Trabzonspor: um Campeão anunciado 38 anos depois

trabzonspor(A festa dos jogadores e staff do Trabzonspor após a conquista do título.)

Era preciso recuar até 1984 para encontrarmos o último título de Campeão do Trabzonspor, mas o emblema turco acabou este sábado com o longo período de jejum que atravessava, conquistando a Süper Lig sem surpresa.
O clube sediado em Trabzon, que tem no seu plantel o nosso bem conhecido Djaniny (Edgar Ié saiu a meio da época), liderou praticamente o campeonato todo com uma margem bastante confortável para os perseguidores, e ontem pôde finalmente festejar um título que há muito estava anunciado.
A três jornadas do fim, a formação orientada por Abdullah Avci até empatou na receção ao Antalyaspor (2-2), mas terá sido, com toda a certeza, o empate mais saboroso da história do clube: com vantagem no confronto direto com o Fenerbahçe, segundo classificado, ficou com nove pontos de avanço e selou a conquista da Liga.
Com apenas duas derrotas em trinta e cinco jogos – uma delas precisamente em casa do adversário de ontem (1-2) -, os “Karadeniz Fırtınası” só venceram um dos últimos seis jogos (dois nas oito partidas anteriores), e sagraram-se Campeões com vinte e duas vitórias e onze empates à 35ª Jornada, eles que tiveram a melhor fase entre as rondas oito e quinze, ao somarem oito triunfos consecutivos.
Conquistado que está o sétimo campeonato da sua história, o Trabzonspor centra agora atenções na “dobradinha”: o clube já venceu nove Taças, a última em 19/20, e neste momento está a meio das Meias-Finais, tendo vencido o Kayserispor, em casa, na primeira mão, por 1-0 – o segundo jogo está marcado para o próximo dia 10.
Num plantel cuja grande estrela é o eslovaco Marek Hamšík, o Trabzonspor, além do já citado Djaniny, conta ainda com outros futebolistas bastante renomados no futebol europeu e mundial, como são os casos dos brasileiros Bruno Peres e Vítor Hugo, do marfinense Gervinho ou do dinamarquês Cornelius.
Este título da turma de Trabzon permite igualmente quebrar a hegemonia da capital que já durava há doze anos: desde que o Bursaspor foi Campeão em 09/10, apenas clubes de Istambul haviam conseguido vencer a Liga – além dos crónicos candidatos Besiktas, Fenerbahce e Galatasaray, também o Basaksehir cometeu a proeza em 2020.
Trinta e oito anos depois, o popular Trabzonspor, que tem uma grande legião de adeptos e uma das mais fervorosas claques do Mundo, volta a ser o número um da Turquia.

João Pereira: o puto reguila cresceu, fez-se campeão… e agora já é mister

joaoperscp(João Pereira teve três passagens distintas pelo Sporting e conseguiu ser Campeão de “leão ao peito”.)

“Sinto felicidade, acabei da melhor maneira. Consegui ser campeão no Sporting, que era algo que o Sporting precisava muito e já merecia mais que eu. É uma boa maneira de terminar. É um fecho de um ciclo e o começar de outro”. Foi com estas palavras, proferidas após a última jornada do campeonato que consagrou os Leões campeões pela primeira vez em 19 anos, que João Pereira encerrou oficialmente a sua carreira de futebolista e revelou o início de uma nova caminhada. Um mês depois ficariam desfeitas as dúvidas com a apresentação como treinador-adjunto de Filipe Pedro na equipa de sub-23 leonina.

“É um bichinho que foi crescendo ao longo da minha carreira e a verdade é que alguns colegas de equipa, sobretudo os mais novos, como o Max e o [Daniel] Bragança, já me chamavam mister de vez em quando, por isso já me fui habituando um pouco (risos)! Neste momento sou um aprendiz, é como se estivesse a começar nos escolinhas. Estou aqui para aprender com todos e para transmitir a minha experiência. Acima de tudo, quero ajudar naquilo que for preciso”, dizia aquando da oficialização nas novas funções, no último dia 24 de junho.

joaopereiralsb(João Pereira tenta agarrar Simão Sabrosa nos festejos do golo marcado pelo antigo extremo na final da Taça de Portugal em 2004 diante do FC Porto.)

