Seleção para Jota Silva é uma questão de Paciência

(Jota Silva está a fazer uma época fantástica: 12 golos e 7 assistências em 31 jogos.)

Tem sido tema recorrente na actualidade do futebol nacional: com Roberto Martínez a anunciar a convocatória da selecção nacional para os particulares com Suécia e Escócia na sexta-feira, dia 15, muitas são as vozes a pedir a chamada de Jota Silva. O atacante de Melres, Gondomar, tem estado intratável ao serviço do Vitória SC de Álvaro Pacheco, somando já 12 golos e 7 assistências na temporada, e consta mesmo da lista de pré-convocados do técnico espanhol, havendo por isso natural curiosidade para ver se o seu nome estará na penúltima convocatória antes do Europeu.

Jota Silva, é certo, tem todas as razões para poder sonhar, quer pela belíssima época que vem a realizar, quer por todo o seu percurso, iniciado nos patamares mais baixos do futebol português – jogou nos campeonatos distritais pelo Sousense no primeiro ano como sénior. Daí seguiu para o Sp. Espinho, dando nas vistas de tal modo no Campeonato de Portugal que viria a ser contratado pelo secundário Leixões no verão de 2020. Não conseguiu pegar de estaca nos Bebés de Matosinhos e a meio da época mudou-se para o Casa Pia, onde se deu verdadeiramente a explosão: depois de um primeiro período de adaptação, fez uma temporada de 2021/22 estrondosa (14 golos e 4 assistências), sendo a grande figura da equipa que garantiu a subida ao escalão principal pela primeira vez em 83 anos.

(André André, na foto em ação diante do Luxemburgo num amigável em que até marcou, é, até à data, o último jogador do Vitória SC a ser convocado para a nossa Seleção A.)

Há, no entanto, uma realidade absolutamente indesmentível que o jogador dos vimaranenses terá de conseguir contornar: é que muito dificilmente um futebolista de campo a actuar numa equipa portuguesa fora do espectro dos “grandes” (e aqui inclui-se o Braga, pelos desempenhos e resultados obtidos nas últimas duas décadas) consegue ser chamado à principal selecção nacional. Com Roberto Martínez, de resto, ainda nunca aconteceu.

É preciso recuar até Novembro de 2017 para encontrar a última vez que tal ocorreu. Era, obviamente, ainda Fernando Santos o seleccionador, e o contexto foi também o de uma convocatória para jogos de preparação, no caso para o Mundial 2018, onde constaram várias novidades. Todas elas, porém, actuavam no estrangeiro ou, lá está, nos 4 maiores clubes nacionais da actualidade. Com uma excepção: Gonçalo Paciência.

(Há mais de 6 anos que um jogador que alinha na nossa I Liga sem ser nos “grandes” ou no Sp. Braga não é chamado à principal Seleção: Gonçalo Paciência, que na primeira metade da época 17/18 representou o Vitória FC, foi o último.)

O ponta-de-lança de uma linhagem famosa, é certo, pertencia ainda nessa altura aos quadros do FC Porto, mas nesse início de 2017/18 encontrava-se cedido ao Vitória FC, e foram precisamente os registos com a camisola dos sadinos (somou 4 golos e 2 assistências nos primeiros 13 jogos da temporada) que convenceram Fernando Santos a conceder-lhe uma oportunidade para a lista de convocados para os particulares com Arábia Saudita (não entrou) e Estados Unidos (substituiu Gelson Martins ao intervalo). Essa foi a primeira de apenas 2 internacionalizações A do actual avançado do Bochum – e até marcou na segunda, ocorrida curiosamente nesse preciso dia 2 anos depois, num 6-0 à Lituânia (na altura jogava já nos alemães do Eintracht Frankfurt).

Já no que respeita a jogadores do Vitória SC (de campo, é preciso relembrar), tem de se ir ainda mais atrás: o último foi André André, numa convocatória divulgada por Fernando Santos em Junho de 2015, na altura para uma partida oficial ante a Arménia, de apuramento para o Europeu que Portugal viria a ganhar no verão seguinte, e para um particular frente a Itália três dias depois. O médio natural de Vila do Conde acabou por ficar de fora da lista final para o jogo “a doer”, sendo depois suplente não utilizado diante dos italianos.

(No espaço de 5 anos, Jota pode passar dos Distritais à Seleção: na época 18/19, então a cumprir o primeiro ano de sénior, representou o Sousense, clube onde fez praticamente toda a formação, na Divisão de Elite da AF Porto.)

André André, curiosamente hoje novamente atleta do Vitória minhoto, depois de passagens por Porto e Al Ittihad (Arábia Saudita), já era, todavia, internacional A por essa altura, fruto dos 23 minutos de que dispôs “naquele” particular realizado 3 meses antes com Cabo Verde, aproveitado por Fernando Santos para dar oportunidades a vários elementos “novos” na selecção. Viria a somar depois mais 3 internacionalizações (na última das quais até marcou o seu único golo pela selecção principal, num triunfo por 2-0 sobre o Luxemburgo), mas aí já como jogador dos Dragões, que o contrataram nesse verão de 2015.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.

Martim Maia: “Jogar para ganhar é sempre uma motivação diferente”

martimmaia(Cedido pelo Santa Clara ao Noah, Martim Maia “pegou de estaca” no clube arménio e tem sido um dos elementos indiscutíveis para o técnico Carlos Inarejos.)

No último Verão, Martim Maia trocou o Santa Clara pelo praticamente desconhecido FC Noah, e, até ao momento, pode-se dizer que fez uma escolha acertada: titular indiscutível no atual 2º classificado do principal Campeonato da Arménia, o médio defensivo, que faz a sua estreia absoluta numa I Liga, já participou em 18 jogos, tendo falhado apenas 3 por motivos de força maior – 2 por lesão e 1 por castigo.
Formado maioritariamente entre Leixões e Rio Ave após ter começado no FC Porto, o futebolista natural da Maia ainda atuou pelas equipas B e Sub-23 dos vilacondenses antes de ir em busca de novos desafios, contando com passagens por emblemas como Casa Pia, Amora e Trofense.
Atualmente com 25 anos, Martim Maia, que na temporada 20/21 viveu a sua primeira experiência internacional ao serviço dos polacos do Zaglebie Sosnowiec, assume nesta entrevista que tem como objetivo ser mais decisivo e revela que a sua ambição é lutar por títulos:

À Bola pelo Mundo/Conversas Redondas: Tens sido titular indiscutível, o Noah está em segundo lugar no campeonato e passou agora aos quartos-de-final da Taça. Como avalias a experiência até aqui?
Martim Maia: No cômputo geral, estou a gostar bastante. Acho que quando um jogador joga, as experiências são sempre ou quase sempre boas. Infelizmente no ano passado isso não aconteceu comigo, e por isso vim para a Arménia, a minha expectativa era chegar e lutar para poder jogar sempre. Isso tem acontecido e tenho gostado bastante. É tudo diferente daquilo a que estava habituado, mas no geral tem sido uma boa experiência.

Bateste o oitavo penalty da tua equipa no desempate ante o Alashkert (e com sucesso). Não é algo em que te sintas muito confortável?
Eu até ia ser o nono, mas um colega pediu para trocar. Eu não faço questão nem deixo de fazer: se quiserem que bata o penalty, eu bato. Neste caso, calhou ser o oitavo e correu bem. Pode ser que nos quartos-de-final, se voltarmos a ir a penaltys, já possa ficar mais nos primeiros (risos)!

Quais os objectivos para a época, individuais e colectivos?
Não falámos de objectivos colectivos. Eles fizeram um bom investimento, vieram muitos jogadores de fora, que já jogaram na Premier League (Mbokani, por exemplo), na Liga holandesa… Claro que é sempre preciso uma adaptação, mas depois de passar esses primeiros meses, agora temos feito bons resultados, está a correr bem. Em duas jornadas, diminuímos a distância para o líder (Pyunik) de 12 para 8 pontos [agora são 5 depois de ganharem esta tarde ao BKMA por 2-0 no último jogo do ano, sendo que o Pyunik ainda tem uma partida por realizar na próxima segunda feira], e em Fevereiro voltamos para a segunda metade da época.

martimtrofa(Na temporada passada, o médio representou o Trofense na II Liga, também por empréstimo do Santa Clara.)

Como é viver na Arménia? Surpreendeu-te de alguma forma ou foi ao encontro do que esperavas? O que gostas mais no país e no clube?
Em termos de vida, estava à espera de um estilo de vida mais barato, está tudo mais ou menos como em Portugal. Eu vivo na capital, Yerevan, que é uma cidade bastante agradável, europeia. Ainda se vê algumas coisas de país de Leste, mas já se vê muita coisa recente, como estamos habituados a ver em Portugal. Mas fora do centro não há nada, é tudo deserto, muito antiquado… Mas é uma questão de adaptação. Agora já não me faz diferença, mas no início foi um bocado um choque.

