Futebol Feminino: que futuro?

161356923_446736809926813_1819196330880404828_n(Sara Pinheiro, Ana Campos e Juliana Santos.)

Contrariamente ao que acontece na vertente masculina, em que todas as divisões seniores nacionais estão em atividade, o futebol feminino em Portugal está praticamente todo ele privado da competição: dos três escalões existentes, todos classificados como amadores, apenas a Liga BPI, que é a I Divisão, tem decorrido com normalidade.
Com a II Divisão parada desde o dia 15 de… Novembro e a III Divisão suspensa desde o dia 10 de Janeiro (há equipas que fizeram o último jogo bem antes desta data), o futuro para estes campeonatos não estará muito risonho, dada a enorme paragem competitiva que as equipas estão a sofrer, sendo que quem está ainda na Taça de Portugal pôde sempre treinar presencialmente.
Por isso, questionámos três atletas que estão nesta situação, Sara Pinheiro (Grijó – II Divisão), Ana Campos (Vitória SC – III Divisão) e Juliana Santos (Racing Power – III Divisão), para percebermos um pouco de como tem sido colmatada essa pausa competitiva, como estava a correr a época e também a opinião das mesmas acerca desta longa paragem.
Em termos classificativos, o Grijó ocupa o 3º lugar da Zona Norte da II Divisão, lugar que dá acesso ao Play-Off de subida à Liga BPI e está ainda na Taça de Portugal; o Vitória é líder da Série A da III Divisão a par da equipa B do Famalicão; e o estreante Racing Power, fundado em 2020, é líder da Série G do terceiro escalão e mantém-se igualmente na Taça.

Concorda com a paragem que foi imposta? Porquê?

Sara Pinheiro: “Em parte concordei porque os números das infeções estavam demasiados elevados, e apesar de ser aquilo que gostámos de fazer e de termos sempre todo o cuidado possível no balneário, nos treinos, etc., há sempre risco. Por muito que gostemos e tenhamos a paixão pelo futebol, temos de pensar que este vírus pode estragar não só a nossa vida como a dos nossos familiares e pessoas mais próximas. Concordo que numa primeira fase a decisão de suspender a época foi acertada, mas penso que durante tanto tempo não faz sentido. Teria sido mais correto se tivéssemos tido uma paragem de duas/três semanas, ou no máximo um mês, até aos números baixarem como têm baixado. Penso que, neste momento, já podíamos ter voltado à competição.”

Ana Campos: “Sim. Como é óbvio, gostava de estar a treinar e estar com a equipa, e o facto de haver outras equipas a treinar, faz com que, na minha opinião e penso que seja uma opinião geral, não seja fácil de lidar com essa situação. Todavia, a saúde está sempre em primeiro lugar, aceito e respeito o que nos foi estipulado, e quanto mais rápido todos cumprirem as regras, mais rápido voltaremos a fazer o que fazíamos antes desta pandemia, sobretudo, sem qualquer medo ou preocupação.”

Juliana Santos: “Não concordei, visto que a I Liga, a Taça de Portugal e as equipas masculinas equiparadas à nossa divisão, continuam no ativo. Acho injusto, porque, se parou uma divisão, seja ela de que categoria for, paravam todas. Penso que a questão de algumas divisões continuarem é tudo devido a um conjunto de jogo de interesses e não porque houve uma grande preocupação quanto à questão do Covid, fora os investimentos que grande parte das equipas fez.”

De que forma esta paragem a tem afetado e que cuidados tem tido para manter a forma?

