Marcel Correia: “Era bonito chegar aos 200 jogos na II Liga Alemã”

marcelelversberg(A iniciar a segunda temporada no Elversberg, Marcel Correia já garantiu um lugar na história do clube que esta época se estreia na 2. Bundesliga.)

Marcel Correia nunca foi um central goleador mas, num curto espaço de tempo, apontou dois golos verdadeiramente significativos: em Maio, fez o tento que garantiu a inédita subida do Elversberg à II Liga alemã – 1-1 diante do Wehen Wiesbaden; e há pouco mais de uma semana, marcou o primeiro golo da história do clube no segundo escalão germânico – 2-2 em casa do Hannover.
Nascido em Kaiserslautern a 16 de Maio de 1989, o futebolista, filho de pais portugueses emigrados nessa cidade, fez até ao momento toda a sua carreira na Alemanha, tendo mesmo chegado à Bundesliga na temporada 13/14 ao serviço do Eintracht Braunschweig, emblema que mais tempo representou – 6 épocas.
Atualmente com 34 anos, Marcel Correia, que só tem nacionalidade portuguesa, confessa nesta entrevista que se sente mais luso do que alemão e assume que quer atingir os 200 jogos na 2. Bundesliga, ele que foi formado no Kaiserslautern e jogou também por Jahn Regensburg e Paderborn:

À Bola pelo Mundo/Conversas Redondas: Depois de marcares o golo que garantiu a subida inédita do Elversberg à II Liga alemã, fizeste o primeiro golo de sempre do clube neste escalão. Ficarás para sempre na História!
Marcel Correia: Para dizer a verdade, na altura nem me apercebi que era o primeiro golo do Elversberg na II Liga. Estás no jogo, estás concentrado, nem te lembras disso. Depois do jogo, os jornalistas perguntaram sobre isso e percebi que tinha feito algo com importância maior para o clube. Foi bonito, mas teria valido mais se tivéssemos conseguido os três pontos.

Acabam por empatar 2-2 [em casa do Hannover 96] e tu cometeste uma grande penalidade um bocadinho duvidosa. Foi mesmo falta?
Depois vi o vídeo. Ele escorrega, mas sim, eu também lhe toquei um bocadinho… Se tivesse sido apitado logo, aceitava melhor. O árbitro mudar de opinião depois de ver o vídeo… Não tivemos muita sorte com o VAR.

E como explicas esta faceta de goleador que surgiu já depois dos 30 anos? Antigamente não marcavas muitos golos…
Tentamos melhorar todos os dias, mas para dizer a verdade, nos primeiros anos não tinha grande sorte, a bola ia muitas vezes ao poste ou o guarda-redes defendia. Agora, talvez pela experiência, tenho mais olho para onde a bola pode cair. Estou feliz, porque posso ajudar a equipa com golos. Nesse aspecto, nos primeiros anos da carreira não dei grande ajuda, não! Se tivesse marcado um ou dois a mais não fazia mal (risos)!

marcelbraunschweig(Foi ao serviço do Eintracht Braunschweig que o central aitngiu o ponto mais alto da sua carreira: jogar na Bundesliga.)

Qual foi a motivação para ires para o Elversberg, acabado de subir à III Divisão, depois de passares mais de 10 anos na II e ainda um ano na Bundesliga?
Os meus pais estão em Kaiserslautern, a minha mulher é daqui e eu nasci aqui, por isso a motivação foi mesmo voltar a casa. Elversberg fica a 35 minutos de Kaiserslautern. A minha filha entrou na escola no ano passado e por isso a decisão foi mais familiar, o plano desportivo foi secundário. Mas acabou por ser ótimo, foi uma época espetacular. Dominámos, merecemos subir. Foi um ano que correu bem. Esta região não teve muitos clubes na I ou II Liga, por isso é ainda mais especial. Ultrapassámos o Saarbrucken na hierarquia da região.