E em termos futebolísticos?
É um bocado diferente, porque são 10 equipas, 4 voltas, jogamos muitas vezes contra as mesmas equipas. Na Taça entramos logo nos oitavos-de-final, ou seja, é mais “fácil” ganhar, porque são só 4 jogos. O que tenho notado é que há 2 grupos: 5 equipas lutam para não descer e 5 lutam ou para ganhar, ou para ir às eliminatórias europeias. O campeonato não é muito equilibrado.

Como é viver na Arménia? As pessoas, o clima, a comunicação, a comida?
Aqui, ou é muito quente ou é muito frio. Apanhei 35 graus, uns meses com bastante calor. A partir de meados de Outubro começou a ficar frio. Não tem chovido quase nada e ainda não nevou, acredito que daqui a um mesito comece a nevar. No clube a comunicação é fácil porque a maioria ou é estrangeiro, ou sabe falar inglês, mas na nossa vida pessoal é mais complicado porque as pessoas não sabem falar inglês. Mas se conseguirem comunicar minimamente, tentam ajudar, o que nos faz sentir mais em casa, mais aconchegados. A comida… Estou com muitas saudades da comida portuguesa (risos)! Apesar de cozinhar em casa, mas se quiser ir comer fora, comer algo diferente… Então em termos de peixe, aqui praticamente não há, é quase nulo. É tudo muito como a Turquia, kebabs, pão… É por aí. Agora vou um mesito a Portugal e dá para tirar a barriga de misérias (risos)!

martimrioave(Foi com a camisola do Rio Ave que o atleta natural da Maia terminou a formação e se estreou a nível sénior.)

Vives na capital mas o clube é de outra cidade, certo?
É de uma cidade próxima [Armavir], o nosso centro de treinos fica a 20, 25 minutos. Mas aqui há bastante trânsito, há dias em que é quase uma hora para chegar lá.

E é fácil conduzir aí?
Quando vim para cá, estava a pensar alugar um carro. Mas depois de estar aqui dois ou três dias vi que era impossível porque eles são completamente malucos na estrada! Há acidentes por todo o lado, passam pela esquerda, pela direita… Por isso é que há tanto trânsito. Quase que se atropelam uns aos outros, é apitadelas a toda a hora. É uma confusão.

Como surgiu a possibilidade de ires jogar para a Arménia? Ainda tinhas contrato com o Santa Clara…
Ainda tenho! Estou emprestado até ao fim da época e ainda tenho mais um ano de contrato com o Santa Clara. Estava em casa, porque nem comecei a fazer a pré-época com o Santa Clara, e ligaram-me a dizer que havia uma proposta da Arménia. Fiquei um bocado “Onde é que é isto?” Sabia que existia o país, mas não fazia ideia onde ficava, a quantas horas, como era o país… Foi tudo uma pesquisa, ainda fiquei um bocado reticente, mas felizmente a coisa deu-se e está a correr bem.

Esta já não é a tua primeira aventura fora de Portugal. Como foi a experiência na Polónia?
Foi bastante boa. Mesmo a II Liga é bastante boa, difícil, mais ou menos como a nossa em Portugal. Por ter sido a primeira foi um pouco diferente, era mais novo, mas foi bom para agora ser mais fácil a adaptação, a comunicação. A chave para jogarmos fora do nosso país é isso, é a adaptação. No início por acaso até foi bastante bom, joguei os primeiros 10 jogos a titular, mas depois mudámos de treinador e as coisas tornaram-se diferentes. Mas acontece no futebol, e quer jogue, quer não jogue, ganha-se sempre alguma coisa.

martimsosnowiec(Em 2020, o futebolista luso rumou ao estrangeiro pela primeira vez na carreira, tendo disputado a II Liga da Polónia pelo Zaglebie Sosnowiec.)

Na altura tinhas rescindido com o Rio Ave para ir para a Polónia. Porquê?
Eu fiz os sub-23 do Rio Ave e a seguir fui emprestado ao Casa Pia, que foi o ano da pandemia, a época não chegou a acabar. Quando regressei foi tudo um impasse, não se sabia o que ia acontecer, o Rio Ave tinha uma equipa muito forte, e eu com 20 ou 21 anos queria era jogar, queria-me mostrar. Surgiu a oportunidade da Polónia, um português trabalhava nessa equipa [Zaglebie Sosnowiec], já tinha visto jogos meus, contactaram-me e decidi rescindir e assinei por 2 anos. Acabei por sair ao fim do primeiro, porque a coisa não correu como eu estava à espera, era o primeiro ano fora de casa, ainda passei uns meses difíceis… Agora, se me perguntassem, se voltaria, diria que sim, porque agora se calhar já seria diferente, mas na altura o que eu queria era jogar, voltar a mostrar-me para voltar a Portugal e foi por isso que saí.

Acabas então por voltar para Portugal mas para a Liga 3, depois de já teres jogado na II Liga.
Sim, aquilo depois arrastou-se naqueles meses de verão e não surgiram equipas de II Liga, acabei por ser “encostado à parede”. Surgiu o Amora, a expectativa era boa, o que me apresentaram também foi bom e também decidi arriscar: se fizesse um ano mau, podia comprometer a minha carreira; se fizesse um ano bom, podia ser que voltasse a jogar onde eu queria e mostrar-me. E felizmente foi o que aconteceu.

Foste eleito várias vezes para a Equipa da Semana, depois ficaste na Equipa do Ano e surge o Santa Clara, na altura na I Liga!
Eu tinha assinado só um ano com o Amora, por isso no fim da época ficava livre para decidir onde ia jogar. Uma proposta de I Liga, claro que uma pessoa se sente sempre tentada, é sempre o objectivo de qualquer jogador português que nunca tenha pisado patamares maiores. Foi uma boa proposta e foi a cereja no topo do bolo nesse ano.

As oportunidades de jogar é que não surgiram…
Sim, fiz a pré-época toda mas por opção não entrei nas contas. Foi um ano de mudanças no Santa Clara, muita instabilidade e a melhor solução era ser emprestado. Fui para o Trofense, até já tinha começado a época.

martimcasapia(Martim Maia em duelo com Nuno Santos durante o Benfica B 4-0 Casa Pia a contar para a 16ª Jornada da II Liga 19/20.)

O Trofense acaba por descer, e agora passados poucos meses até te vês no cenário de poder vir a conquistar troféus. É fácil mudar o chip em tão pouco tempo?
Todos os jogadores querem lutar para ser campeões, para ganhar taças. Nem todos o conseguem. No Trofense não joguei muito, não foi um bom ano para mim, ainda por cima a lutar para não descer. A mudança de chip é um bocado natural, porque nós queremos ganhar os jogos todos. Claro que, consoante o plantel que temos, consoante o adversário que vamos defrontar, temos de ser realistas, mas à medida que o tempo vai passando vemos a capacidade da nossa equipa, o que podemos fazer, para que objectivo podemos lutar. Obviamente que este ano estou muito mais contente, ambicionando a coisas maiores, a ganhar todos os jogos, não jogar para empatar. É sempre uma motivação diferente.

E na tua posição e função, faz alguma diferença ou nem por isso?
Para o que eu gosto de fazer, para o meu estilo, se jogar numa equipa que lute para ganhar, que esteja sempre em cima do jogo, para mim é melhor, porque gosto de ter bola, gosto de tocar muitas vezes na bola. Se estiver a jogar numa equipa que luta para empatar ou não perder, joga-se mais defensivamente, e acaba por ser um bocadinho diferente, sim.

Onde é que gostaste mais de jogar em termos de futebol jogado? Qual se adequou mais às tuas características?
Eu acho que me adaptei sempre bem, jogando mais ou menos. Gosto de jogar em Portugal, porque temos muita qualidade. Aqui estou a adaptar-me bastante bem, porque é um jogo em que o meu estilo de jogo me favorece: tenho muitas vezes a bola, tenho muitas vezes a iniciativa de jogo. Mas acho que não consigo dizer se gostei mais de estar aqui ou ali. Nós gostamos sempre de estar onde jogamos, por isso agora estou aqui, estou a jogar e estou a gostar da Arménia.

martimstaclara(Contratado pelo Santa Clara em 2022, o jogador nortenho ainda não teve oportunidade de singrar nos açorianos.)

No teu primeiro ano de sénior ainda chegaste a jogar nas distritais pela equipa B do Rio Ave. Como recordas essa experiência? Há de facto muitas diferenças em relação aos escalões profissionais?
Acho que onde se nota mais é na organização. A nível profissional tem de se jogar mais rápido, e para isso tem de haver mais qualidade, temos de ter outro tipo de características. Nas distritais é mais físico, mais atabalhoado, confuso. Muitas vezes não se ganha pela qualidade mas sim pela crença, pelo querer. É um jogo mais a meio-campo, de duelos. Acaba por ser difícil para um jogador com mais qualidade técnica conseguir destacar-se. Às vezes, estar num patamar mais acima torna-se mais “fácil” (claro que é mais difícil noutros aspectos).

