durante esses anos de Vitória, foram incontáveis as vezes em que foste associado a Sporting e Benfica. Houve algum fundo de verdade nessas notícias, ou nem por isso?
Que eu saiba, o Benfica esteve mesmo muito perto. Não sei bem ao certo o que se passou, sei que na altura tinha o Luís Esteves e o Rui Vitória a ligarem-me, a dizerem-me que me queriam lá. Mais prova que isso não pode haver. Houve ali problemas nas negociações entre as direcções… Mas claro que a minha carreira teria sido totalmente diferente, é algo que aparece uma vez na vida, um dos melhores clubes de Portugal, outras condições de trabalho, com jogadores de topo, e até em termos monetários: ia ganhar um valor que não ganhei em toda a carreira! E mesmo que não desse resultado, sair do Benfica para outro lado já é diferente do que sair como terceiro guarda-redes do Vitória, entrava noutro tipo de mercado.

Onde gostaste mais de jogar até agora?
Aqui no Beitar. Ganhar um troféu… É óptimo, um sentimento incrível. Missão cumprida! Lembro-me que quando cheguei, o taxista que me foi buscar era adepto do Beitar e disse-me “Este ano só pensamos na Taça, o sorteio foi bom e todos pensamos que vamos conseguir”! Sentir que conseguimos, aquele amor da cidade, a paixão deles… No dia a seguir deviam estar umas 70 mil pessoas aqui para nos verem… É inexplicável. A massa adepta é espectacular, muito aguerrida, muito carinhosa, faz um ambiente incrível no estádio. É uma coisa do outro mundo.

Sempre foste guarda-redes? O que te levou a gostar dessa posição?
Em pequeno jogava com os meus amigos, com os meus primos, e sabia que tinha algum jeito para defender. Mas não era isso que eu queria, quando comecei a treinar tentei ir para extremo, mas depois faltava alguém para a baliza, e eu também vi que aquilo como extremo não estava a correr assim tão bem, e decidi tentar. Ficaram todos contentes com o que viram, eu também e acabei por ficar até hoje (risos)!

E a história do Gian Miguel na camisola?
Gian Miguel (risos)! Eu e o meu primo gostávamos muito do Buffon e começámos com essa brincadeira, eu era o Gian Miguel e ele o Gian Pablo (risos)! Pus isso na minha camisola e toda a gente me chamava Gian, nem me chamavam Miguel (risos)!

(Foi no Vizela que o futebolista natural de Prazins cumpriu praticamente toda a formação.)

Tu chamas-te João Miguel Silva. Há algum motivo em especial para teres ficado Miguel Silva no futebol?
Não, é igual. No Vitória cheguei a ter João Miguel na camisola. Acabou por ficar Miguel Silva, para mim é igual.

Como te descreves enquanto guarda-redes?
Acho que sou ágil, rápido, o jogo com os pés melhorou bastante. E o posicionamento. Quando comecei no Vitória posicionava-me muito à frente; com o passar dos anos fui aprendendo, ganhando mais experiência.

E onde podes ainda melhorar?
Em tudo! Há sempre espaço para melhorar.

Quem eram os teus ídolos de infância (além do Buffon, naturalmente)? Em quem te revias/revês na tua posição?
Em miúdo, os meus ídolos eram o Buffon e o Casillas. E também gostava muito do Moreira, do Benfica. Hoje, tenho vários: Ter Stegen, Neuer, Courtois. Gosto muito do Keylor Navas, acho que é muito subvalorizado, merecia muito mais reconhecimento. Ganhou 3 Ligas dos Campeões no Real Madrid, não é para qualquer um.

(Em poucos meses ao serviço do Beitar, Miguel Silva conquistou a Taça de Israel e disputou as pré-eliminatórias de acesso à fase de grupos da Conference League.)

Que treinador mais te marcou?
Acaba por ser o Sérgio Conceição. Pegou em mim do nada, não sei o que teria sido a minha carreira se ele não tivesse tomado aquela decisão. Podia não ter dado nada. Agradeço muito a atitude dele. Trabalhar com ele é muito intenso, é aquele treinador que não gosta de perder, que dá tudo. Já era assim naquela altura e é aquilo que se vê hoje, é a maneira dele ser e nunca vai mudar.

O que ainda tens para atingir na carreira? Quais os objectivos que ainda esperas alcançar?
Graças a Deus já consegui jogar na Liga Europa, mas tenho o sonho de jogar na Liga dos Campeões, ouvir aquele hino. Quero ter uns anos de estabilidade, que me tem faltado na carreira. Pensei que seria aqui no Beitar, mas agora com isto da guerra já não tenho tanta certeza quanto ao meu futuro, o contrato termina no fim da época e as conversações para a renovação ficaram em stand-by. Mas é esse o meu desejo. Mesmo para a minha família tem sido complicado, andamos sempre de um lado para o outro, a minha filha vai agora entrar na escola primária e vai precisar de estabilidade. E de resto, é fazer o maior número de jogos que conseguir, e agora que comecei, continuar a conquistar troféus (risos)! Não faço planos de voltar a Portugal tão cedo, tive a experiência no Vitória, depois voltei para tentar novamente e foi outra experiência má. Sinceramente, fiquei com pé atrás. A não ser que apareça alguma coisa muito apelativa, a minha ideia neste momento é continuar no estrangeiro.

