Tomané: adeus ao sofrimento, bem-vindos de volta os golos

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A cumprir a segunda temporada ao serviço dos turcos do Samsunspor, o ponta de lança Tomané é o jogador destacado esta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

O último ano foi muito difícil para Tomané. Devido a sucessivas lesões, o avançado natural de Fafe esteve grande parte da temporada 2020/21 sem poder jogar, vendo-se assim impedido de dar o seu contributo ao Samsunspor na luta pela subida à principal Liga turca (que acabaria por perder ao ser eliminado na meia-final do play-off, ao qual se viu obrigado a ir por ter terminado no terceiro lugar da fase regular do campeonato, ainda que com os mesmos pontos dos dois primeiros, ambos promovidos directamente). Como se não bastasse, e numa altura em que estava finalmente pronto a voltar à acção, ainda teve de lidar também com o falecimento da avó, de quem era muito próximo.

Uma sucessão de infelicidades que vieram contribuir para fortalecer ainda mais o carácter do atacante luso: depois de ter ficado em branco nos dois primeiros jogos da atual temporada, marcou por duas vezes nas últimas três partidas: 2-0 ao Keciorenguçu (onde tinha já estado directamente envolvido no primeiro golo da sua equipa, surgido na recarga a um remate seu ao poste) e 2-2 ante o Gençlerbirligi. Um pecúlio que já lhe permite apresentar um registo superior ao conseguido na temporada de estreia na Turquia (um golo em cinco jogos) e que leva a crer que 2021/22 será uma época bem mais risonha a todos os níveis – ainda que o emblema de Samsun tenha entrado na temporada aos soluços, somando apenas 7 pontos nas 5 jornadas já disputadas e estando neste momento a 5 pontos dos lugares de subida directa.

Para Tomané, este é só mais um episódio de superação a juntar aos vários que já viveu ao longo da carreira. Lançado na I Liga por Manuel Machado ainda com 17 anos na primeira jornada de 2010/11, o avançado só voltaria a jogar pela equipa principal do Vitória SC (emblema onde fez grande parte da formação, iniciada no Boavista) em 2013/14, já com Rui Vitória ao leme, depois de um ano cedido ao Limianos na II Divisão (20 jogos e 1 golo) e outro passado inteiramente na equipa B dos vimaranenses (4 golos em 36 jogos na II Liga).

Seguiram-se dois anos e meio no Vitória, com 84 jogos e 12 golos, até que em Janeiro de 2016 rumou por empréstimo para o Duisburg, da II Liga alemã, onde seria tudo menos feliz: apenas 9 jogos e nenhum golo, com a sua equipa a ser despromovida ao terceiro escalão no fim da temporada. Já completamente desvinculado dos vimaranenses, assinou pelos gregos do Panetolikos para 2016/17 e ali somou 13 partidas e 1 golo, regressando a Portugal no mercado de inverno pela porta do Arouca. Nos arouquenses faria 3 golos em 17 jogos e as suas exibições despertaram o interesse de outros emblemas, com a inesperada descida de divisão da equipa do distrito de Aveiro a levá-lo a assinar pelo Tondela, que por ele pagou 100 mil euros.

Seria no emblema beirão que Tomané viria a viver os melhores momentos da carreira. Aos 9 golos em 2017/18 somou mais 14 na temporada seguinte (tal como 6 assistências em cada uma das épocas), sendo de tal modo decisivo para a dupla permanência da sua equipa no escalão maior do futebol nacional que se tornava inconcebível pensar que pudesse continuar em Tondela. E assim foi: no verão de 2019, depois de se falar em vários destinos possíveis (entre os quais o Braga), surgiu a oficialização da sua transferência para o Estrela Vermelha de Belgrado, um dos grandes emblemas do futebol sérvio, que pelo seu concurso pagou cerca de 800 mil euros (divididos por Vitória, Arouca e Tondela).