Mas os objectivos do clube não passavam por subir, certo?
Não, o objectivo era tentar permanecer sem grandes dificuldades. Correu bem. Começámos bem, entrámos com uma vitória em Essen por 5-1, depois ganhámos 4-3 ao Bayer Leverkusen na Taça e isso deu um impulso grande à equipa: aí começámos a acreditar que tínhamos equipa para mais. Vais andando, vais ganhando jogos, de repente vês-te na frente, notas que não há muitas equipas capazes de te vencer, os candidatos também começaram mal a época, e começas a acreditar no sonho de subir outra vez. Nota-se na confiança da equipa, os treinadores também começam a falar de outra forma. Não tínhamos essa pressão, foi um bónus!

E quais são os objectivos para esta época?
É mesmo só a permanência. A II Liga é muito forte, e no primeiro ano do clube neste escalão, o pensamento só pode passar por conseguir a manutenção. Difícil vai ser, mas acho que com a nossa união, acredito que podemos conseguir.

marcelkaiserslautern(Natural de Kaiserslautern, foi no histórico clube que tem o mesmo nome da cidade que Marcel se formou e chegou a profissional.)

És o jogador da equipa com mais experiência destas andanças? Isso também te dá mais responsabilidade…
Sim. Poucos já jogaram na II ou na I. Com a idade e a experiência, a tua voz ganha automaticamente mais força no balneário. A equipa sabe que já joguei em patamares mais altos e claro que isso faz com que me oiçam com mais atenção. Mas eu nunca falo só pelo estatuto, até porque se não jogar, se não estiver lá dentro, a voz não tem tanta força.

Nasceste na Alemanha, filho de pais portugueses, e só tens mesmo a nacionalidade portuguesa, correcto?
Sim, só tenho mesmo a nacionalidade portuguesa. Os meus pais são de São Tomé de Negrelos, perto de Santo Tirso. Vieram aqui para a Alemanha e um ano depois eu nasci. Para dizer a verdade, não sei bem mas acho que eles tinham ideia de voltar rapidamente para Portugal, e por isso trataram de me dar a nacionalidade portuguesa. Depois se calhar mudaram de ideias e pronto, acabaram por ficar (risos).

E tu nunca quiseste ter a nacionalidade alemã?
Na verdade, não (risos)! Mesmo tendo passado cá a vida toda, sinto-me mais português que alemão. Aqui em Kaiserslautern há muitos portugueses, há cafés portugueses, um restaurante português, um clube de futebol português. Passei a minha juventude toda com portugueses, em casa falava-se português, a televisão é portuguesa, o meu pai tem uma paixão pelo Benfica, que me passou a mim também… Acabei por conhecer Portugal mesmo sem viver em Portugal. Este ano não foi possível ir, mas no ano passado o meu avô fez 100 anos e fomos lá, fizemos uma festa bonita. Sempre que tenho oportunidade, vou ver a família.

marcelpaderborn(Antes de se mudar para o Elversberg, o futebolista com descendência nortenha atuou duas temporadas noutro histórico alemão: Paderborn.)

E pensas um dia vir viver para Portugal?
Isso vai depender da esposa e das crianças. O plano dos meus pais, por exemplo, é dividirem o tempo entre Alemanha e Portugal quando se reformarem, e é também o meu. A minha vida agora está aqui na Alemanha, e quero fazer parte da vida dos meus filhos mesmo quando eles crescerem e já não viverem connosco. Mas adoro passar tempo em Portugal, e graças a Deus a minha esposa também – ela é alemã mas passava bem por portuguesa (risos). Ainda falta muito tempo, mas se tiver a possibilidade e o luxo de passar uns meses na Alemanha e outros em Portugal, seria óptimo.

Fizeste a carreira toda na Alemanha. Foi por vontade tua, ou nunca surgiu a possibilidade de ir para fora?
Nos primeiros anos, a minha ambição era chegar o mais longe possível cá. E consegui chegar à Bundesliga, ainda que infelizmente só lá tenha jogado uma época. Depois de ter a minha primeira filha, tive algumas propostas do estrangeiro mas não me senti muito confortável em sair, nem sei bem porquê… Olhando para trás, gostava de ter tido uma experiência fora, também para evoluir noutros aspectos. Mas ainda assim, e exceptuando as lesões, que infelizmente foram algumas, estou contente com a minha carreira até aqui.