Sempre jogaste na posição de médio mais defensivo?
Normalmente aqui jogamos com dois médios mais defensivos, um vai mais à frente, o outro fica. E se calhar é a forma como eu mais gosto de jogar. Não digo que sou um 6 ou um 8, acho que consigo fazer os dois. Com outro jogador ao lado favorece o meu jogo, tenho um bocadinho mais de liberdade para ir à frente ou ficar. Quando comecei a jogar, como era maior do que os outros, joguei a central, mas entretanto eles começaram a crescer e eu não (risos), por isso passei mais para a frente. Acho que é a posição certa para mim.

Para quem nunca te viu jogar, como é que te descreves enquanto jogador?
Sou um jogador bastante de equipa, muitas vezes preocupo-me mais com a equipa do que comigo. Sou agressivo quando tenho de ser, não dou porrada mas quando tenho de fazer umas faltas, faço. Tecnicamente acima da média, na minha opinião, tenho um bom passe longo, que gosta de jogar a 1, 2 toques.

Qual o aspecto em que consideras ter evoluído mais ao longo da carreira? E onde achas que ainda podes melhorar?
O que posso melhorar é nos golos. Os médios hoje em dia fazem mais golos, mesmo os mais defensivos, e um médio com golos é muito mais valorizado. Agora querem-se números, golos, assistências, e às vezes somos contratados também por isso, não só pelos minutos ou por jogarmos bem. Tenho de chegar mais vezes à frente, chutar mais vezes à baliza. O meu pai está-me sempre a chatear, que tenho de chutar mais vezes à baliza, que tenho de fazer golos. Onde tenho evoluído mais… Acho que em termos posicionais. O posicionamento em campo. Claro que ainda posso melhorar mais, mas na minha posição é muito importante, para podermos jogar o mais rápido possível, para podermos antecipar as jogadas, e acho que tenho vindo a melhorar bastante.

martimamora(No Amora, Martim Maia fez uma época de afirmação que lhe permitiu “dar o salto”.)

Quem são os teus ídolos de infância, ou em quem te revias/revês mais na tua posição?
Gostava muito do Xavi, um jogador completamente diferente. Iniesta também. Um que adoro ainda hoje é o Modric. Não me revejo muito nele, mas tento aprender alguma coisa ao vê-lo jogar na televisão.

Que treinador mais te marcou?
Infelizmente ou felizmente, na minha curta carreira profissional nem sei quantos treinadores já tive. Mas consegui tirar um bocadinho de cada um. Ainda só tenho 25 anos, ainda vou ter muitos mais treinadores, espero eu (risos), e irei aprender muito mais.

O que ainda tens para atingir na carreira? Quais os objectivos que ainda esperas alcançar?
Eu pretendo conquistar títulos. Pode ser na Arménia, pode ser noutro país qualquer. Lutar por coisas maiores. Se for numa Liga melhor, mais gratificante era; se pudesse ser em Portugal, melhor. Mas não penso muito nisso, quero agora é fazer jogos, fazer golos, assistências, divertir-me um bocadinho. O dinheiro que ganhamos também é importante. Depois logo se vê. Se puder conquistar títulos e coisas importantes, melhor.

Rafael Floro: “O que me dá mais prazer é jogar com os estádios cheios”

floronovi(Rafael Floro precisou de pouco tempo na Sérvia para fazer um grande golo.)

Foi com um autêntico golaço que Rafael Floro se estreou a marcar pelo Novi Pazar: contratado no último Verão pelo emblema sérvio, o lateral esquerdo abriu caminho à vitória da sua equipa sobre o Vojvodina (3-1), somando, até ao momento, 8 jogos pelo atual 6º classificado da I Liga a par do Cukaricki.
Quem olha para a carreira do futebolista natural de Quarteira, repara de imediato que este gosta de desafios: com passagens pela formação de Sporting e FC Porto, o esquerdino já atuou em Inglaterra ao serviço do Sheffield Wednesday e mais recentemente somou experiências na Lituânia (Stumbras e Panevezys) e na Finlândia (AC Oulu), tendo ainda representado Belenenses, Gil Vicente ou Olhanense.
Atualmente com 29 anos, Rafael Floro, que foi 8 vezes internacional por Portugal entre os Sub-18 e os Sub-20 e disputou o prestigiado Torneio de Toulon em 2014, confessa nesta entrevista que gostava de jogar na nossa I Liga, mas admite que, caso não consiga atingir esse objetivo, a sua vontade passa por continuar em Países cujo futebol é vivido de forma intensa como acontece na Sérvia:

À Bola pelo Mundo/Conversas Redondas: Estreaste-te a marcar na Sérvia com um golaço. A tua ideia foi sempre rematar, ou decidiste arriscar apenas no momento?
Rafael Floro: O guarda-redes esticou na frente, o central cortou a bola e eu estava ali próximo, porque normalmente apoio sempre o extremo para a segunda bola. Ela sobrou para mim, eu dominei de peito e entretanto o Adem [Ljajic], que jogou na Fiorentina, Inter de Milão, Besiktas, fez o overlap e pensei em dar-lhe a bola, mas depois vi que nenhum defesa estava a vir, tinha espaço para rematar e decidi tentar a minha sorte. De vez em quando acerto ali de longas distâncias (risos) e fiz um bom golo. Depois fui festejar com os adeptos que nós temos, que são fantásticos.

Pode dizer-se que foi um bocadinho o teu cartão de visita para os adeptos? Achas que agora ficaste apresentado?
Não sei, aqui temos de ir jogo a jogo. Eu estive muito tempo parado, por isso é normal não estar logo a 100 por cento quando cheguei. Tive de recuperar tudo, o ritmo de jogo, a confiança.

Quais são os objectivos para a época, individuais e colectivos?
A nível individual, é fazer assistências, golos, minutos. Colectivamente, eles falam muito da Liga Europa, mas eu cada vez mais percebo que aqui tem de se ir jogo a jogo, porque os jogos aqui são muito equilibrados, as equipas não são muito consistentes. Na nossa equipa entraram agora vários jogadores de enorme qualidade que estiveram vários meses parados e estão a recuperar a forma, o treinador também é novo, leva sempre algum tempo até impor as suas ideias, mas já estamos a jogar melhor futebol, estamos mais unidos também, com uma energia mais positiva, e os resultados estão a começar a aparecer, mesmo contra equipas fortes. Agora é ver se damos continuidade, ainda que os dois próximos jogos sejam muito difíceis, contra o TSC, que defrontou o Braga, e depois o Partizan em casa, num jogo que vai ser à porta fechada.

floropanevezys(Ao serviço do FK Panevezys, o esquerdino conquistou a Taça e a Supertaça da Lituânia.)

Porquê?
Porque eles aqui gostam muito de futebol, na nossa cidade (na Sérvia deve ser o Red Star, o Partizan e depois nós que temos as maiores claques), e gostam de atirar petardos, tochas, fogo de artifício, e houve um jogo, depois da nossa segunda derrota, em que atiraram para o campo e acertaram no nosso guarda-redes e no central. Depois a federação decretou dois jogos à porta fechada. Mas pelo que me dizem, aqui é normal (risos)! Aqui são adeptos fervorosos, não só no futebol, no basquetebol por exemplo também.

Já vais tendo algum conhecimento do futebol na Sérvia. Que tens a dizer da qualidade? Surpreendeu-te de alguma forma?
Quando estive no Panevezys já tinha jogado na Conference League contra o Vojvodina, curiosamente a equipa a quem marquei agora. O futebol tem intensidade, tacticamente é bom, fisicamente também. Mas é mais do mesmo, o futebol hoje em dia é tudo muito igual, com o conhecimento que há hoje.

E adaptaste-te bem?
No início não foi assim muito fácil, porque nem toda a gente aqui fala inglês. Mas tive de ver como são as coisas, também já tenho a experiência de outros países, sei como são as coisas. Faço à minha maneira, vou com calma, pensamento positivo e as coisas acontecem na hora em que têm de acontecer.

florogil(O Gil Vicente é um dos clubes que o lateral já representou no nosso País.)

Já tens alguma história curiosa para contar aí?
Depois de um treino ofereceram-nos um jantar num restaurante e os donos puseram uns cachecóis do clube à volta da mesa, na parede, e depois começaram a mandar petardos, a acender tochas e a cantar no meio do jantar! Até partilhei nas minhas redes sociais. Dá um ambiente diferente, em Portugal acho que é proibido, mas aqui qualquer treino, qualquer jogo até choram para atirar petardos e tochas (risos)! Quando fomos ao Red Star, estavam cerca de 35 mil adeptos no estádio, eles fizeram a coreografia, ficou um ambiente que eu nunca tinha vivido e que vou levar para a vida. Até gravei.

