André Martins: Libertadores foi o ponto alto de uma carreira insólita

andremartins(André Martins com a camisola do Caracas.)

André Martins fez uma carreira tão invulgar que até conseguiu a proeza de jogar na Copa Libertadores, a mais prestigiada prova de clubes da América do Sul, tornando-se, ao mesmo tempo, no primeiro jogador português a fazê-lo.
O antigo futebolista, que se definia como médio ofensivo ou ponta de lança, jogou na Libertadores pelo Bolívar, em 2010, mas só fez um jogo na competição: a 24 de Fevereiro, em casa dos peruanos do Juan Aurich, entrou aos 61 minutos da partida que a sua equipa perdeu por 0-2 ainda na fase de grupos.
Contratado pelos bolívianos no início de 2010, alegadamente depois de ter atuado pelos mexicanos do Jaguares e pelos venezuelanos do Caracas, André Martins teve a tal participação na Libertadores como ponto alto de uma carreira que é, no mínimo, insólita.
Natural de Gasparões, localidade pertencente ao concelho de Ferreira do Alentejo, André Martins nasceu a 26 de Março de 1987 e durante alguns anos apresentou-se a inúmeros clubes estrangeiros com um currículo invejável: dizia, por exemplo, que tinha jogado na I Liga Portuguesa pela Naval, que integrou os quadros do Fulham, e que até tenha sido internacional Sub-20 português.
Vamos à realidade, pelo menos cá em Portugal: formado nos alentejanos Ferreirense e Despertar, mudou-se para os Juniores do Belenenses, em 2004, mas rapidamente voltou a casa para representar o D. Beja, acabando na época seguinte por ingressar nos Juniores da Naval. Nunca passou daí, não tendo, portanto, atuado pela equipa principal figueirense, e muito menos representado alguma Seleção jovem.
Os seus perfis na internet apontam-lhe vários clubes como sénior – Fulham, Vidima-Rakovski (Bulgária), Jaguares, Caracas, Bolívar, Mariehamn (Finlândia), Syrianska (Suécia), Real Garcilaso (Perú), Inverness (Escócia) e Goiás (Brasil) -, mas jogos só se encontram dois: o tal pelo Bolívar e mais 15 minutos na I Liga finlandesa no mesmo ano de 2010.
A passagem pelo Goiás nunca foi oficializada: em Fevereiro de 2013, o emblema brasileiro anunciou, sim, que André Martins iria treinar à experiência no clube, mas nunca o apresentou como reforço. E pouco antes de chegar ao Brasil, o alentejano foi notícia no Chile por, supostamente, ter apresentado um DVD falso aos dirigentes do San Marcos de Arica, que assim que o viram a treinar, descobriram não se tratar da mesma pessoa.
Atualmente com 35 anos, André Martins, que ganhou a alcunha de “El Mago” na Bolívia, terá terminado a carreira depois dessa experiência no Goiás.

Jackson Martínez: 35 anos de Cha Cha Cha, golos e muito espírito de sacrifício

jacksonfcp(Jackson viveu os melhores anos da carreira ao serviço do FC Porto.)

O dia 3 de Outubro marca o aniversário de um dos melhores avançados que passou por Portugal na última década. Recebido com algumas sobrancelhas franzidas, pelo facto de já ter praticamente 26 anos quando cá chegou e nunca ter jogado na Europa anteriormente, depressa mostrou que essas interrogações eram infundadas e que havia finalmente um substituto à altura para o compatriota Radamel Falcao, que tantas saudades por cá deixara. Já adivinhou, caro leitor: hoje, celebra-se o 35º aniversário de Jackson Martínez.

O desafio era, de facto, muito complicado quando no início de 2012/13 Jackson Martínez, conhecido na sua Colômbia natal como Cha Cha Cha (alcunha que herdou do pai, também ele um futebolista que festejava os seus golos ao ritmo desse estilo de dança), chegou ao Porto para reforçar o plantel comandado por Vítor Pereira a troco de cerca de 8,8 milhões de euros. Os Dragões até se tinham sagrado campeões nacionais em 2011/12, mas viveram toda a época órfãos de uma verdadeira referência de área dada a saída de Falcao para o Atlético de Madrid logo no início da época – Kléber e Janko foram fazendo a função mas sem nunca convencer verdadeiramente.

jacksonindep(Foi ao serviço do Independiente de Medellín que o “Cha Cha Cha” despontou.)