André Geraldes: quase 12 anos depois, o segundo golo da carreira

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André Geraldes, lateral que representa os israelitas do Maccabi Tel Aviv, é o destaque desta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

17 de Abril de 2011. Este havia sido o último (e único) dia em que André Geraldes pudera celebrar um golo em nome próprio… até ao último fim-de-semana: a cumprir a quarta temporada no Maccabi Tel Aviv, o lateral-direito natural da Maia subiu pelo seu flanco, recebeu a bola, entrou na área do Hapoel Beer Sheva e disparou rasteiro e cruzado para o fundo da baliza contrária, fazendo assim o golo solitário do jogo grande da ronda 23 da Liga de Israel.

Esta, já se disse, é a quarta época de André Geraldes no futebol israelita, onde chegou no verão de 2019, no que era então o quinto empréstimo consecutivo por parte do Sporting, a quem estava ligado desde 2014 mas onde raramente foi opção na equipa principal (apenas 4 jogos logo na primeira temporada). Depois de passagens por Belenenses (2 vezes), Vitória FC e Gijón, na II Liga espanhola, o defesa maiato decidiu-se por uma equipa onde pudesse lutar por troféus, algo que ainda não havia conseguido na carreira, e em boa hora o fez: no fim da temporada estava a festejar a conquista do campeonato israelita, somando 35 aparições (apenas 2 como suplente utilizado).

No início de 2020/21, e finalmente livre de vínculo com os Leões, André Geraldes assinou pelos cipriotas do APOEL e até agarrou a titularidade de imediato (10 jogos nessa condição num total de 12), mas acabaria por decidir sair em Janeiro para regressar a Israel e ao Maccabi, onde também pegou de estaca desde logo, somando 19 partidas – algumas delas a jogar como lateral-esquerdo. No fim da época, mais um título para celebrar: a Taça de Israel, com presença na final ganha por 2-1 (após prolongamento) ao rival Hapoel Tel Aviv.

A conquista de troféus não se repetiu na temporada passada, a mais preenchida a nível de jogos para o lateral-direito luso (43), mas ainda pode acontecer este ano. O Maccabi Tel Aviv ocupa neste momento o terceiro lugar na Liga israelita, a 5 pontos do líder Maccabi Haifa, quando faltam três jornadas para o fim da fase regular; segue-se depois a fase de campeão, só com os primeiros seis classificados, e está portanto tudo em aberto. Já na Taça, o emblema da capital está nos quartos-de-final e tem já pé e meio na próxima eliminatória, depois de ter goleado o secundário Maccabi Petah Tivka por 4-0 no primeiro jogo.

Razões mais que suficientes para André Geraldes acreditar no aumento de troféus para o seu palmarés, ainda para mais agora que redescobriu os dotes de goleador, quase 12 anos depois. Com formação praticamente integral no clube da sua terra (à excepção do primeiro ano de iniciado, onde jogou no Porto), foi contratado pelo Rio Ave no primeiro ano de sénior (2010/11) e imediatamente cedido ao Chaves, tendo sido aí que fez o até agora único golo da carreira, então na chamada II Divisão (hoje Campeonato de Portugal). Cedido pelos vila-condenses ao Aves, da II Liga, na temporada seguinte, rumou no verão de 2012 à Turquia para representar o Istambul BB (hoje Basaksehir), então treinado por Carlos Carvalhal e com Eduardo como dono da baliza.

Titular indiscutível na primeira temporada, altura em que recebeu a primeira chamada para as selecções jovens, no caso os sub-21, acabando todavia por nunca se chegar a estrear, deixou de ser opção em 2013/14, rumando por isso ao Belenenses no mercado de inverno. De imediato se assumiu como opção inicial e foi aí que deu nas vistas do Sporting, ainda que a passagem por Alvalade não tenha corrido como certamente esperaria. Aos 31 anos, André Geraldes acabou por fazer um percurso muito interessante no estrangeiro, que ainda se verifica e pode ganhar novos capítulos nos próximos meses – e quiçá anos, permanecendo a incógnita em relação ao seu futuro próximo, dado que acaba a ligação contratual ao Maccabi Tel Aviv no fim desta época.

Hélder Lopes: o pé esquerdo que faz as delícias dos israelitas

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Hélder Lopes, lateral esquerdo que representa os israelitas do Hapoel Beer Sheva, é o destaque desta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

Esta terá sido provavelmente uma das melhores semanas desportivas de 2021/22 para o Hapoel Beer Sheva, e mais uma vez com forte influência lusitana. Desta vez até nem foi Miguel Vítor, capitão e verdadeiro ídolo dos adeptos desde 2016/17, o principal destaque; e também não o foi André Martins, o médio internacional A português que no último mercado de transferências trocou o gigante polaco Legia por uma aventura em Israel. Foi mesmo o lateral-esquerdo Hélder Lopes, quiçá à partida tido como o menos provável deste trio para resolver partidas – e logo de vital importância como sucedeu no espaço de três dias.