Qual é a vossa média de adeptos em casa?
Os nossos primeiros dois jogos foram à porta fechada (risos). Depois tivemos um jogo com 4 mil, depois no outro foram 6 ou 7 mil. Dizem que costuma ser à volta disso. O estádio leva 10 mil. Os nossos adeptos têm uma espécie de pacto com o Fenerbahçe, nesta cidade há muitos turcos. No nosso estádio costumamos ter muitos adeptos com a camisola do Fenerbahçe, às vezes é metade-metade.

E como é a vida aí? O clima, a comida, as pessoas…
Por acaso até me surpreendi com as pessoas, fazem-me lembrar um bocado os brasileiros. São muito abertos, sempre a sorrir e a querer brincar. Na cidade, como somos jogadores, querem-nos sempre pagar tudo, não nos deixam pagar nada. Querem sempre tirar fotografias… Eles adoram mesmo o clube da cidade. Os sérvios são fixes (risos)! Na Lituânia e na Finlândia é diferente, são mais frios, mais fechados e não ligam tanto ao futebol. Em termos de clima também me surpreendeu, faz-me lembrar Portugal. No jogo deste fim de semana estavam 26 graus, mas como é uma região montanhosa, à noite pode fazer 3 ou 4 graus. A diferença é grande. Acho que agora vai começar a fazer mais frio, à tarde vai estar por volta de 14 graus e à noite 0 ou 1. Mas no verão andava sempre à volta dos 35, 36. Eu estava habituado às temperaturas da Finlândia e da Lituânia, para mim foi espectacular, porque não gosto de frio. Mas com o que passei lá, já nenhum frio me afecta (risos)! Comida, gosto de todo o tipo, mas eles têm algumas coisas específicas como hambúrgueres ou salsichas que eles fazem com as carnes deles. E como é uma zona com muitos muçulmanos, fazem muito kebab e assim, mas com um toque sérvio. Eu gosto da comida deles. Eles têm um pequeno almoço que se chama “mantie”. Não sou muito de comer doces, mas às vezes no fim dos jogos como qualquer coisa e eles fazem doces parecidos com os portugueses, metem muito açúcar como eu gosto (risos). Mais uma vez, prefiro a comida deles à dos lituanos ou dos finlandeses.

florosheffield(O Sheffield Wednesday foi o primeiro clube que Floro representou no estrangeiro.)

Como surgiu a oportunidade de ires para a Sérvia?
Eles viram-me quando joguei contra o Vojvodina, e entretanto conheci um empresário com contactos cá. Ele falou com o treinador, que gostou do meu perfil, viu jogos meus e quis que eu viesse, mas queria saber como é que eu estava fisicamente. Vim, estive 5 dias a treinar, eles gostaram, viram que eu estava bem, e fiquei.

Tu não tens medo de arriscar e partir à aventura, o teu currículo fala por si. Depois de vários clubes na formação, entre os quais o Sporting e o FC Porto, foste para o Sheffield Wednesday logo com 19 anos. Como aconteceu essa mudança?
O clube mostrou interesse, falou com o Porto e eles aceitaram, ficaram com uma percentagem de futura transferência. O Capucho, que era o treinador dos juniores, queria apostar no Rafa Soares e eu falei com o Luís Castro, que era o coordenador, para sair, porque tinha equipas da I Liga interessadas, mas ele não deixou. Quando és júnior de segundo ano, se não jogas, é difícil dar o passo seguinte, pelo menos na altura era. E eu tinha o desejo de continuar a ir à selecção e jogar a um nível alto, e graças a Deus apareceu a hipótese de ir para Inglaterra, numa liga espectacular em comparação com a II ou até mesmo a I portuguesa, e foi das melhores experiências que tive na vida. E espero um dia voltar, seja como jogador ou treinador. Inglaterra é mesmo o mundo do futebol.

E como foi o impacto de jogar no futebol inglês no primeiro ano de sénior?
Era um miúdo, não tinha noção nenhuma, cheguei lá e era um mundo à parte. Fomos fazer um jogo-treino, que em Portugal normalmente é à porta fechada, ali contra uma equipa da League Two ou League One, o estádio a levar 10, 12 mil pessoas! Eu estava habituado a jogar nos juniores com 400, 500 pessoas… Mas adaptei-me. Fiz 2 jogos, treinava com a equipa principal e jogava nas reservas. Depois pronto, às vezes não temos calma, queremos as coisas para ontem e tomamos más decisões. Errei nesse aspecto.

rafaelfloro(Antes de se mudar para a Sérvia, o lateral atuou nos finlandeses do AC Oulu.)

Estás a referir-te à saída para o Belenenses no verão de 2015.
Sim. Havia ofertas de clubes da League One, mas vários empresários contactaram-me a informar do interesse do Belenenses, fizeram-me a oferta, o presidente [Rui Pedro Soares] disse-me que o Filipe Ferreira ia ser vendido para a Grécia e que eu iria jogar. Assinei por 4 anos, e se calhar foi um dos maiores erros que eu fiz. Mas é assim, quando somos novos, se não tivermos o acompanhamento correcto, tomamos decisões precipitadas e depois temos de correr atrás.

Acabaste por fazer apenas uma pré-época lá, certo?
Não, eu estive lá 6 meses. Eles queriam-me inscrever, mas depois contrataram jogadores a mais, tiveram de rescindir com 2 para abrir vaga, uma confusão… E depois sobrou para mim, o miúdo. Abri a vaga, continuei a treinar com a equipa e depois queriam-me emprestar, mas com o Casa Pia foi mais uma confusão. Foi só confusões no Belenenses! Fui para o Casa Pia, fiz uns quantos jogos, até marquei, mas depois o Belenenses chamou-me de volta e o presidente não quis que eu voltasse para o Casa Pia. Em Janeiro chegou um treinador novo, o Júlio Velázquez, e disse que contava comigo; chegou ao último dia do mercado e disse que já não contava, porque só podiam inscrever 5 novos jogadores. O presidente queria-me mandar para o Bragança e eu já andava ali há 6 meses de um lado para o outro, uma confusão do caraças, então decidi: ‘Vou para o pé da minha família, preciso de pôr a cabeça no lugar’, e fui para o Almancilense. Acho que no Belenenses ficaram chateados, mas é assim a vida.

Depois vais para o Louletano já sem vínculo com o Belenenses?
Sim. Joguei lá 6 meses e depois fui para o Gil Vicente, apareceu a oportunidade de ir para a II Liga.

E depois do Cova da Piedade, como surge a possibilidade de ires para a Lituânia?
No Cova da Piedade não joguei muito. Entretanto acabou o campeonato, eu não queria voltar para o CNS, queria manter-me numa liga profissional, fiquei à espera, até que apareceu um empresário com a proposta do Stumbras. Eu não tinha mais nada e fui experimentar. Era um clube quase português, o Mariano Barreto era tipo o dono. Foi uma experiência diferente, o campeonato até me surpreendeu, não conhecia nada. Qualificámo-nos para a Liga Europa e queriam que eu ficasse para o ano seguinte, mas eles atrasavam sempre nos pagamentos e por isso decidi voltar para Portugal, apesar de ter gostado muito do treinador, que mais tarde voltei a apanhar no Panevezys [João Luís Martins] e também alguns colegas.

florobelem(A experiência do algarvio no Belenenses não lhe correu como desejava.)

Vieste acabar a época 2018/19 no Felgueiras.
Sim. Fiz lá 2 bons meses, fiz golos e assistências, estive na Equipa do Mês logo no primeiro mês e no fim do segundo fui eleito para a Equipa do Ano. Depois o campeonato lá terminou, fiquei á espera de algo melhor, não apareceu nada e entretanto apareceu o Felgueiras, que queria subir. Não aconteceu, e depois apareceu o Olhanense, perto de casa, salário bom para o nível do CNS. Fizemos uma equipa do caraças, chegámos a ter 10 pontos de avanço, mas mais uma vez as histórias que acontecem em Portugal: primeiro disseram que era para jogar eu, porque o miúdo que lá estava [Leonardo Lelo] ia ser vendido, já estava tudo certo para o Benfica; entretanto não o venderam e tinha de jogar, porque era um activo do clube e queriam vendê-lo, e sobrou para mim, que tinha de arranjar clube porque tinha um salário alto. Acabou por aparecer novamente a Lituânia, com um clube que tinha acabado de subir à I Liga e tinha um projecto de ir à Liga Europa; pensei que podia ser engraçado e fui, porque não tenho medo de arriscar. Só preciso de ter a bola no pé, de resto está tudo bem (risos)!

