Manuel Cajuda: o algarvio que pôs o Braga a nadar na piscina dos “grandes”

cajudabraga(Manuel Cajuda fez sucesso com o Sp. Braga a meio da década de 90 e no princípio dos anos 2000.)

O apuramento do Braga para a final da Taça de Portugal, selado na noite desta terça-feira, veio confirmar a grandíssima temporada protagonizada pelos Guerreiros do Minho, que a cinco jornadas do fim do campeonato ainda acalentam legítimas aspirações a conquistar o campeonato – seguem a 6 pontos do líder Benfica, que visitarão daqui a duas jornadas. O percurso dos comandados de Artur Jorge vem no seguimento do crescimento que os bracarenses têm vindo a solidificar nas últimas duas décadas, principalmente após a chegada de António Salvador à presidência do clube, em Fevereiro de 2003.

Os primeiros passos nesse sentido, todavia, começaram a ser dados um pouco antes, e pela mão de um… algarvio. É certo que já tinha ficado por três ocasiões em 4º lugar no campeonato (duas na década de 70 e outra na de 80), contando ainda com uma Taça de Portugal no palmarés (conquistada na já longínqua época de 1965/66), mas foi após a chegada de Manuel Cajuda ao comando técnico que os minhotos se começaram a estabelecer em pleno como uma das melhores equipas do futebol nacional.

cajudafarense(Foi no Farense que Cajuda iniciou a sua carreira de treinador.)

Após um 10º e um 8º lugares entre 1994 e 1996 – e depois de o clube ter escapado por um triz à descida em 93/94 –, o técnico nascido em Olhão alcançou o 4º posto em 96/97, orientando uma equipa recheada de nomes míticos do Braga como Rui Correia, Zé Nuno Azevedo, Bruno, Karoglan… ou o próprio Artur Jorge. Os Guerreiros do Minho terminaram a temporada a apenas 3 pontos do 3º classificado, Benfica, e 2 à frente do arqui-rival Vitória SC, algo pouco frequente por essa altura.

“Eu disse aos dirigentes que, no primeiro ano, queria ser o primeiro dos últimos. O que é que isto representava para mim? Queria ficar no décimo lugar. No segundo ano, queria ser o último dos primeiros, e, portanto, queria ficar em nono lugar. No terceiro ano, queria estar na Europa. As pessoas ficaram, de certo modo, espantadas comigo. Até me recordo do prémio que pedi ao clube no caso de ir à Europa: no primeiro ano, eram 15 mil contos. No segundo ano, eram 10 mil contos – baixava 5 mil – e no terceiro passava para 20. O presidente perguntou porque é que o queria um prémio assim. Eu disse que, se eu conseguisse acabar a primeira época no Braga, já era um herói, porque o Braga nos últimos quatro anos tinha tido seis treinadores”, revelava Manuel Cajuda em entrevista ao Zerozero no passado mês de Fevereiro. “Porque é que eu baixava na segunda? Eu disse que, na segunda, se eu acabar a época, já tenho mais condições para trabalhar. Perguntaram-me ‘porque é que você, na terceira, já exige 20?’ e eu disse: ‘porque eu exijo a mim próprio, não exijo a vocês, no terceiro ano estar no quarto lugar’”, contou também.

cajudaleiria(A União de Leiria foi o clube por onde o técnico mais vezes passou: foram três períodos distintos ao serviço do emblema da cidade do Lis.)

O treinador algarvio rumou depois ao Belenenses, mas voltaria a Braga a meio de 98/99, culminando a temporada com um 9º posto (que se repetiu em 99/00), tendo os bracarenses terminado 97/98 ainda mais abaixo: 10º lugar (chegaram, ainda assim, à final da Taça, onde foram derrotados pelo Porto por 3-1). Em 2000/01, com um misto das velhas guardas e alguns jovens de inestimável qualidade (casos de Quim, Luís Filipe, Castanheira ou o saudoso Miklós Fehér), chegaria então novo 4º lugar, na época do Boavista campeão – o Braga ficou a 20 pontos do 1º posto mas a apenas 5 do 3º, ocupado pelo Sporting, tendo terminado à frente de União de Leiria e… Benfica, no que foi a pior época da História das Águias, e bem à frente do Vitória SC, 15º com menos 19 pontos.

“Eu disse que queria fazer do Braga uma equipa como o Corunha ou o Valência: não eram campeões, mas estavam próximos da luta pelo título. Que queria fazer do Braga o melhor clube do Minho, e não queria dizer não fosse grande já, mas quem liderava o futebol do Minho era o Vitória. E conseguimos ultrapassar o Vitória. Curiosamente, quando cheguei a Guimarães, disse exatamente a mesma coisa… e consegui pôr o Vitória no terceiro lugar”, lembra Manuel Cajuda, após desfiar um rol gigante de dificuldades pelas quais o Braga passava na altura – desde não ter bolas ou lavandaria até aos inevitáveis meses de salários em atraso: “Nós passámos as dificuldades que já não existem agora e que ninguém passou. Muita gente diz que eu fui o pai do Braga e eu digo sempre que não. Eu, quando muito, posso ser o tio. Foram oito anos de grandes sacrifícios, mas, acima de tudo, fica a consciência de que recuperámos o Braga do período mais difícil da sua história.”

cajudaolhanense(Durante a época 12/13, Cajuda regressou ao Olhanense, clube da cidade onde nasceu, e que já tinha orientado na década de 80.)