A primeira época na Sérvia foi, pode dizer-se, bem sucedida. Tomané fez 24 jogos (17 como titular) e marcou 5 golos, disputando a fase de grupos da Liga dos Campeões (na qual acabou por desperdiçar uma grande penalidade no embate em Atenas com o Olympiacos que custou a continuidade do Estrela Vermelha nas competições europeias) e conquistando o primeiro troféu da sua carreira: o título nacional, terceiro consecutivo para o histórico clube (que, curiosamente, foi o primeiro a celebrar a conquista de um campeonato após a paragem de alguns meses provocada pelo eclodir da pandemia do coronavírus). E a segunda até estava a começar ainda melhor, com o atacante fafense a marcar dois golos nos primeiros seis jogos – um dos quais valeu o apuramento para a terceira pré-eliminatória de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões, numa vitória por 1-0 na Albânia sobre o Tirana.

Foi, por isso, com bastante estranheza que no início de Setembro surgiu, de forma surpreendente, o anúncio da sua saída para um clube da II Liga da Turquia, ainda que o projecto do Samsunspor passasse declaradamente pela subida ao principal escalão – e que, de acordo com informações da imprensa turca, o patamar salarial à espera do avançado luso fosse bastante superior ao que auferia na Sérvia. Os primeiros meses no futebol turco, todavia, acabariam por não corresponder às expectativas, fruto de todos os motivos já referidos no início deste texto.

Agora, porém, esse cenário parece estar a mudar. Tomané tem-se apresentado decidido, focado e compenetrado na missão de recuperar o tempo perdido e reafirmar-se de facto como um dos bons avançados portugueses, acalentando ainda o sonho de entrar pelo menos no lote de seleccionáveis para Fernando Santos, ele que somou 13 internacionalizações nas selecções jovens (7 nos sub-18, 2 nos sub-19 e 4 nos sub-21). Prestes a celebrar o 29º aniversário, o avançado ainda vai a tempo de regressar aos níveis que já demonstrou no passado, com o primeiro passo nesse sentido a ser a meta de registar a temporada mais goleadora da carreira, faltando para isso apontar mais 13 golos (fez 14 em 2018/19 no Tondela); se o conseguir, as probabilidades de festejar no fim da época com o Samsunspor serão certamente muito grandes… tal como as de voltar a pisar os patamares de outrora ou quem sabe outros ainda maiores.

Cristiano: a época mais regular não merecia a má sorte final

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O guardião Cristiano, que nas duas últimas épocas esteve ao serviço dos romenos do Hermannstadt, é o destaque desta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

No futebol, como na vida, nem sempre a coerência anda de mãos dadas com a realidade. E a temporada 2020/21 de Cristiano é um exemplo claro disso mesmo: o guardião nascido há 30 anos na Alemanha (filho de emigrantes portugueses) fez provavelmente a época mais regular da carreira, somando 40 partidas (recorde pessoal) e desempenhos individuais de tal ordem positivos que o levaram a ser várias vezes eleito para a equipa ideal do ano na Liga romena; acabaria, todavia, por ser expulso nos últimos minutos do play-out de permanência, numa defesa por instinto fora da grande área para travar um contra-ataque adversário que iria garantidamente dar golo, e ver já de fora do relvado o Hermannstadt perder em casa com o secundário Mioveni (2-1 depois do 0-0 fora na primeira mão) e assim ser despromovido ao segundo escalão.

Castigo pesadíssimo e absolutamente inglório para o guardião que conseguiu deixar a sua baliza inviolada em nove ocasiões durante a temporada, seis das quais na altura em que o clube de Sibiu mais precisava: a fase de permanência. O Hermannstadt teve uma primeira fase de campeonato terrível, terminando no último lugar da tabela com 26 pontos em 30 jogos disputados, mas conseguiu depois uma épica recuperação na fase de permanência, vencendo por quatro ocasiões e empatando outra nos nove jogos aí disputados e garantindo assim o oitavo lugar, que o salvava da despromoção directa e permitia disputar o tal play-out com segundo classificado da II Liga, no caso o Mioveni.