Nessa segunda passagem pela Lituânia ganhas a Taça e a Supertaça. Foi a melhor fase da tua carreira?
Em termos colectivos, sim. Ao início foi complicado porque tínhamos um treinador moldavo que treinava à moda antiga: correr, subir bancadas, subir montanhas. Depois mandaram-no embora, porque não tínhamos resultados, e veio o João, que nos pôs a jogar futebol. Ganhámos a Taça que ninguém estava à espera, porque éramos dos últimos no campeonato, qualificámo-nos para a Conference, a primeira edição, e depois ganhámos a Supertaça e ficámos em quarto, qualificámo-nos novamente para a Europa. Joguei grande parte da época a lateral-direito, porque lá há limite de estrangeiros e o anterior treinador tinha ido buscar dois estrangeiros para a mesma posição. Então o mister João quis usar os 2 e pôs-me à direita. Eu não gostava muito, nos primeiros 4 ou 5 jogos estava um bocado chateado porque não podia fazer as minhas movimentações normais, mas evoluí noutros aspectos: a defender, a trabalhar outra parte do corpo, e depois comecei a ver que podia rematar de fora da área, comecei a marcar uns golos engraçados (risos) e a achar piada à posição, podia rematar mais puxando para dentro – a lateral-esquerdo não tenho tanta hipótese. Depois fui para a Finlândia e aí foi a melhor época em termos individuais.

Como se deu essa mudança para a Finlândia?
Eu quero estar sempre em campeonatos melhores, onde o futebol seja mais valorizado. Lá vivem mais o futebol, há melhores estádios, é mais competitivo. O treinador também era português, contava comigo, e o salário também era um bocadinho melhor. Além disso, no Panevezys o treinador ia embora, para o Marítimo, e com essa incerteza e o convite da Finlândia, arrisquei e acho que foi a melhor opção.

floroporto(Rafael Floro, aqui em ação pelos Juniores do FC Porto num amigável diante do Paivense em Novembro de 2012, esteve duas épocas nos “dragões”.)

Qual foi o sítio onde gostaste mais de jogar? Qual se adaptou melhor às tuas características?
O que mais gostei foi em Inglaterra. Claro que gostei de jogar nos ‘grandes’, Sporting, FC Porto, mas nessa altura era muito novo. Hoje, com outra experiência de vida, penso que se jogasse em Inglaterra com esta experiência as coisas seriam diferentes. Eu aproveitei cada momento ao máximo, gostei de todos, mas se pudesse voltar atrás, teria ficado sempre em Inglaterra, porque é onde se vive o futebol a 200 por cento. Apesar de ter sido mais feliz na Lituânia. Aqui na Sérvia está a ser fantástico, sou muito acarinhado pelas pessoas na rua, também pelo facto de ser português, fazem sempre referência ao Ronaldo, os mais novos estão sempre a gritar ‘Siiiiim’. Por isso gosto bastante de estar aqui. Vamos ver como corre.

Como te descreves enquanto jogador? Quais as tuas maiores qualidades e onde achas que ainda podes melhorar?
Remato bem, sou rápido, dinâmico. Melhorar… Há sempre alguma coisa. Aspectos tácticos, jogo aéreo, trabalhar mais o pé direito. Com o passar dos anos melhorei bastante a concentração, o jogo defensivo. Antes era um lateral muito ofensivo, hoje vou mais pela certa, pelo menos aqui na Sérvia, como jogamos com extremos não posso arriscar muito nem subir tanto.

Quais os teus ídolos de infância? Em quem te revias/revês na tua posição?
O meu jogador preferido sempre foi o Roberto Carlos. Depois, queria ser extremo e gostava do Ronaldo na altura do Manchester United, do Quaresma, íamos para a rua fazer as fintas deles. Depois quando comecei a jogar a lateral comecei a gostar muito do Marcelo. Gosto muito do Cancelo, que foi meu colega [nas selecções jovens].

floropt(A 23 de Maio de 2012, Rafael Floro, que é o número 5, somou a segunda de oito internacionalizações por Portugal no Restelo. Em cima, da esquerda para a direita: Jorge Azevedo, Tobias Figueiredo, Carlos Daniel, Luis Cortez, Fábio Cardoso e José Costa; em baixo, pela mesma ordem: Rafael Floro, Frédéric Maciel, João Teixeira, Filipe Chaby e Iuri Medeiros.)

Que treinador mais te marcou?
Bruno Saraiva, no Inter de Almancil. Depois de sair do Sporting, fui para a Académica e depois voltei ao Algarve e queria desistir do futebol. Acabei por ir para o Inter de Almancil e ele mudou a minha mentalidade, a minha maneira de pensar, fez com que acreditasse em mim e desde então foi sempre a subir, consegui ser profissional de futebol. Teve muita influência para eu conseguir cumprir o meu sonho e tentei sempre levar para a minha vida esses ensinamentos dele. Ajudou-me bastante, e depois fui para o FC Porto. E depois tive outros treinadores de quem também gostei muito, como o João Luís Martins. O Luís Castro não foi meu treinador mas agora gosto muito dele como treinador, se calhar teria desfrutado se o tivesse tido como treinador na altura. Gosto da maneira como ele lida com os jogadores.

Que objectivos ainda esperas atingir na carreira?
Eu quero atingir o nível mais alto que conseguir. Se calhar a minha ideia não será a mais lógica para outras pessoas, mas eu quero tentar chegar a um nível que poderia ter chegado mais cedo. Gostava de jogar na I Liga portuguesa, mas sei como funcionam as coisas. Se der, melhor; se não, que seja uma liga que viva o futebol, que encha os estádios. Claro que o salário é importante, mas a mim o que me dá mais prazer é jogar com os estádios cheios, num ambiente onde as pessoas da cidade gostem do clube, como aqui na Sérvia. Se puder jogar sempre nesses ambientes assim, é o que eu mais quero. O melhor que levamos quando terminar a carreira são as memórias, a adrenalina de jogar com os estádios cheios. Nesse aspecto, sempre desejei jogar na Sérvia e graças a Deus consegui. Agora é continuar e esperar que não haja muitos mais jogos à porta fechada (risos)!

Casa Pia: mais certeza do que promessa

CasaPiaFCPorto2223(Afonso Taira e Marko Grujic numa luta de médios durante o Casa Pia – FC Porto de ontem. Créditos de imagem: Liga Portugal.)

Começam a faltar elogios para descrever a temporada do Casa Pia até ao momento: de regresso ao topo do nosso futebol após uma ausência superior a oitenta anos, o emblema lisboeta tem-se afirmado como a grande surpresa do campeonato, somando já vinte e sete pontos, resultantes de oito vitórias e três empates.
O empate de ontem, contra o FC Porto (0-0), permitiu aos comandados de Filipe Martins manterem o quinto lugar, último a dar acesso às provas europeias, com três pontos de vantagem sobre o Vitória SC, numa altura em que ainda faltam duas jornadas para o fecho da primeira volta – na próxima semana deslocam-se ao Estoril e depois recebem o Gil Vicente.
Com apenas um golo sofrido nos primeiros cinco jogos, que ditou a derrota com o Benfica em Leiria, o Casa Pia cedo mostrou ao que vinha: após esse desaire com os encarnados em casa emprestada, arrancou para uma série de seis jogos sem perder, na qual registou cinco triunfos, três deles consecutivos entre as Jornadas 6 e 8 que lhe valeu a subida ao quarto lugar de forma isolada.
As derrotas com Vizela (casa, 0-1) e Sporting (fora, 1-3) não fizeram mossa aos casapianos, que de imediato retomaram o caminho das vitórias: se o êxito diante do Rio Ave (1-0), no Jamor, não é surpreendente, o mesmo já não se poderá dizer do triunfo em Braga (1-0), na 12ª Jornada, resultado que permitiu aos “gansos” continuarem no quarto posto à frente do Sporting – situação que se invertiu na ronda seguinte, quando perderam com o Chaves (1-2) naquele que foi último jogo antes do Mundial.
A retoma da normalidade desportiva após o torneio do Qatar trouxe novo triunfo ao Casa Pia, que foi ao Algarve derrotar o Portimonense (2-1) antes de “medir forças” com o FC Porto: pese embora tenham ficado reduzidos a dez elementos nos descontos da primeira parte devido à expulsão de Lucas Soares, os lisboetas aguentaram a pressão dos portistas e conquistaram um empate histórico, que vem, de certa forma, premiar o desempenho até então – foi também a primeira vez que o clube tirou pontos a um dos ditos “grandes” na Liga.
De resto, o resultado obtido este sábado contra o Campeão Nacional em título, espelha bem aquilo que é o Casa Pia: uma equipa experiente e muito bem orientada que tem no bloco defensivo uma das suas principais armas, mantendo-se sempre organizada, compacta, e até confortável perante o domínio exercido pelos “dragões”.
Sendo certo que ainda há muito Campeonato para se jogar, também é factual de há alguns meses a esta parte que o Casa Pia é mais certeza do que promessa.

