(Lee Casciaro leva uma carreira inteiramente dedicada ao Lincoln Red Imps.)
Gibraltar nunca foi (e provavelmente nunca será) especialmente reconhecido pelo futebol que se pratica no território. Membro da UEFA apenas desde Maio de 2013, só na época seguinte começou a competir sob a égide do organismo que tutela o futebol europeu, quer a nível de selecção (que nos primeiros anos de existência “oficial” disputou os jogos como anfitrião no Estádio Algarve), quer a nível do próprio campeonato nacional, e por agora ainda são poucos os motivos de regozijo nas duas vertentes. Praticamente todos os que aconteceram, porém, têm um denominador comum: o agente da autoridade Lee Henry Casciaro.
É verdade: Lee Casciaro é polícia de profissão. Mas é também avançado – e provavelmente o melhor de sempre nascido no território ultramarino britânico mundialmente conhecido como o Rochedo. A representar o Lincoln Red Imps desde a década de 90 do século passado, o mais velho do clã Casciaro (que dividiu durante largos anos no clube e na selecção os relvados com os irmãos Ryan e Kyle) marcou alguns dos golos mais importantes da História do clube mas também da selecção gibraltina – o primeiro golo oficial da equipa nacional, de resto, foi mesmo apontado por si, a 29 de Março de 2015, numa derrota ante a Escócia em solo algarvio (1-6).
Pelos Imps, crónicos campeões nacionais (desde que Gibraltar compete sob o signo da UEFA conquistaram a Liga em 6 ocasiões, sendo neste momento tetracampeões em título), Lee Casciaro tem tido igualmente contribuição que o eleva desde já ao estatuto de lenda do clube, mesmo estando ainda em actividade. Foi ele a fazer o golo que garantiu a primeira qualificação de sempre do clube numa eliminatória europeia (em 2015/16, na primeira pré-eliminatória de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões, com o Lincoln Red Imps a superar o FC Santa Coloma, de Andorra, ao vencer por 2-1 fora após o nulo em casa na primeira mão), e foi também ele a fazer aquele que é provavelmente o golo mais mediático de sempre dos Imps: o que permitiu a vitória (1-0) sobre os escoceses do Celtic na primeira mão da segunda pré-eliminatória de acesso à fase de grupos da Champions em 2016/17.
(Polícia a tempo inteiro e futebolista nas horas vagas, Casciaro apontou o primeiro golo oficial da Seleção Gibraltina.)
“Hoje têm chovido telefonemas e pedidos de entrevistas de todo o mundo. É uma loucura, não estou acostumado, porque nós não somos nada mundialmente”, confidenciava-me o próprio em entrevista para o jornal “O JOGO” no dia seguinte ao golo ante um dos mais históricos emblemas do futebol mundial (e que nem a derrota por 3-0 em Glasgow na segunda mão beliscou minimamente). Na mesma ocasião, Lee Casciaro detalhou o dia-a-dia de um plantel maioritariamente semi-profissional, onde praticamente todos os atletas tinham uma profissão principal e viam o futebol apenas como hobby – só mesmo os estrangeiros, nos quais se incluíam os portugueses Bernardo Lopes (entretanto naturalizado gibraltino e ainda hoje no plantel) e António Livramento, viviam exclusivamente do futebol. “Temos polícias, bombeiros, pedreiros, serventes de construção civil ou agentes de viagem. Não é fácil conjugar as duas coisas – eu por acaso ontem estava de folga, mas houve colegas meus que fizeram o horário de trabalho normal e depois juntaram-se à equipa para o jogo. Fazemo-lo, como sempre fizemos, por gosto em jogar futebol“, dizia então.
Pois bem: passados seis anos, Lee Casciaro continua a jogar no Lincoln Red Imps e a deixar a sua marca de forma bem presente no clube. Ao faturar diante do Shkupi, da Macedónia do Norte, na segunda mão da primeira pré-eliminatória de acesso à fase de grupos da Champions disputada no passado dia 12, apenas sete minutos depois de ter sido lançado em campo, o agente de autoridade tornou-se o mais velho de sempre a marcar em qualquer fase da maior competição de clubes da Europa, com 40 anos, 9 meses e 13 dias – para trás ficou, entre outros nomes igualmente míticos, o lendário Francesco Totti, que com 38 anos, 1 mês e 29 dias era o líder até aqui neste particular. O golo de Lee Casciaro, é verdade, acabou por se revelar inglório, pois a vitória por 2-0 não chegou aos gibraltinos (tinham perdido 3-0 fora no primeiro jogo); teve, ainda assim, o condão de entusiasmar e devolver a esperança a todos os adeptos do país do rochedo, lembrando ao mesmo tempo que Gibraltar já conta, sim, para o Totobola do futebol europeu – irá, de resto, disputar agora a segunda pré-eliminatória de acesso à fase de grupos da Liga da Conferência diante do Tobol, o campeão do Cazaquistão onde alinha o médio ofensivo português Rúben Brígido.
(O momento em que Casciaro já rematou para o golo que permitiu à sua equipa derrotar o Celtic na 2ª pré-eliminatória de acesso à Liga dos Campeões 16/17. Créditos de imagem: Getty Images.)
“Costumávamos jogar com 30 pessoas nas bancadas – que eram basicamente amigos e familiares nossos – e de repente estamos a jogar na Escócia e na Alemanha perante 40 mil pessoas. Sentimo-nos como ‘superstars’”, confidenciava-me Lee Casciaro na conversa já referida anteriormente, onde pedia igualmente para olheiros começarem a deslocar-se ao território, porque ali havia jogadores com qualidade. É verdade que, por agora, ainda nenhuma estrela do futebol gibraltino conseguiu fazer nome fora do Rochedo; quando um dia vier a acontecer, porém, haverá pelo menos um homem carregado de orgulho pelas portas que conseguiu abrir com os seus feitos: o super-agente Lee Casciaro.
*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.
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