A verdade é que, nesta sociedade em que tudo é efémero e de consumo rápido, passou quase despercebido o adeus de um bicampeão nacional e que somou um total de 103 internacionalizações pelas selecções nacionais – 40 nos AA, pelos quais disputou o Euro 2012 (totalista) e o Mundial 2014. Antes, bem antes de 2020/21, João Pereira já tinha sentido o sabor de vencer um campeonato nacional: foi em 2004/05 “naquele” Benfica de Giovanni Trapattoni, numa altura em que estaria muito longe de sequer imaginar que um dia viria a passar pelo Sporting… quanto mais registar três passagens pelos Leões, sendo a última das quais já com 37 anos e a tempo de participar em campo no fim do jejum leonino.

Oriundo do Casal Ventoso, um dos bairros mais problemáticos de Lisboa nas décadas de 80 e 90 (e cujo nome leva inscrito numa das botas, sendo a outra “Meia Laranja”, bairro colado ao Casal Ventoso), João Pereira (25 de Fevereiro de 1984) chegou ao Benfica com apenas dez anos proveniente do Domingos Sávio e foi-se estabelecendo como uma das grandes figuras da formação encarnada nos anos seguintes, de tal modo que em 2003/04, no primeiro ano de sénior, foi utilizado em espantosos 34 jogos por José Antonio Camacho na equipa principal das Águias (19 como titular e 15 a sair do banco), marcando ainda 5 golos e conquistando a Taça de Portugal. Alternava então entre as funções de extremo (onde fez a maioria da formação) e lateral, sempre pela ala direita, e era na altura visto como um dos jovens com maior potencial do nosso futebol, quer pela qualidade técnica indesmentível, quer pelo compromisso e garra com que abordava cada jogo e cada lance – por vezes até em demasia.

joaopereirapt(Dos Sub-15 à Seleção A, João Pereira representou Portugal por 103 ocasiões.)

Estatuto, de resto, que manteve na já referida temporada de 2004/05, totalizando 40 partidas (28 como opção inicial) e 2 golos pelo Benfica Campeão Nacional, mas que perderia na época seguinte: considerado excedentário pelo técnico Ronald Koeman, foi emprestado a meio do ano ao Gil Vicente e no verão de 2006 seria mesmo dispensado, passando a temporada de 2006/07 na II Liga ao serviço dos Gilistas. Um desperdício e uma injustiça que foram repostas com o regresso aos grandes palcos pela mão do Braga, onde foi substituir Luís Filipe (contratado… pelo Benfica) e recuperou o estatuto que parecia estar a abandoná-lo, de tal forma que em Janeiro de 2010 levou o Sporting a desembolsar 3 milhões de euros pelos seus serviços.

Em Alvalade pegou de estaca de imediato, sendo titular indiscutível durante dois anos e meio, e em 2012 mudou-se para os espanhóis do Valencia onde seria igualmente peça fulcral por outras duas épocas. Por questões extra-desportivas seria afastado do grupo ché quando Nuno Espírito Santo assumiu o comando técnico da equipa, no verão de 2014, e na segunda metade da temporada representou os alemães do Hannover 96 para não passar um ano inteiro sem jogar, antes do regresso ao Sporting para mais um ano e meio de utilização regular, aí já sob o comando de Jorge Jesus, até que no decorrer de 2016/17 decidiu aceitar o convite do Trabzonspor e assim experimentar o futebol turco.

joaopereiravalencia(Após duas épocas de bom nível em Valencia, João Pereira foi colocado na lista de saídas por Nuno Espírito Santo.)

Na Turquia, como em praticamente todos os clubes que representou ao longo da carreira, assumiu-se de imediato como elemento fulcral dentro e fora do campo, capitaneando a equipa que venceu a primeira Taça para o clube em dez anos. Com o avançar da idade, tudo indicava que seria este o último destino na sua carreira… até que no início de Janeiro último surgiu a notícia da rescisão com o clube turco, numa altura em que já havia perdido a titularidade – por estar em fim de contrato e já devido ao avançar da idade, o treinador resolveu começar a apostar no outro lateral-direito, um jovem da casa.