Nuno Tavares: o goleador inesperado de margem grande e pavio curto

nunotavares

Nuno Tavares, lateral esquerdo que representa os franceses do Olympique Marselha, é o destaque desta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

Não é engano: o melhor marcador do Marselha na Ligue 1 (ainda que a par de Alexis Sánchez) chama-se Nuno Tavares. Sim, esse mesmo: o lateral-esquerdo que no verão de 2021 saiu do Benfica rumo ao Arsenal, partindo há 6 meses para Londres por empréstimo dos Gunners. Autor de 3 golos nas primeiras 4 partidas oficiais ao serviço dos marselheses, Nuno Tavares fez agora mais 2 em jogos consecutivos, com o tento apontado na visita ao reduto do Montpellier a revelar-se decisivo para a vitória dos marselheses (1-2).

Esta já é, de longe, a temporada mais concretizadora da carreira do lateral nascido em Lisboa e com formação dividida entre Casa Pia, Sporting e Benfica. Até aqui, o máximo de golos apontados por Nuno Tavares numa temporada havia sido… um: aconteceu em 2019/20, curiosamente na sua estreia na I Liga (numa goleada por 5-0 ao Paços de Ferreira onde ainda fez mais 2 assistências e jogando no lado… direito da defesa encarnada), e já no Arsenal, numa vitória por 3-1 sobre o Manchester United de Diogo Dalot, Bruno Fernandes (que falhou um penalty) e Cristiano Ronaldo (que também marcou).

O embate em Montpellier, porém, acabou por ficar marcado também pela expulsão do lateral-esquerdo luso já nos minutos finais após pontapear um adversário – sendo que, enquanto saía do relvado, Nuno Tavares foi ainda fazendo gestos direccionados aos adeptos contrários a simbolizar o resultado que então se verificava (0-2). Um comportamento que acabaria por ser alvo de críticas por parte do técnico do Marselha, o croata Igor Tudor: “Ele perdeu a cabeça e vai levar uma boa multa. Vai aprender uma lição para o futuro.”

Este não foi, na verdade, o primeiro “incidente” protagonizado por Nuno Tavares esta temporada. Aquando do primeiro confronto com o Sporting na fase de grupos da Liga dos Campeões (que o Marselha venceu por claros 4-1), o esquerdino causou polémica ao afirmar que havia sido provocado e alvo de “bocas” por parte do banco leonino; após o jogo da segunda volta, com os franceses novamente a sair por cima (vitória por 2-0 em Alvalade, com os Leões a ficarem reduzidos a 10 jogadores logo aos 19 minutos, por expulsão de Esgaio, e a 9 aos 61, por vermelho a Pedro Gonçalves), Nuno Tavares voltou à carga desta forma: “Ele dentro de campo ainda me tentou atiçar um bocadinho, mas acho que se devia preocupar mais em manter os jogadores dele dentro do campo do que mandar boquinhas, mas já não ligo. Ganhámos o jogo e estou contente com isso. Não tenho de fazer as pazes com ele, tenho mais coisas com que me preocupar. E às vezes quando se cospe, acaba por cair na testa.”

As polémicas, de resto, já vêm do tempo de Benfica. Na fase final da temporada 2020/21, um vídeo foi publicado nas redes sociais no qual Nuno Tavares surgia abraçado a um conhecido que proferia as seguintes palavras: “Este puto é o futuro, aquele espanhol do c… nunca mais se vai embora para o puto vingar de vez”; em resposta, o jovem lisboeta garantia: “Se não for no Benfica, é noutro sítio”. Nuno Tavares acabaria depois por emitir um pedido de desculpas oficial, acompanhado de uma imagem ao lado de Grimaldo, mas não havia volta a dar: pouco mais de duas semanas depois, seria oficializada a sua transferência a título definitivo para o Arsenal por 8 milhões de euros (mais 2,5 variáveis).

Para trás ficavam 6 anos de Benfica, nos quais conquistou um campeonato nacional de juniores (2017/18) e uma Supertaça (2019/20), esta precisamente na sua primeira partida oficial pela equipa principal, num incrível 5-0 ao Sporting onde foi adaptado a lateral-direito – o que aconteceria na maioria dos 16 jogos que fez pela equipa nessa época 2019/20, dadas as lesões prolongadas de André Almeida e Ebuehi. Cumpriria mais 25 na temporada seguinte, durante a qual chegou a ser apontado por Jorge Jesus como o “futuro lateral-esquerdo da selecção portuguesa”.

Por agora ainda não atingiu esse patamar, é um facto – apesar de ter já sido pré-convocado por Fernando Santos para o último Mundial. Os 28 jogos efectuados pelo Arsenal em 2021/22 não se revelaram suficientes para se tornar indiscutível no plantel dos Gunners, até porque a maioria aconteceu nos períodos em que Kieran Tierney se encontrava lesionado. A recuperação do internacional escocês, aliada à contratação de Zinchenko ao Manchester City, tirou espaço a Nuno Tavares, que não pestanejou na hora de rumar ao Marselha por empréstimo do emblema londrino (sem cláusula de opção de compra).

A belíssima forma apresentada na primeira metade da temporada – que levou mesmo o técnico Igor Tudor a afirmar que “pode vir a ser um dos melhores do mundo” na sua posição – continua a ser replicada agra, após a paragem para o Mundial do Qatar. Nuno Tavares tem apenas 22 anos (celebra o 23º aniversário no próximo dia 26) e uma estrondosa margem de crescimento, tendo ainda a possibilidade de festejar a conquista de troféus esta temporada – o Marselha é terceiro na Ligue 1, encontrando-se a 8 pontos do líder PSG, e entrou este sábado em competição na Taça de França, diante dos amadores do Hyères (2-0), estando apenas afastado das competições europeias fruto da incrível derrota caseira ante o Tottenham (1-2) que acabou por significar a eliminação e consequente passagem do Sporting para a Liga Europa. Cabe agora ao próprio defesa português encontrar o equilíbrio entre o tremendo potencial e a gestão emocional para chegar aos patamares que há muito lhe são augurados.

Miguel Cardoso: brilhar na Turquia com outros patamares no horizonte

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Miguel Cardoso, extremo que representa os turcos do Kayserispor, é o destaque desta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

O enorme equilíbrio que se vai registando na actual edição da Liga turca faz com que, decorridas 12 jornadas, o primeiro classificado (Fenerbahçe de Jorge Jesus, Miguel Crespo e Bruma) tenha apenas mais seis pontos que o oitavo. Que, por sua vez, está a apenas três pontos do segundo e terceiros classificados, lugares que dão acesso às eliminatórias da Conference League. Ora, nesse oitavo posto encontra-se o Kayserispor, emblema pouco habituado a estes patamares (nos últimos dez anos só por uma vez terminou na primeira metade da tabela, e em nono) e onde tem brilhado a grande altura um nome bem português: Miguel Cardoso.

A cumprir a segunda temporada no emblema turco, o extremo nascido há 28 anos em Lisboa soma já 4 golos e 2 assistências nesta edição da Liga turca, encaminhando-se a passos largos para superar os números da época de estreia (7 golos e 3 assistências em 34 jogos). E, se já tinha deixado a sua marca, de uma maneira ou de outra, em 4 jogos na temporada, no último fim-de-semana fê-lo das duas formas: lançado em campo ao minuto 58, no que foi a única vez na época em que começou no banco, Miguel Cardoso faria pouco depois a assistência para o golo que relançou a sua equipa diante do Adana Demirspor (perdia por 1-0 aquando da sua entrada e entretanto sofrera ainda o segundo golo) e aos 82 minutos acabaria por apontar ele mesmo o 2-2 com que ficou selado o marcador.

A aventura turca está longe de ser a primeira da carreira de Miguel Cardoso fora do país. Logo aos 19 anos, já depois de época e meia a jogar nos seniores do Real SC, o extremo deixou o conforto da cidade onde nascera e onde sempre jogara (Rio Mouro, Benfica, Estrela da Amadora, novamente Benfica, Casa Pia e Real) para tentar a sorte no Deportivo da Coruña. Passou ano e meio na equipa de reservas, até que no início de 2015/16, depois de uma temporada onde marcou 17 golos na III Divisão espanhola, foi integrado no plantel principal do emblema galego, registando inclusivamente uma assistência para golo no histórico empate conseguido pelo Depor diante do Barcelona em pleno Camp Nou (2-2) no que foi a sua estreia na Liga espanhola.

A meio da temporada, porém, decidiu (de forma até algo surpreendente) regressar a Portugal, depois de 7 jogos pelo Coruña, sendo emprestado ao União da Madeira, onde fez 10 jogos, não conseguindo evitar a descida de divisão. Continuaria ainda assim na I Liga, pois assinou com o Tondela, onde se tornou peça-chave ao longo de duas temporadas – na segunda, em 2017/18, apontou 8 golos (2 dos quais na histórica vitória por 3-2 na Luz, diante do Benfica) e fez 6 assistências. Ainda começaria a época seguinte no emblema beirão, mas nos últimos dias de Agosto chegou um chamamento mais forte vindo da distante Rússia: Miguel Cardoso assinou por 4 épocas com o Dynamo Moscovo e logo no primeiro jogo como titular colocaria o seu nome na história dos derbys da capital, fazendo o golo da sua equipa no empate (1-1) em casa do Lokomotiv, então campeão em título – “gracinha” que viria a repetir na fase final da época no terreno do CSKA (2-2).