Sara Pinheiro: “De todas as formas. Desde Novembro até agora tivemos apenas um jogo, em Janeiro, para a Taça, e foi complicado no sentido de andarmos a treinar sem termos objetivo. Parecendo que não, isso “mexe” com a cabeça dos jogadores, independentemente do escalão e do género. Queríamos competir, que é realmente o nosso objetivo no futebol, e não podíamos. Faltava essa parte semanalmente. Falo por mim: ia treinar, sabia que me fazia bem, mas depois, ao fim-de-semana, sentia que faltava algo. Não havia aquela adrenalina. A nível físico é normal que afete porque do treino para o jogo há sempre uma intensidade totalmente diferente, e nós mesmas, sem jogo, parece que, de certa forma, relaxámos nos treinos. E claro, a nível psicológico também afeta. Estivemos cerca de mês e meio sem jogar e quando voltámos a ter jogo, o “chip” tem de mudar outra vez, há logo um desgaste muito maior fisicamente. Há ainda o facto dos treinos nos ajudarem a distrair das coisas do dia a dia, temos sempre uma hora e meia/duas horas para nos abstrairmos da nossa vida profissional, e inicialmente foi complicado também por causa disso. Tive uma mudança “do 8 para o 80” porque tinha uma vida de muita correria, de muito movimento, e passar de toda essa agitação para ficar em casa sem nada para fazer, sem a parte do treino presencial, e sem fazer aquilo que mais gosto… Não foi muito fácil numa primeira fase. Passados uns dias desse jogo em Janeiro, surgiu a notícia da suspensão da época, mas nós como ainda estámos na Taça de Portugal podiamos continuar a treinar, contudo, o clube achou por bem suspender a sua atividade durante algumas semanas porque os números das infeções estavam elevadíssimos e passámos a fazer treinos online, cerca de uma hora, o que, pelo menos, dava para termos o corpo “ativo” e não estávamos totalmente paradas. Voltámos a treinar presencialmente há pouco mais de um mês e foi uma sensação de iniciar a pré-época. Todas as sensações parecem novas: o piso, o tocar na bola, as mudanças de direção, o simples correr em campo de chuteiras… Foi um bocadinho complicado porque o corpo já não estava habituado a isso. Sem dúvida que termos voltado a treinar recentemente ajudou imenso para tentar, pelo menos, voltar ao nível físico em que estava aquando da paragem.”

Ana Campos: “Estar nesta posição não é fácil, tanto fisicamente como psicologicamente, nem para mim, nem para as minhas colegas, assim como, acredito, para as restantes equipas que estão na mesma posição. Porém, tento gerir esses dois pontos da melhor forma, procurando manter a motivação alta e também garantir o nível pretendido fisicamente, com treinos que são planeados pelos treinadores para executarmos em casa. Apesar de não ser a mesma coisa que os treinos em campo, como é evidente. Contudo, as circunstâncias mudaram e essa adaptação é fundamental, neste momento, para não perdermos o ritmo alto a que estávamos habituadas.”

Juliana Santos: “Parar de fazer o que mais se gosta, seja por que motivo for, é sempre complicado. Neste momento, com este panorama instalado, tem sido muito difícil de gerir, acima de tudo, ao nível emocional, pois estávamos bem em termos de classificação. Posto isto, com a vinda de tantas incertezas e medos, penso que a paragem acabou por interferir negativamente em todas as equipas, especialmente nas recentemente criadas, como é o nosso caso. Se para nós, atletas, afetou muito a parte psicológica, aos clubes afetou financeiramente. Temos, felizmente, continuado o nosso trabalho em equipa, visto estarmos ainda na disputa pela Taça de Portugal. Quanto ao treino individual, tenho conseguido manter a forma física através de uma rotina guiada por um Personal Trainer, que sigo pelo YouTube, onde tenho me conseguido manter ativa e focada nesta fase tão difícil e chata que passamos.”

Que balanço faz da época até à paragem? (individual e coletivamente)

Sara Pinheiro: “Coletivamente estámos a cumprir com aquilo que nos propusemos inicialmente: 3º lugar na nossa Série, que dá acesso à fase de subida, isto se a FPF não mudar os critérios devido a este tempo de paragem. Se não alterar, creio que estámos num bom caminho para lutarmos pela subida, que é o nosso principal objetivo. Na Taça fomos passando eliminatórias, sempre com o pensamento jogo a jogo, para chegarmos o mais longe possível. Temos agora um adversário da Liga BPI, neste caso o Torreense, e temos de ter ambição, temos que dar o máximo para tentarmos chegar à próxima fase. Claro que chegar à final seria ótimo, mas, pelo menos, temos de tentar e encarar qualquer jogo sem medo da outra equipa. Individualmente também está a ser uma boa época: tenho jogado, e, acima de tudo, tenho conseguido ajudar a minha equipa que é o mais importante. Também já consegui fazer um golinho, por isso, está perfeito (risos).”

