Martim Maia: “Jogar para ganhar é sempre uma motivação diferente”

martimmaia(Cedido pelo Santa Clara ao Noah, Martim Maia “pegou de estaca” no clube arménio e tem sido um dos elementos indiscutíveis para o técnico Carlos Inarejos.)

No último Verão, Martim Maia trocou o Santa Clara pelo praticamente desconhecido FC Noah, e, até ao momento, pode-se dizer que fez uma escolha acertada: titular indiscutível no atual 2º classificado do principal Campeonato da Arménia, o médio defensivo, que faz a sua estreia absoluta numa I Liga, já participou em 18 jogos, tendo falhado apenas 3 por motivos de força maior – 2 por lesão e 1 por castigo.
Formado maioritariamente entre Leixões e Rio Ave após ter começado no FC Porto, o futebolista natural da Maia ainda atuou pelas equipas B e Sub-23 dos vilacondenses antes de ir em busca de novos desafios, contando com passagens por emblemas como Casa Pia, Amora e Trofense.
Atualmente com 25 anos, Martim Maia, que na temporada 20/21 viveu a sua primeira experiência internacional ao serviço dos polacos do Zaglebie Sosnowiec, assume nesta entrevista que tem como objetivo ser mais decisivo e revela que a sua ambição é lutar por títulos:

À Bola pelo Mundo/Conversas Redondas: Tens sido titular indiscutível, o Noah está em segundo lugar no campeonato e passou agora aos quartos-de-final da Taça. Como avalias a experiência até aqui?
Martim Maia: No cômputo geral, estou a gostar bastante. Acho que quando um jogador joga, as experiências são sempre ou quase sempre boas. Infelizmente no ano passado isso não aconteceu comigo, e por isso vim para a Arménia, a minha expectativa era chegar e lutar para poder jogar sempre. Isso tem acontecido e tenho gostado bastante. É tudo diferente daquilo a que estava habituado, mas no geral tem sido uma boa experiência.

Bateste o oitavo penalty da tua equipa no desempate ante o Alashkert (e com sucesso). Não é algo em que te sintas muito confortável?
Eu até ia ser o nono, mas um colega pediu para trocar. Eu não faço questão nem deixo de fazer: se quiserem que bata o penalty, eu bato. Neste caso, calhou ser o oitavo e correu bem. Pode ser que nos quartos-de-final, se voltarmos a ir a penaltys, já possa ficar mais nos primeiros (risos)!

Quais os objectivos para a época, individuais e colectivos?
Não falámos de objectivos colectivos. Eles fizeram um bom investimento, vieram muitos jogadores de fora, que já jogaram na Premier League (Mbokani, por exemplo), na Liga holandesa… Claro que é sempre preciso uma adaptação, mas depois de passar esses primeiros meses, agora temos feito bons resultados, está a correr bem. Em duas jornadas, diminuímos a distância para o líder (Pyunik) de 12 para 8 pontos [agora são 5 depois de ganharem esta tarde ao BKMA por 2-0 no último jogo do ano, sendo que o Pyunik ainda tem uma partida por realizar na próxima segunda feira], e em Fevereiro voltamos para a segunda metade da época.

martimtrofa(Na temporada passada, o médio representou o Trofense na II Liga, também por empréstimo do Santa Clara.)

Como é viver na Arménia? Surpreendeu-te de alguma forma ou foi ao encontro do que esperavas? O que gostas mais no país e no clube?
Em termos de vida, estava à espera de um estilo de vida mais barato, está tudo mais ou menos como em Portugal. Eu vivo na capital, Yerevan, que é uma cidade bastante agradável, europeia. Ainda se vê algumas coisas de país de Leste, mas já se vê muita coisa recente, como estamos habituados a ver em Portugal. Mas fora do centro não há nada, é tudo deserto, muito antiquado… Mas é uma questão de adaptação. Agora já não me faz diferença, mas no início foi um bocado um choque.