De repente, sem nada o fazer prever, novo regresso ao Sporting, refém de uma alternativa ao espanhol Porro desde o início da temporada. “Estava prestes a assinar por outro clube, mas recebi a chamada do Sporting e foi a melhor coisa que me poderia ter acontecido. É um clube que aprendi a amar e que respeito muito”, assegurou após o adeus. No total, nesta última passagem pelos Leões (enquanto jogador, claro está), somou cinco jogos e teve o momento mais alto quando na última jornada foi substituído por Gonzalo Plata e aplaudido por todos os colegas de equipa e tribuna do estádio de Alvalade, antes do abraço emotivo de Rúben Amorim, que de amigo de infância passou a seu último treinador.

joaopereirascb(Em Braga, o agora antigo jogador encontrou “espaço” para relançar a sua carreira.)

Benfiquista ferrenho desde pequeno, tudo mudou com o decorrer da carreira. “Isso nem há dúvidas: Sporting, claro, porque quero que os meus amigos ganhem e maior parte deles estão lá. Sei que é estranho, porque foi no Benfica que cresci e era o meu clube, mas desde que joguei no Sporting criei uma ligação especial com adeptos, funcionários e diretores. Joguei 13 anos no Benfica e ia estar a ser hipócrita dizer que era do Sporting desde pequenino, porque não sou. Aprendi a gostar do Sporting. Gosto muito do Sporting, sou muito agradecido ao Sporting. E hoje em dia se me perguntarem quem é que eu quero que ganhe eu vou dizer que é o Sporting porque me ajudou e deu-me muita coisa. O Benfica também me deu mas o Sporting tratou-me melhor. Não gosto de cuspir no prato onde comi. Mesmo quando fui para o Valencia fiquei a gostar muito do Sporting e era a minha equipa em Portugal. E depois a segunda passagem, num momento difícil da minha carreira, deram-me a mão outra vez, ajudaram-me. Isso não esqueço e sou agradecido”, frisou na mesma ocasião.

“Detesto perder, nem a feijões, e foi essa característica que me levou até onde cheguei. Em comparação com outros jogadores, sou baixo, o pé esquerdo não ajuda, jogo aéreo é o que é, por isso tive de me agarrar a algo para dar a volta. Além da qualidade, teve de ser na raça, disputar cada lance como se fosse o último. Antes entrava muito de carrinho, era muito intempestivo, era muito elétrico e queria ir como se fosse sempre a última bola. Com a idade, com a maturidade, começas a pensar de outra forma. Comecei a resguardar-me mais, a não ir tanto à queima, a fazer mais contenção, a melhorar a minha forma de fazer contenção, a posicionar-me melhor principalmente porque com a idade vais perdendo alguma velocidade. E acho que sei reconhecer as minhas limitações. O meu pé esquerdo, eu às vezes costumo dizer que é só para subir o autocarro. Mas como não ando de autocarro e os carros agora já estão quase todos automáticos é só mesmo para andar (risos). E consegui chegar onde cheguei. Não fui dos melhores jogadores de sempre portugueses, não fui, mas estou muito orgulhoso da minha carreira e teve que ser com muito esforço, com muita dedicação, com muita garra que eu sei que há muita gente que me conhece por causa disso. Mas não sou maldoso. Há muita gente que pensa que eu sou maldoso mas não sou. Mas dentro de campo não tenho amigos, nos treinos não tenho amigos. Eu é ganhar, ganhar, ganhar. Às vezes passei dos limites, passei. Há coisas que não me orgulho de ter feito mas se calhar se fosse outra vez teria feito na mesma porque era assim que eu era e cheguei aqui dessa maneira”, assumia poucos dias antes da oficialização surpresa como reforço do Sporting.

joaopereiratrabz(O Trabzonspor foi a última “grande aventura” de João Pereira, que conquistou uma Taça da Turquia, foi capitão e tornou-se um ídolo dos adeptos do clube.)

Agora, o bom rebelde vai assumir outras responsabilidades – que curiosamente já tinham sido aventadas pelo seu actual presidente, Frederico Varandas… em Maio de 2020, quase um ano antes do último regresso. Fica a enorme curiosidade para ver como se irá sair o outrora menino de mau feitio, de origens humildes mas muito futebol, na pele de leão sénior com a missão de domar outros leões… da sua estirpe.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.