Ana Campos: “Em termos coletivos, conseguimos atingir até então alguns dos nossos objetivos e posteriormente batido alguns recordes nacionais nesta época. Apesar de termos sido eliminadas da Taça, que era um objetivo inicial, continuámos com o foco principal de conquistar o campeonato, e temos trabalhado para isso, procurando sempre jogo a jogo (porque todos são diferentes e exigem trabalho) atingir os objetivos estipulados para os mesmos, para chegarmos ao topo e concluirmos então o objetivo, que é ganhar o campeonato. Em termos individuais, não é a melhor época para mim até agora, pois não consegui atingir os principais objetivos delineados para mim desde o início da época. Apesar dessa situação, sempre que acaba a primeira volta, faço um balanço e reflexão da mesma, adaptando e traçando novos objetivos diferentes dos que eram pretendidos numa fase inicial para a época inteira.”

Juliana Santos: “‌Começámos bem a época e até à paragem seguíamos bem posicionadas, sendo que o 1° lugar ainda é nosso, e na Taça temos conseguido ultrapassar as eliminatórias. Pessoalmente, sinto-me bem e pronta para ajudar a equipa a atingir os objetivos, que passam por, obviamente, manter o que temos até à data, o 1º lugar, para, posteriormente, disputarmos e conseguirmos a desejada subida de divisão, juntamente com a nossa caminhada na Taça de Portugal, onde o objetivo passa por chegarmos o mais longe possível.”

Considera que é possível terminar a temporada?

Sara Pinheiro: “Pegando no que disse antes, acho que é possivel terminarmos, agora que os números, felizmente, estão a baixar imenso. Claro que temos de manter todos os cuidados tal como fomos tendo desde o início da época. Provavelmente vai ter que haver algum ajuste competitivo para que possamos completar a temporada. E mesmo da parte da FPF, penso que podia haver algum apoio aos clubes para ajudar a nível da realização dos testes antigénio, para, pelo menos, haver mais controlo a nível do futebol amador. A FPF fez acordo com vários campeonatos, incluindo a Liga BPI, que não é considerado campeonato profissional apesar de ter várias equipas que o são, e acho que esse acordo devia ser válido para todas as competições, até para os Distritais masculinos. Era importante que houvesse essa ajuda da FPF, para, de certa forma, transmitir mais confiança na modalidade, e até poder facilitar o término das competições.”

Ana Campos: “Em relação a este ponto, não sou a melhor pessoa para esclarecer, pois esse poder não é meu, mas sim de quem é responsável por tal encargo e depende de muitos fatores que estão acima do que eu posso expressar. Mas gostava, como a maior parte das equipas que estão na mesma situação, de realizar os jogos que ainda faltam disputar e terminar a presente temporada dentro de campo, se possível com a conquista do campeonato da III Divisão.”

Juliana Santos: “Se será possível ou não, só o tempo e as circunstâncias o dirão… Mas estou desejosa que volte e estou pronta para continuar a lutar pelos objetivos da minha equipa e dar continuidade à excelente época que estávamos a fazer. Caso a competição não volte, estou preparada para isso mesmo e para “agarrar com unhas e dentes” aquilo que o futuro me trouxer.”

Quem é quem

Nome: Sara Filipa Ferreira Pinheiro
Data de nascimento: 02/04/1996 (24 anos)
Posição: Defesa Direito/Médio
Época 20/21: 6 Jogos/1 Golo
Clubes representados: Casa do Povo de Martim, Boavista e Grijó (desde 2018)

Nome: Ana Rita Campos Araújo
Data de nascimento: 03/06/1993 (27 anos)
Posição: Extremo
Época 20/21: 4 Jogos/4 Golos
Clubes representados: Casa do Povo de Martim, Os Sandinenses e Vitória SC (desde 2019)

Nome: Juliana Sofia da Silva Santos
Data de nascimento: 30/09/1990 (30 anos)
Posição: Defesa Central/Médio Defensivo
Época 20/21: 7 Jogos/3 Golos
Clubes representados: São Félix da Marinha, Dragões Sandinenses, Cesarense, Grijó, Clube Albergaria e Racing Power (desde 2020)