E em termos futebolísticos?
É um bocado diferente, porque são 10 equipas, 4 voltas, jogamos muitas vezes contra as mesmas equipas. Na Taça entramos logo nos oitavos-de-final, ou seja, é mais “fácil” ganhar, porque são só 4 jogos. O que tenho notado é que há 2 grupos: 5 equipas lutam para não descer e 5 lutam ou para ganhar, ou para ir às eliminatórias europeias. O campeonato não é muito equilibrado.

Como é viver na Arménia? As pessoas, o clima, a comunicação, a comida?
Aqui, ou é muito quente ou é muito frio. Apanhei 35 graus, uns meses com bastante calor. A partir de meados de Outubro começou a ficar frio. Não tem chovido quase nada e ainda não nevou, acredito que daqui a um mesito comece a nevar. No clube a comunicação é fácil porque a maioria ou é estrangeiro, ou sabe falar inglês, mas na nossa vida pessoal é mais complicado porque as pessoas não sabem falar inglês. Mas se conseguirem comunicar minimamente, tentam ajudar, o que nos faz sentir mais em casa, mais aconchegados. A comida… Estou com muitas saudades da comida portuguesa (risos)! Apesar de cozinhar em casa, mas se quiser ir comer fora, comer algo diferente… Então em termos de peixe, aqui praticamente não há, é quase nulo. É tudo muito como a Turquia, kebabs, pão… É por aí. Agora vou um mesito a Portugal e dá para tirar a barriga de misérias (risos)!

martimrioave(Foi com a camisola do Rio Ave que o atleta natural da Maia terminou a formação e se estreou a nível sénior.)

Vives na capital mas o clube é de outra cidade, certo?
É de uma cidade próxima [Armavir], o nosso centro de treinos fica a 20, 25 minutos. Mas aqui há bastante trânsito, há dias em que é quase uma hora para chegar lá.

E é fácil conduzir aí?
Quando vim para cá, estava a pensar alugar um carro. Mas depois de estar aqui dois ou três dias vi que era impossível porque eles são completamente malucos na estrada! Há acidentes por todo o lado, passam pela esquerda, pela direita… Por isso é que há tanto trânsito. Quase que se atropelam uns aos outros, é apitadelas a toda a hora. É uma confusão.

Como surgiu a possibilidade de ires jogar para a Arménia? Ainda tinhas contrato com o Santa Clara…
Ainda tenho! Estou emprestado até ao fim da época e ainda tenho mais um ano de contrato com o Santa Clara. Estava em casa, porque nem comecei a fazer a pré-época com o Santa Clara, e ligaram-me a dizer que havia uma proposta da Arménia. Fiquei um bocado “Onde é que é isto?” Sabia que existia o país, mas não fazia ideia onde ficava, a quantas horas, como era o país… Foi tudo uma pesquisa, ainda fiquei um bocado reticente, mas felizmente a coisa deu-se e está a correr bem.

Esta já não é a tua primeira aventura fora de Portugal. Como foi a experiência na Polónia?
Foi bastante boa. Mesmo a II Liga é bastante boa, difícil, mais ou menos como a nossa em Portugal. Por ter sido a primeira foi um pouco diferente, era mais novo, mas foi bom para agora ser mais fácil a adaptação, a comunicação. A chave para jogarmos fora do nosso país é isso, é a adaptação. No início por acaso até foi bastante bom, joguei os primeiros 10 jogos a titular, mas depois mudámos de treinador e as coisas tornaram-se diferentes. Mas acontece no futebol, e quer jogue, quer não jogue, ganha-se sempre alguma coisa.

martimsosnowiec(Em 2020, o futebolista luso rumou ao estrangeiro pela primeira vez na carreira, tendo disputado a II Liga da Polónia pelo Zaglebie Sosnowiec.)