Após 17 jogos (a esmagadora maioria como titular) e 3 golos na época de estreia no futebol russo, tudo levava a crer que a segunda temporada viesse a ser ainda melhor – e até começou com um golo no 1-1 do Dynamo Moscovo em casa do Arsenal Tula. A partir da segunda ronda, todavia, Miguel Cardoso perdeu espaço na equipa da capital e, depois de apenas mais 5 jogos até à paragem de inverno, acabou por ser cedido ao Tambov, onde fez somente 5 minutos de 1 jogo, devido à eclosão da pandemia do coronavírus que ditou a suspensão das competições um pouco por todo o mundo.

Também por empréstimo, regressaria a casa nesse verão de 2020, reencontrando Petit como seu técnico, agora na B-SAD, e ali voltou a ser feliz: 34 jogos, 9 golos e 3 assistências. Números que permitiram nova aventura pelo estrangeiro, desta feita em definitivo e rumo à Turquia pela porta do Kayserispor, onde já estava Manuel Fernandes e para onde seguiu também Carlos Mané. Dos três, Miguel Cardoso foi o mais influente, sendo fulcral para a permanência conseguida de forma relativamente tranquila e também para a belíssima caminhada na Taça, prova na qual o emblema de Kayseri derrotou sucessivamente Fenerbahçe, Besiktas e Trabzonspor (que se sagrou campeão nacional), acabando por perder a final para o Sivasspor (3-2 após prolongamento).

Pertença de uma geração que deu ao futebol português nomes como Bernardo Silva, Ricardo Horta, Rony Lopes, João Cancelo ou Fábio Cardoso (foi colega de todos nas camadas jovens do Benfica), Miguel Cardoso não chegou (ainda) aos mesmos patamares, tanto a nível de clubes como de selecção. Sonhar, porém, não paga imposto: aos 28 anos, e ainda com várias temporadas de futebol pela frente, o extremo lisboeta ainda tem muito para dar, como aliás vai demonstrando a cada fim-de-semana na Turquia; o salto para clubes com outras ambições pode sempre estar ao virar da esquina de mais uma boa época.

Casa Pia – Vizela: quando o fair-play não é uma treta

311441649_467064092124361_3761492080016545873_n(Álvaro Pacheco e Filipe Martins foram juntos à conferência de imprensa no final do jogo entre Casa Pia e Vizela.)

O fair-play é uma treta. A frase dita por Jorge Jesus em 2007, quando era treinador do Belenenses, tornou-se de tal forma viral que ainda continua a ser usada com alguma frequência no futebol nacional.
Contudo, de quando em vez, lá aparecem bons exemplos de que o fair-play não é treta nenhuma e o mais recente aconteceu ontem no Casa Pia – Vizela: antes e após a partida, os dois técnicos, Filipe Martins e Álvaro Pacheco respetivamente, aproveitaram o passado em comum e a amizade que os une, para darem uma excelente demonstração de que o fair-play existe e deve ser “praticado”.
No âmbito de uma iniciativa do Casa Pia, que tem como objetivo promover justamente o fair-play no futebol, os treinadores começaram por se encontrar na manhã deste domingo, a poucas horas do jogo, para tomarem o pequeno-almoço juntos e deixarem uma mensagem aos adeptos, numa conversa em que terão, certamente, recordado memórias dos tempos em que partilharam o balneário enquanto jogadores.
Após o final da partida realizada no Estádio do Jamor, Filipe Martins e Álvaro Pacheco deram a conferência de imprensa em conjunto, sentando-se um ao lado do outro para comentarem as incidências da partida e terminarem da melhor forma um autêntico dia de fair-play, cujo resultado final ficou para segundo plano – o Vizela venceu por 1-0 a contar para a 9ª Jornada da Liga.
Colegas de equipa no Estoril na temporada 98/99, Álvaro Pacheco e Filipe Martins partilham ainda outro dado muito relevante: ambos começaram os seus percursos como treinadores na formação de clubes de menor dimensão e foram subindo degrau a degrau até chegarem ao topo do futebol português. Dois exemplos que deram uma grande lição de fair-play.

Do Distrital à I Liga: a ascensão de Derick

Derick(Derick Poloni passou por todos os escalões até chegar à I Liga.)

Nove anos depois de ter chegado a Portugal para jogar na Académica B, que competia no Distrital da AF Coimbra, Derick Poloni estreou-se na I Liga no último fim-de-semana com a camisola do Casa Pia, tendo alinhado oito minutos na vitória sobre o Boavista (2-0).
Lançado por Filipe Martins na reta final da partida jogada no domingo, o brasileiro, que representa os “gansos” desde 2020, concretizou assim o sonho de atuar no patamar mais alto do futebol nacional, ele que tem feito um percurso ascendente e já passou por todos os escalões do nosso País.
Formado no São Paulo, Derick, que além de defesa esquerdo pode desempenhar posições mais adiantadas, reforçou a equipa B da “Briosa” em 13/14, e logo na época de estreia em Portugal apontou dez golos em vinte e dois jogos na Divisão de Honra da AF Coimbra, mudando-se de seguida para o Sourense que disputava o Campeonato de Portugal.
Após época e meia a representar o emblema de Soure – com quem desceu aos Distritais -, o esquerdino chamou a atenção do Anadia e voltou ao terceiro escalão a meio de 15/16, tendo alinhado igualmente durante uma temporada e meia nos “Trevos da Bairrada”, despertando aí o interesse de clubes de maior nomeada.
O Leixões foi o passo seguinte na carreira de Derick, e em três anos entre II Liga, Taça de Portugal e Taça da Liga, o brasileiro fez cem jogos pelos matosinhenses – quatro golos – afirmando-se claramente como um dos bons valores do campeonato em que estava inserido, não sendo, por isso, de estranhar quando foi apresentado como reforço do Vitória FC no Verão de 2020.
Contudo, a descida administrativa dos sadinos fez com que o jogador não chegasse a representar oficialmente o clube, rumando ao Casa Pia, por quem soma, até ao momento, quarenta e oito jogos e quatro golos, números marcados pela subida alcançada na última época, que significou o regresso dos casapianos à I Liga após ausência de oitenta e três anos.
Além de se ter tornado no mais recente exemplo de futebolistas que começaram “por baixo” e atingiram o topo do nosso futebol, Derick Poloni, de 28 anos, pode, e deve, ser uma inspiração para todos aqueles que alimentam o sonho de chegar à I Liga.

Mohcine Hassan: de Faro ao Luxemburgo para brilhar na Champions

mohcine

Mohcine Hassan, ponta de lança ao serviço dos luxemburgueses do Dudelange, é o destaque desta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

Está encontrado o primeiro português a marcar um golo na edição de 2022/23 da Liga dos Campeões. O nome até pode confundir, mas as origens não enganam ninguém: Mohcine Hassan Nader nasceu em Faro, onde residiu e fez toda a formação futebolística até ao segundo ano de júnior, quando se mudou para o Vitória FC. Após vários empréstimos regressou ao Algarve para representar o Olhanense e no verão de 2020 emigrou para o Luxemburgo e foi no Grão-Ducado que esta quarta-feira se estreou a marcar na maior prova europeia de clubes (ainda que, obviamente, numa fase preliminar), apontando o golo que deu a vitória ao Dudelange sobre os albaneses do Tirana (1-0).

Campeão luxemburguês há pouco mais de um mês, o Dudelange é treinado por Carlos Fangueiro, antigo extremo de renome no futebol nacional, e tem forte componente lusa no plantel, seja com jogadores nascidos em Portugal (Jocelino Silva, e Bruno Freire, ambos suplentes não utilizados na primeira mão da primeira pré-eliminatória de acesso à fase de grupos da Champions, bem como Francisco Ninté, lançado em campo ao minuto 82), seja com luso-descendentes, como João Alves ou Hugo Antunes. E até Manuel da Costa, que chegou a ser convocado por Luiz Felipe Scolari para a selecção nacional, após somar 26 internacionalizações nos escalões jovens, tendo entretanto passado a actuar por Marrocos, e que aos 36 anos, depois de passagens por PSV Eindhoven, Fiorentina, Sampdoria, West Ham ou Olympiacos, foi o reforço mais sonante do clube luxemburguês para atacar a nova temporada.