No jogo de todas as decisões o conjunto de Sibiu até se colocou em vantagem logo na fase inicial, fruto de um golo do também português Yazalde, mas sofreu depois aos 70 minutos o golo do qual já não se conseguiria recuperar, num remate de fora da área desviado por um defensor que assim tirou a Cristiano todas as hipóteses de conseguir impedir o tento. O Hermannstadt lançou-se depois com tudo para o ataque, na tentativa de retomar a liderança e assim conseguir a permanência, e foi na sequência de um contra-ataque rápido que surgiu a já referida expulsão do guardião português, que tinha saído da sua baliza para dar uma linha de passe mais segura ao seu defesa que parecia ir ganhar o lance com o avançado contrário e que numa fracção de segundos teve de decidir entre ser expulso ou sofrer mais um golo. De forma ainda mais cruel o Mioveni viria mesmo a chegar ao 2-1 nos descontos, em mais um contra-ataque rapidíssimo e numa altura em que o emblema primodivisionário estava todo na área contrária (à excepção do guarda-redes entretanto lançado em jogo).

Este terá sido seguramente o último jogo no Hermannstadt para Cristiano – ainda não há confirmação oficial do adeus, mas o guardião luso termina contrato no fim deste mês e é muito improvável que vá jogar no segundo escalão romeno, mais que não fosse pela excelente temporada que rubricou em termos individuais. Fica assim a expectativa para perceber qual será o próximo passo de um guarda-redes com uma trajectória muito interessante e distinta dos demais: afinal de contas, foi apenas com 15 anos que chegou ao futebol, ao contrário do que acontece com a esmagadora maioria dos profissionais. “Foi num torneio de futebol, entre amigos. Precisavam de um guarda-redes e lá fui eu para a baliza. Daí fui para o Académico de Viseu”, revelou em entrevista concedida ao zerozero.pt em 2014, numa ocasião onde revelou também ter sido dispensado da Académica com 16 anos por ter infringido as regras internas do clube. Curiosamente, acabaria por regressar aos “estudantes” vários anos depois (2014/15), por empréstimo do Braga, onde concluiu a formação e se estreou na I Liga… após um ano no Valencia onde, além de jogar pela equipa B, ainda foi por quatro ocasiões ao banco da equipa principal, numa experiência que não foi mais além também por culpa de lesões (uma em cada joelho).

Após a cedência à Académica, Cristiano optou por rescindir o contrato com o Braga para procurar um desafio que lhe permitisse jogar mais e assinou pelos gregos do Panetolikos, onde não seria feliz: apenas quatro jogos em época e meia, que precipitaram o regresso a Portugal em Janeiro de 2017 pela porta do Belenenses. Ali ganharia nova vida, impondo-se de imediato como titular, e em 2017/18 mudou-se para o Vitória de Setúbal onde começou como opção inicial mas acabou por perder o estatuto de indiscutível na época seguinte, alternando a titularidade com Joel Pereira até à chegada do georgiano Makaridze. Foi aí, no verão de 2019, que surgiu a oportunidade de rumar à Roménia e ao Hermannstadt, onde curiosamente encontrou de imediato a concorrência de um compatriota (Emanuel Novo); somou, ainda assim, 31 dos 41 jogos feitos pelo clube de Sibiu em 2019/20 e na época agora finda não deu quaisquer hipóteses aos competidores, fazendo as já citadas 40 aparições – só falhou um jogo e por opção técnica, ficando no banco na jornada 14 da fase regular, num empate (2-2) em casa do Arges.

Nos últimos dias já foi aventada a possibilidade de Cristiano regressar a Portugal, obviamente para uma equipa da I Liga, embora ainda nada em concreto tenha sido anunciado. Seria eventualmente o passo certo para o guarda-redes de 30 anos, outrora uma grande esperança das balizas nacionais – somou sete internacionalizações nos escalões jovens, seis das quais nos sub-21 – e que acabou por construir até ao momento uma carreira sólida, quiçá aqui e ali com alguma dose de infelicidade à mistura (como foi bem visível em 2020/21). Na próxima temporada se verá se teremos o talento do irmão mais velho de Tobias Figueiredo de regresso aos relvados nacionais ou se, por outro lado, continuará a ser um emigrante – e por consequência um frequentador regular dos destaques de À bola pelo Mundo.