Jogaste nas 4 primeiras divisões alemãs, mas a época na Bundesliga foi certamente o ponto mais alto.
Sim, jogar na Bundesliga foi especial. Estás a defrontar os melhores jogadores do país semana após semana, em estádios grandes e quase sempre cheios. Foi muito bonito e fico contente por ter conseguido lá chegar. Mas também sei que é difícil chegar mesmo à II Liga, que tem sempre equipas espectaculares.

marcelragensburg(Após deixar o Eintracht Braunschweig, Marcel rumou ao Jahn Regensburg.)

No currículo já tinhas outras duas subidas, ambas à Bundesliga.
Sim, subi com o Kaiserslautern, mas nessa altura jogava acima de tudo na equipa de reservas. E depois subi com o Braunschweig. E falhámos outra subida no play-off final com o Wolfsburg em que até foi o Vieirinha que marcou o golo no jogo da segunda volta [duas derrotas por 1-0].

Para quem nunca te viu jogar, como te descreves enquanto jogador?
Quando era jovem, era mais rápido (risos)! O meu pai sempre me disse que eu era um falso rápido. As lesões tiraram-me um bocado isso. Destaco a antecipação, a capacidade de ler o jogo. Não sou muito fraco com os pés – prefiro o direito, mas o esquerdo também nunca foi um problema. E o jogo aéreo.

Em que aspecto consideras ter evoluído mais ao longo da carreira?
A ler o jogo. Com a experiência, mudou a minha forma de jogar. No início da carreira tens mais força, és mais rápido e tentas ir a todas as bolas; depois, com o passar do tempo, vais aprendendo a ver o jogo de outra forma. Não é segredo para ninguém que a melhor fase de um jogador é com 28, 29, 30 anos, porque ainda tens mais ou menos a mesma força de sempre, mas já tens a experiência suficiente para melhorar a tua forma de jogar. É isso que me permite ainda estar a jogar a este nível, depois de tantas lesões.

Quais os teus ídolos de infância? E em quem te revias/revês na tua posição?
O meu ídolo foi sempre o Rui Costa. Pela elegância como jogava. Como central, português foi o Ricardo Carvalho. Mas o central para quem olhava sempre era o Alessandro Nesta.

marcelcelversberg(Depois de empatar em Hannover na abertura da II Liga, o Elversberg perdeu, de forma incrível, na receção ao Hansa Rostock.)

Tens algum treinador que te tenha marcado mais?
Tacticamente, o último que tive no Paderborn: Lukasz Kwasniok. Foi o melhor que conheci. Em termos humanos, o treinador que tenho agora, Horst Steffen. Uma pessoa espectacular, que lida com as pessoas com muito respeito e que faz com que os jogadores estejam com ele. Depois, também Torsten Lieberknecht, que me tirou do banco do Kaiserslautern e me levou para o Braunschweig. Passei 6 anos com ele e ajudou-me muito tacticamente, mas também me ensinou a ser mais homem no campo. Muitos jogadores não conseguem adaptar o seu jogo na transição para seniores, e ele nesse aspecto ajudou-me. Ensinou-me a ser mais disciplinado, jogar fácil – porque eu era e sou um central que gosta de ir para a frente, arriscar no drible se tiver espaço, e ele ajudou-me a tomar melhor as decisões e ter confiança, mas também assumir a responsabilidade quando falhava.

O que ainda tens para atingir na carreira?
Desfrutar da vida como futebolista, sem lesões. Como passei muitos anos com lesões, quero passar os últimos momentos como futebolista dentro do campo e ter a coragem de decidir o momento certo para deixar o futebol, porque não quero depois viver cheio de dores, não conseguir jogar com o meu filho ou brincar com as minhas filhas. A saúde é o mais importante. Vou fazer esta época e depois ver se ainda continuo. Agora também voltei à II Liga e conseguir atingir os 200 jogos neste escalão era bonito [contabiliza 190 por agora].