Na altura tinhas rescindido com o Rio Ave para ir para a Polónia. Porquê?
Eu fiz os sub-23 do Rio Ave e a seguir fui emprestado ao Casa Pia, que foi o ano da pandemia, a época não chegou a acabar. Quando regressei foi tudo um impasse, não se sabia o que ia acontecer, o Rio Ave tinha uma equipa muito forte, e eu com 20 ou 21 anos queria era jogar, queria-me mostrar. Surgiu a oportunidade da Polónia, um português trabalhava nessa equipa [Zaglebie Sosnowiec], já tinha visto jogos meus, contactaram-me e decidi rescindir e assinei por 2 anos. Acabei por sair ao fim do primeiro, porque a coisa não correu como eu estava à espera, era o primeiro ano fora de casa, ainda passei uns meses difíceis… Agora, se me perguntassem, se voltaria, diria que sim, porque agora se calhar já seria diferente, mas na altura o que eu queria era jogar, voltar a mostrar-me para voltar a Portugal e foi por isso que saí.

Acabas então por voltar para Portugal mas para a Liga 3, depois de já teres jogado na II Liga.
Sim, aquilo depois arrastou-se naqueles meses de verão e não surgiram equipas de II Liga, acabei por ser “encostado à parede”. Surgiu o Amora, a expectativa era boa, o que me apresentaram também foi bom e também decidi arriscar: se fizesse um ano mau, podia comprometer a minha carreira; se fizesse um ano bom, podia ser que voltasse a jogar onde eu queria e mostrar-me. E felizmente foi o que aconteceu.

Foste eleito várias vezes para a Equipa da Semana, depois ficaste na Equipa do Ano e surge o Santa Clara, na altura na I Liga!
Eu tinha assinado só um ano com o Amora, por isso no fim da época ficava livre para decidir onde ia jogar. Uma proposta de I Liga, claro que uma pessoa se sente sempre tentada, é sempre o objectivo de qualquer jogador português que nunca tenha pisado patamares maiores. Foi uma boa proposta e foi a cereja no topo do bolo nesse ano.

As oportunidades de jogar é que não surgiram…
Sim, fiz a pré-época toda mas por opção não entrei nas contas. Foi um ano de mudanças no Santa Clara, muita instabilidade e a melhor solução era ser emprestado. Fui para o Trofense, até já tinha começado a época.

martimcasapia(Martim Maia em duelo com Nuno Santos durante o Benfica B 4-0 Casa Pia a contar para a 16ª Jornada da II Liga 19/20.)

O Trofense acaba por descer, e agora passados poucos meses até te vês no cenário de poder vir a conquistar troféus. É fácil mudar o chip em tão pouco tempo?
Todos os jogadores querem lutar para ser campeões, para ganhar taças. Nem todos o conseguem. No Trofense não joguei muito, não foi um bom ano para mim, ainda por cima a lutar para não descer. A mudança de chip é um bocado natural, porque nós queremos ganhar os jogos todos. Claro que, consoante o plantel que temos, consoante o adversário que vamos defrontar, temos de ser realistas, mas à medida que o tempo vai passando vemos a capacidade da nossa equipa, o que podemos fazer, para que objectivo podemos lutar. Obviamente que este ano estou muito mais contente, ambicionando a coisas maiores, a ganhar todos os jogos, não jogar para empatar. É sempre uma motivação diferente.

E na tua posição e função, faz alguma diferença ou nem por isso?
Para o que eu gosto de fazer, para o meu estilo, se jogar numa equipa que lute para ganhar, que esteja sempre em cima do jogo, para mim é melhor, porque gosto de ter bola, gosto de tocar muitas vezes na bola. Se estiver a jogar numa equipa que luta para empatar ou não perder, joga-se mais defensivamente, e acaba por ser um bocadinho diferente, sim.

Onde é que gostaste mais de jogar em termos de futebol jogado? Qual se adequou mais às tuas características?
Eu acho que me adaptei sempre bem, jogando mais ou menos. Gosto de jogar em Portugal, porque temos muita qualidade. Aqui estou a adaptar-me bastante bem, porque é um jogo em que o meu estilo de jogo me favorece: tenho muitas vezes a bola, tenho muitas vezes a iniciativa de jogo. Mas acho que não consigo dizer se gostei mais de estar aqui ou ali. Nós gostamos sempre de estar onde jogamos, por isso agora estou aqui, estou a jogar e estou a gostar da Arménia.

martimstaclara(Contratado pelo Santa Clara em 2022, o jogador nortenho ainda não teve oportunidade de singrar nos açorianos.)