Marrocos, na verdade, é igualmente um país amado para Mohcine Hassan – e o apelido, aliado ao local de nascimento (e já agora, à data: 30/09/1994), certamente já terá ajudado a perceber de quem poderá ser descendente: Hassan Nader, pois claro, o mítico avançado do Farense que nessa altura se encontrava no auge da sua passagem por Portugal (foi nessa época que apontou 21 golos no campeonato, sagrando-se melhor marcador pela equipa que de forma inédita se apurou para as competições europeias e conquistando a transferência para o Benfica). Avançado como o pai, Hassan filho fez-se menino e adolescente na formação do Inter de Almancil e a maioridade, viria a atingi-la em Setúbal, por quem cumpriu o segundo ano de júnior (2012/13); após empréstimos a Casa Pia e Pinhalnovense, teve em 2015/16 a primeira oportunidade no plantel sénior do Vitória sadino e marcou na estreia como titular, abrindo a contagem numa vitória caseira sobre a Académica (2-1) que se viria a revelar decisiva para a obtenção da permanência (o Vitória terminou o campeonato na 15ª posição, um ponto acima do 17º e primeiro despromovido, o União da Madeira).

Esse acabaria por ser, porém, o único golo de Mohcine Hassan na I Liga até aos dias de hoje. A aposta de Quim Machado não teve continuidade para José Couceiro na época seguinte e o avançado luso-marroquino, após 13 partidas disputadas pelos sadinos, foi novamente cedido a um clube secundário, no caso o Freamunde, onde não conseguiria ser feliz: apenas 3 golos em toda a época, e curiosamente todos no mesmo jogo, diante dos amadores do Cerva para a Taça de Portugal, com os Capões a descerem para o terceiro escalão no fim da temporada. Em 2017/18, novo empréstimo, agora num regresso ao Algarve, para tentar ajudar o histórico Olhanense a regressar de imediato à II Liga.

Mesmo sem ter dado muito nas vistas (apenas 3 golos, mais uma vez), e com o objectivo do emblema algarvio a não ser atingido, Mohcine Hassan acabou por assinar definitivamente pelo conjunto de Olhão no verão de 2018 e a verdade é que essa estabilidade parece ter contribuído para uma melhoria do seu rendimento: 9 golos em 2018/19 e 15 na época seguinte, até hoje a melhor marca da sua carreira – e que acabou por ficar prejudicada em todos os sentidos com a interrupção abrupta do Campeonato de Portugal devido ao surgimento da pandemia do coronavírus, pois o Olhanense havia vencido a série D e acabou por não beneficiar da promoção à II Liga por ter menos pontos conquistados que Vizela e Arouca nas respectivas séries.

A belíssima temporada em termos individuais abriu outras portas para o avançado algarvio e foi assim que surgiu a possibilidade de rumar ao Dudelange, um dos maiores emblemas do Luxemburgo. Na primeira época fez 11 golos, com a sua equipa a terminar como vice-líder e a apenas dois pontos do título; já em 2021/22, uma lesão fê-lo perder grande parte da pré-temporada e início da competição e viria a encontrar dificuldades para apanhar o comboio em andamento, somando 3 golos e 9 assistências na época que terminou em festa com a tão desejada conquista do campeonato luxemburguês.

Os números menos brilhantes podiam dar a entender uma perda de estatuto nas opções de Fangueiro, mas aconteceu precisamente o oposto – pelo menos a julgar pelo primeiro jogo oficial do Dudelange na temporada: o avançado algarvio de 27 anos surgiu como titular na ficha de jogo ante o Tirana e seria precisamente o luso-marroquino a fazer o único tento da partida, num cabeceamento mortífero que não deu quaisquer hipóteses ao guardião adversário. A segunda mão da eliminatória está agendada para o próximo dia 12 na capital da Albânia mas, aconteça o que acontecer, uma coisa está mais que certa: em 2022/23, Mohcine Hassan foi o primeiro português a festejar um golo em nome próprio no patamar mais alto do futebol europeu.

Ferro: fenómeno na Croácia com os olhos na redenção na Luz

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Ferro, central que esteve cedido pelo Benfica aos croatas do Hajduk Split, é o destaque desta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

Foram apenas seis os meses que Ferro passou no Hajduk Split, mas o curto período temporal bastou para que o central luso entrasse para a História de um dos mais tradicionais emblemas do futebol croata. Depois de marcar logo aos três minutos na sua estreia pela equipa, abrindo a goleada (0-4) em casa do Gorica, Ferro faria também o primeiro golo do Hajduk Split na final da Taça da Croácia, no minuto 24, numa altura em que a sua equipa perdia por 1-0 ante o Rijeka; acabaria por vencer por 3-1, com Melnjak a bisar, garantindo assim o primeiro troféu da carreira do defesa português fora do país.

Esta, refira-se, não foi a primeira aventura de Ferro além-fronteiras. Em 2020/21 também havia sido emprestado pelo Benfica no decorrer da temporada, no caso ao Valencia, numa cedência que acabou por não ter os resultados esperados: apenas 3 partidas efectuadas pelo clube Che (181 minutos). Na Croácia, pelo contrário, foi tudo (quase) perfeito: 14 jogos, os já referidos 2 golos e ainda outras tantas assistências e a Taça no palmarés – ficou a faltar apenas o campeonato, com o Hajduk Split a terminar a 7 pontos do crónico campeão Dínamo de Zagreb.

Nascido em Oliveira de Azeméis a 26 de Março de 1997, Francisco Reis Ferreira começou a formação na UD Oliveirense, passando depois pela Casa do Benfica de Estarreja e pelo Taboeira. Chegou ao Benfica no segundo ano de iniciado e acabaria por se tornar imprescindível nas várias equipas encarnadas que representou posteriormente, com apenas um pequeno interregno em 2014/15, no primeiro ano de júnior, quando foi emprestado ao Casa Pia na primeira metade da temporada. Na época seguinte voltou a ser titular indiscutível nos juniores e começou a ser utilizado com regularidade na equipa B, patamar ao qual ascendeu em absoluto com a passagem para sénior.

Após dois anos e meio como titular incontestado na formação secundária (o primeiro dos quais fazendo parceria com Rúben Dias), e numa altura em que já tinha passado a ser Ferro (abreviatura de Ferreira), viria a beneficiar da troca no comando técnico do Benfica em Janeiro de 2019, com Bruno Lage a subir à equipa principal após a saída de Rui Vitória e a promover a subida de vários dos “meninos” que orientava nos bês. Foi o caso do central, que se estreou na primeira mão da meia-final da Taça de Portugal diante do Sporting (2-1), a 6 de Fevereiro, substituindo o lesionado Jardel logo aos 37 minutos, e que não mais saiu da equipa a partir daí, totalizando 18 jogos e 3 golos no retomar da parceria com Rúben Dias e sendo peça fulcral para o título nacional conquistado de forma incrível pelas Águias (que chegaram a ter 8 pontos de atraso para o Porto no decorrer da temporada).

2019/20 começou de igual forma a nível colectivo e individual, com o Benfica a atropelar autenticamente o Sporting na final da Supertaça (5-0) e Ferro como indiscutível no centro da defesa, chegando inclusivamente a figurar nos eleitos de Fernando Santos em duas ocasiões. Não se chegou a estrear, porém, ele que é internacional português em todos os escalões desde os sub-17, e a partir daí não mais voltaria a ter oportunidades para tal, dado o súbito abaixamento de forma que se manifestou a partir de Fevereiro de 2020 e que se abateu também sobre a equipa, deixando fugir o campeonato para o Porto em moldes muito semelhantes ao que havia acontecido ao contrário na temporada anterior (e que precipitou inclusivamente a demissão de Bruno Lage antes do fim da época).

Ferro acabou a temporada com 40 jogos e 1 golo, mas as muitas críticas ao seu rendimento tiveram impacto significativo na que se sucederia. Jorge Jesus voltou então ao comando técnico dos Encarnados e de imediato se percebeu que não contava com o central oliveirense, preterido em detrimento de Otamendi e Vertonghen (além de Jardel, a habitual terceira opção). A chegada de Lucas Veríssimo no mercado de inverno precipitaria a sua saída, após apenas 7 jogos realizados, no tal empréstimo para o Valencia que também não deu grandes resultados, e em 2021/22 dispôs de ainda menos espaço, efectuando apenas duas partidas na primeira metade da temporada: uma na Taça de Portugal e outra na Taça da Liga.

A belíssima experiência na Croácia, porém, pode ter contribuído para um regresso à felicidade para Ferro, que tem mais dois anos de contrato com o Benfica e que por agora integra os trabalhos da pré-temporada encarnada, tendo como objectivo convencer o novo treinador das Águias, o alemão Roger Schmidt, de que merece um lugar no plantel para a temporada que se avizinha. Se tal não vier a acontecer, todavia, é crível que venha a ter nova oportunidade num campeonato mais competitivo e mediático que o croata, sendo por isso fulcral acertar na escolha do novo destino para poder voltar a gozar do estatuto e do prestígio que deteve até aos primeiros meses de 2020.