Urgia, por isso, que Jackson chegasse, visse e vencesse, até porque Hulk, o goleador desse início de temporada, também se transferiu em cima do fecho do mercado (no caso, para o Zenit). A pressão estava toda em cima dos ombros do rapaz nascido em Quibdó, que até então mostrara dotes goleadores na Colômbia e no México mas nada de verdadeiramente deslumbrante, e a verdade é que começou a mostrar ao que vinha logo no primeiro jogo oficial, a Supertaça ante a Académica: marcou o único golo do encontro, garantindo assim desde logo a conquista de um troféu, e foi eleito o Homem do Jogo.

Começava assim uma história de golos e mais golos de azul-e-branco vestido – incluindo um que está no top-3 pessoal de quem vos escreve este artigo: esse mesmo, o calcanhar perante Rui Patrício que abriu o marcador no clássico com o Sporting na jornada 6 dessa temporada 2012/13 (o Porto venceria por 2-0). O último golo dos Dragões nessa época, que ditou o 2-0 final em Paços de Ferreira e o consequente tricampeonato para o Porto, foi também o seu 31º na época e 26º no campeonato, do qual se sagrou artilheiro máximo – seria mesmo eleito pela ESPN como uma das grandes contratações do futebol mundial na temporada.

jacksonjaguares(Os golos de Jackson pelos mexicanos do Jaguares convenceram o FC Porto a avançar para a sua contratação.)

As duas épocas que se seguiram no Dragão tiveram pouca glória em termos colectivos (apenas a Supertaça de 2013/14 conquistada, num 3-0 ao Vitória de Guimarães em que também marcou), mas Jackson continuou a dominar os registos individuais, sagrando-se melhor marcador da Liga mais duas vezes: 20 golos em 2013/14 e 21 em 2014/15 – primeiro a consegui-lo por três temporadas consecutivas desde Mário Jardel, que até o fez em quatro entre 1996 e 2000. Não estranhou, por isso, que surgissem tubarões europeus interessados nos seus serviços e foi o Atlético de Madrid que ganhou a corrida, deixando 35 milhões de euros nos cofres dos azuis-e-brancos (segundo jogador mais caro de sempre dos Colchoneros até então) e levando assim o segundo goleador colombiano do Dragão no espaço de quatro anos.

No futebol espanhol, todavia, Jackson rapidamente começou a perder a vontade de sorrir. Nunca se conseguiu adaptar ao estilo de jogo preconizado por Diego Simeone, tendo também algumas arreliadoras lesões pelo caminho, e no mercado de inverno de 2015/16, depois de apenas 22 jogos e 3 golos pelo Atlético, mudou-se para o milionário futebol chinês, assinando pelo Guangzhou Evergrande, que pagou 42 milhões de euros pelo seu passe ao Atlético de Madrid – cujo presidente diria então que o avançado “não estava ao nível” do clube madrileno. “É um bom jogador, ninguém pode dizer o contrário, mas não teve sorte e esta foi a melhor decisão para todas as partes. E se o Guangzhou pagou esse dinheiro por ele é porque ele valia isso; tinha bastante mercado”, dizia então Enrique Cerezo.

jacksoncolombia(Jackson fez 10 golos pela Seleção A Colombiana, dois deles no Mundial 2014.)

A realidade, porém, voltou a revelar-se bastante aziaga. Jackson viria a sofrer uma lesão no tornozelo esquerdo passados apenas dois meses de chegar à China, ficando mais de três meses afastado dos relvados; regressou em Agosto, cumprindo quatro encontros como suplente utilizado (e um golo) até Outubro, quando se lesionou novamente no mesmo maldito tornozelo. Era o início de um calvário que durou mais de dois anos… e que na verdade nunca viria a ter fim.

A 31 de Agosto de 2018, de forma absolutamente inesperada, Jackson Martínez foi oficializado como reforço… do Portimonense, convertendo-se na contratação mais surpreendente do emblema algarvio (e possivelmente de todo o futebol português) nesse mercado de verão. Em Portimão, depressa se afirmou como titular e figura de cartaz de uma equipa sem grandes destaques individuais mas com enorme espírito de luta e sacrifício – precisamente as características que o colombiano iria abraçar com a maior tenacidade a partir de então.

As limitações eram evidentes, tal como o esgar de dor na sua face de cada vez que tentava fazer uma aceleração. A vontade estava lá, estava toda lá, mas o tornozelo não deixava. Ou melhor, não deveria deixar, mas a força de Jackson ainda fez com que conseguisse actuar durante duas temporadas no Portimonense, onde chegou inclusive a capitão de equipa, conseguindo até um pecúlio interessante de 9 golos em 28 partidas em 2018/19 (mais 3 tentos em 26 jogos disputados na época seguinte, na qual cortou de vez o vínculo ao Guangzhou e assinou em definitivo pelo conjunto de Portimão). 2019/20 foi a temporada que ficou partida após o segundo terço devido ao surgimento da pandemia do coronavírus e esse facto ainda atrapalhou mais a questão física do goleador, que após o reatar da competição apareceu como uma sombra… da sombra do Jackson que todos conhecemos na passagem pelo Porto.

jacksonatletico(Jackson não foi feliz com a camisola do Atlético de Madrid.)