No teu primeiro ano de sénior ainda chegaste a jogar nas distritais pela equipa B do Rio Ave. Como recordas essa experiência? Há de facto muitas diferenças em relação aos escalões profissionais?
Acho que onde se nota mais é na organização. A nível profissional tem de se jogar mais rápido, e para isso tem de haver mais qualidade, temos de ter outro tipo de características. Nas distritais é mais físico, mais atabalhoado, confuso. Muitas vezes não se ganha pela qualidade mas sim pela crença, pelo querer. É um jogo mais a meio-campo, de duelos. Acaba por ser difícil para um jogador com mais qualidade técnica conseguir destacar-se. Às vezes, estar num patamar mais acima torna-se mais “fácil” (claro que é mais difícil noutros aspectos).

Sempre jogaste na posição de médio mais defensivo?
Normalmente aqui jogamos com dois médios mais defensivos, um vai mais à frente, o outro fica. E se calhar é a forma como eu mais gosto de jogar. Não digo que sou um 6 ou um 8, acho que consigo fazer os dois. Com outro jogador ao lado favorece o meu jogo, tenho um bocadinho mais de liberdade para ir à frente ou ficar. Quando comecei a jogar, como era maior do que os outros, joguei a central, mas entretanto eles começaram a crescer e eu não (risos), por isso passei mais para a frente. Acho que é a posição certa para mim.

Para quem nunca te viu jogar, como é que te descreves enquanto jogador?
Sou um jogador bastante de equipa, muitas vezes preocupo-me mais com a equipa do que comigo. Sou agressivo quando tenho de ser, não dou porrada mas quando tenho de fazer umas faltas, faço. Tecnicamente acima da média, na minha opinião, tenho um bom passe longo, que gosta de jogar a 1, 2 toques.

Qual o aspecto em que consideras ter evoluído mais ao longo da carreira? E onde achas que ainda podes melhorar?
O que posso melhorar é nos golos. Os médios hoje em dia fazem mais golos, mesmo os mais defensivos, e um médio com golos é muito mais valorizado. Agora querem-se números, golos, assistências, e às vezes somos contratados também por isso, não só pelos minutos ou por jogarmos bem. Tenho de chegar mais vezes à frente, chutar mais vezes à baliza. O meu pai está-me sempre a chatear, que tenho de chutar mais vezes à baliza, que tenho de fazer golos. Onde tenho evoluído mais… Acho que em termos posicionais. O posicionamento em campo. Claro que ainda posso melhorar mais, mas na minha posição é muito importante, para podermos jogar o mais rápido possível, para podermos antecipar as jogadas, e acho que tenho vindo a melhorar bastante.

martimamora(No Amora, Martim Maia fez uma época de afirmação que lhe permitiu “dar o salto”.)

Quem são os teus ídolos de infância, ou em quem te revias/revês mais na tua posição?
Gostava muito do Xavi, um jogador completamente diferente. Iniesta também. Um que adoro ainda hoje é o Modric. Não me revejo muito nele, mas tento aprender alguma coisa ao vê-lo jogar na televisão.

Que treinador mais te marcou?
Infelizmente ou felizmente, na minha curta carreira profissional nem sei quantos treinadores já tive. Mas consegui tirar um bocadinho de cada um. Ainda só tenho 25 anos, ainda vou ter muitos mais treinadores, espero eu (risos), e irei aprender muito mais.

O que ainda tens para atingir na carreira? Quais os objectivos que ainda esperas alcançar?
Eu pretendo conquistar títulos. Pode ser na Arménia, pode ser noutro país qualquer. Lutar por coisas maiores. Se for numa Liga melhor, mais gratificante era; se pudesse ser em Portugal, melhor. Mas não penso muito nisso, quero agora é fazer jogos, fazer golos, assistências, divertir-me um bocadinho. O dinheiro que ganhamos também é importante. Depois logo se vê. Se puder conquistar títulos e coisas importantes, melhor.