Mas a verdade é que foi mesmo isso que aconteceu. O primeiro capítulo deu-se no domingo, quando um cruzamento do esquerdino luso sofreu um ligeiro desvio num adversário e se tornou de repente num mortífero remate à baliza do visitante Maccabi Tel-Aviv; o marcador não mais viria a sofrer alterações e assim o Hapoel Beer Sheva aumentou para 6 os pontos de vantagem em relação ao conjunto da capital, permanecendo no segundo lugar do campeonato a 7 pontos do campeão em título Maccabi Haifa quando faltam 6 jornadas para o fim da prova.

Havia, contudo, outro jogo entre as duas equipas a meio da semana, desta vez a contar para as meias-finais da Taça e a disputar-se em Tel-Aviv. Pois bem: o trio luso voltou a ser titular e voltou a ser Hélder Lopes o elemento mais decisivo dos três, sendo dele as assistências para os golos que permitiram a reviravolta no marcador (de 0-1 para 1-3) e que selaram a passagem da sua equipa à final da competição – onde mais uma vez se irá digladiar com o Maccabi Haifa, que foi ao reduto do Hapoel Haifa vencer por 2-0.

Contratado já com a época em andamento ao AEK de Atenas, onde havia actuado nas últimas quatro temporadas, Hélder Lopes pegou de estaca no emblema israelita, totalizando neste momento já 27 partidas; até aqui, todavia, tinha registado apenas uma assistência, pelo que esta terá sido, certamente, a sua melhor semana em Israel até ao momento. No horizonte próximo do defesa natural de Vila Nova de Gaia estará agora o desejo de manter a bitola exibicional até ao fim da temporada e quiçá ajudar o seu clube a conquistar o campeonato ou a Taça – ou ambos –, ele que no seu palmarés tem apenas e só um troféu: a Liga grega, que venceu logo na primeira temporada ao serviço do AEK, contribuindo com 31 jogos, 2 golos e 2 assistências para o quebrar de um jejum que durava há 24 anos.

Esse foi o ponto alto de uma carreira feita a pulso e com subidas sucessivas de escalão para um atleta que nunca passou por qualquer grande escola de formação, se assim quisermos chamar. O percurso juvenil, fê-lo entre Coimbrões, Padroense e Candal; no primeiro ano de sénior ainda assinou contrato profissional com o Parma, mas acabaria por deixar Itália poucos meses depois sem qualquer minuto oficial por nenhuma das equipas dos parmesãos, assinando pelo Mirandela para disputar a II Divisão. Em 2009/10 desceu um patamar, representando o Oliveira do Douro na III Divisão, voltando ao terceiro escalão do futebol nacional na época seguinte por intermédio do Espinho.

Por ali permaneceria para 2011/12, sendo peça fulcral na campanha da subida do Tondela à II Liga, de tal forma que suscitaria o interesse do primodivisionário Beira-Mar, estreando-se assim no principal escalão do futebol nacional com 23 anos. A descida de divisão dos aveirenses acabou por não comprometer o futuro do jogador, que seguiria com o técnico Costinha para o Paços de Ferreira, onde se viria a afirmar definitivamente como valor seguro do futebol nacional para uma posição onde até escasseavam opções portuguesas.

Chegou, sem grandes surpresas, a ser associado a clubes de maior nomeada (no fim de 2015/16 escreveu-se na imprensa nacional que poderia assinar por Sporting, Braga ou Benfica), mas a verdade é que acabou por se transferir nesse verão para o Las Palmas. Em Espanha não seria tão influente, somando um total de 17 jogos numa só temporada, e foi assim que surgiu no verão de 2017 a possibilidade de rumar a Atenas, assinando por duas épocas com o AEK; após o já referido primeiro ano de grande sucesso, voltou a começar 2018/19 como indiscutível mas o azar bateu-lhe à porta logo em Setembro: uma lesão ligamentar sofrida na visita ao terreno do OFI Creta, para a quinta ronda da Liga grega, viria a afastá-lo dos relvados praticamente até final da temporada – só voltou a jogar precisamente na última jornada, entrando aos 85 minutos numa vitória por 3-0 no reduto do Levadiakos.

Num acto absolutamente louvável, e numa fase ainda pouco adiantada da recuperação da lesão, o AEK demonstrou toda a sua confiança no defesa português e ofereceu-lhe a renovação do contrato até 2022; acabaria por ser cumprido quase na totalidade, até à mudança no início da corrente temporada para Israel. Estando quase completamente posta de parte a hipótese de chegar à selecção nacional, algo que a dada altura parecia estar muito próximo, Hélder Lopes continua aos 33 anos num patamar exibicional assinalável e não dá mostras de abrandamento num futuro próximo; resta esperar para ver se vai conseguir acrescentar mais troféus a um palmarés que ainda assim não está ao alcance de qualquer um.