“A única forma de ele conseguir competir era treinar uma vez por semana com o grupo, e de resto fazia trabalho na piscina, de descompressão, fisioterapia e ginásio. Quase tínhamos de combinar o dia que impreterivelmente ele tinha de estar no treino de conjunto, e que não fosse muito perto do jogo, porque depois passava dois ou três dias com dores horríveis no tornozelo. Era muito limitador, mas o que ficará para mim é a capacidade de sofrimento dele, o quanto queria continuar a jogar, o que se sacrificava, provavelmente com a vida dele resolvida em termos económicos. Mas a humildade dele para querer continuar a jogar, a vontade de se sacrificar… Já apresentava muitas dificuldades para finalizar qualquer lance que viesse da esquerda, na busca dos apoios tinha muitas limitações, mas nas bolas da direita ainda conseguia fazê-lo à Jackson”, revelou há tempos Paulo Sérgio, treinador do Portimonense em 2019/20, em entrevista no Canal 11.

Paulo Sérgio, de resto, acabaria por estar ligado decisivamente à tomada de decisão mais difícil da vida de Jackson Martínez: o adeus ao futebol. “Para a nova temporada decidi que num grupo profissional não se pode trabalhar assim. Com muita pena minha, porque foi um prazer trabalhar com o Jackson, mas é muito injusto eu ir contratar um ponta de lança e dizer-lhe ‘tu treinas todos os dias mas quem vai jogar é o Jackson que só treina uma vez por semana’. Isso para mim não funciona, e então tomei essa decisão, que não foi fácil mas penso que ele já estaria preparado para isso embora eu saiba que, se lhe tivesse pedido para fazer mais um ano, ele era capaz de continuar. Mas se não participasse num jogo ficava frustrado, e gerir um grupo dessa forma é muito complicado. Mas foi um prazer, porque ele é um homem com H grande”, confessou na mesma ocasião.

jacskonchina(Depois do falhanço em Madrid, o colombiano rumou à China.)

A verdade é que já há algum tempo que vinha a ser aventada a possibilidade do adeus aos relvados – inclusivamente por entrevistas dadas pelo próprio, quer na Colômbia quer em Portugal. Ainda se chegou a falar de um possível regresso ao Independiente Medellín, clube onde se formou e se lançou no futebol profissional, mas em Dezembro de 2020, quatro meses depois de deixar Portimão, chegou a oficialização da despedida.

“As angústias foram variadas. Começava nas vezes que tinha de abandonar os treinos, porque tinha chegado ao meu limite e já não suportava mais a dor. Depois dos jogos eram dores impressionantes que me impediam de descansar bem. Sofria com muitas coisas que para o adepto podem ser invisíveis, mas quem as vive sabe o difícil que é. O que mais me abatia era perceber o esforço que eu punha na minha recuperação e ver que não melhorava substancialmente. Sei que fiz tudo o que estava nas minhas mãos. Podem imaginar como era duro um atleta de alta competição acordar com tantas dores durante a noite, ter que se levantar para minimizar algo e passado poucas horas sair de casa para outro dia de treino. Repetidas vezes. Depois de jogar um jogo, tinha de ficar dois ou três dias sem treinar ou mesmo uma semana completa”, explicou o próprio em entrevista ao jornal A Bola em Fevereiro último.

jacksonportimao(Em Portimão, Jackson sofreu para jogar, mas nunca virou a cara à luta.)

Chegou até a pensar numa solução extrema: a amputação, de modo a pôr um fim às intermináveis dores. Mas “a maior dor era não ter voltado a jogar”, segundo palavras do próprio, que deixou a sua marca também com as cores do seu país – 41 internacionalizações e 10 golos, dois dos quais no Mundial 2014. Hoje, Jackson Martínez foca-se unicamente na carreira de rapper cristão – é verdade, esse estilo de música existe realmente e o Cha Cha Cha tem até já um álbum com sete temas, denominado No Temeré (Não Temerei, em português) e editado em Setembro de 2018 cujos videoclips podem ser encontrados no Youtube. Arriscamos a dizer que dificilmente atingirá tanto sucesso nesta nova vertente da sua vida quanto conseguiu no futebol, mas a julgar pela sua tenacidade e vontade de triunfar, será certamente bem sucedido – e sem lancinantes dores físicas, o que por si só já constituirá uma enorme vitória.

Muitos parabéns, Cha Cha Cha!

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.