O 9º lugar em 2001/02, com os mesmos pontos do Vitória minhoto, configurou o último capítulo na relação de Manuel Cajuda com o Braga – que passaria por momentos de aflição na temporada seguinte, com Jesualdo Ferreira a salvar a equipa da despromoção por 2 pontos. Deu-se, então, a chegada de António Salvador à presidência, e com ela o crescimento realmente sustentado do clube, que hoje se bate de igual para igual com os “grandes” do nosso futebol.

O legado de Cajuda, no entanto, estende-se bastante mais do que os feitos em Braga. Depois de uma carreira de jogador passada inteiramente em clubes da sua região (Sambrasense, Olhanense e Farense), o antigo central começou como adjunto nos Leões de Faro em 1983/84, acabando por ter aí a primeira experiência enquanto treinador principal após a saída do lendário técnico búlgaro Hristo Mladenov antes do fim da época. Após voltar às funções de adjunto na temporada seguinte, passou definitivamente para chefe de equipas técnicas em 1985/86, no “seu” Olhanense, que liderou durante 2 temporadas.

cajudazamalek(Em 2006, o treinador algarvio assumiu o comando dos egípcios do Zamalek, vivendo aí a sua primeira experiência internacional.)

Em 1986/87 regressou ao escalão principal, conduzindo o Portimonense a um 13º lugar, e após ficar às portas da subida com o Louletano em 89/90, viria a conseguir esse objectivo ao comando do Torreense na temporada seguinte, não conseguindo porém impedir a descida em 91/92. Chegaria a Braga depois de nova subida à I Liga, então ao serviço da União de Leiria, e pelo meio dos quase sete anos nos minhotos teria apenas uma passagem tristonha pelo Belenenses, acabando despromovido ao segundo escalão em 97/98 – viria a sair a meio da temporada seguinte para regressar ao Braga, fazendo ainda assim parte da campanha que culminou com nova subida dos Azuis do Restelo.

Em 2002/03, regressou a Leiria para fazer a melhor temporada da História do clube: quinto lugar e a presença na final da Taça de Portugal, perdida para o Porto de José Mourinho (0-1). Na época seguinte rumou ao Marítimo, onde conseguiria um 6º lugar, seguindo-se passagens menos bem sucedidas por Beira-Mar e Naval. Teria a primeira aventura fora do país em 2005/06, nos egípcios do Zamalek, onde se sagraria vice-campeão e finalista vencido da Taça, voltando a Portugal a meio da temporada seguinte para resgatar o Vitória SC de uma possível descida à II Divisão B, conduzindo-o à subida à I Liga e na temporada seguinte a um impensável 3º lugar que permitiu aos vimaranenses disputar o play-off de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões em 2008 (no qual acabaria derrotado por 2-1 em Basileia, em jogo onde viu um golo mal anulado por pretenso fora-de-jogo de Roberto).

cajudavsc(Manuel Cajuda “tirou” o Vitória SC da II Liga e colocou-o a disputar o play-off de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões.)

Após 2 anos nos Emirados Árabes Unidos, ao comando do Al Sharjah, regressou a Leiria já com a época 2011/12 em andamento e acabaria por enfrentar uma situação muito complicada, de novo devido ao flagelo dos salários em atraso, deixando o clube em Março na última posição da tabela – pouco depois, vários jogadores rescindiriam unilateralmente, com a União de Leiria a cair num poço de onde só se está a reerguer agora. Regressaria a Olhão quase um ano depois, sucedendo a Sérgio Conceição, mas onde curiosamente reencontraria um cenário semelhante e o qual não conseguiria reverter: acabaria por sair a 3 jornadas do fim, depois de apenas uma vitória em 15 jogos, com o interino Bruno Saraiva a conseguir o milagre da permanência na última ronda.
Esta seria, sabe-se agora, a última presença de Manuel Cajuda no escalão maior do nosso futebol. O técnico algarvio colecionou depois passagens por emblemas do continente asiático (Chongqing, Tianjin Tianhai e Sichuan Annapurna, nos escalões secundários da China; Ajman, nos Emirados Árabes Unidos; e BEC Tero Sasana, na Tailândia), até que em Fevereiro de 2018 regressou a Portugal com nova missão “impossível”: colocar o Académico de Viseu na I Liga pela primeira vez em 30 anos.

“Não vim para aqui para ficar três meses. Se não subir este ano, subo para o próximo”, prometeu na apresentação oficial no emblema viseense; acabaria por não conseguir cumprir, todavia, ainda que por culpas que não lhe podem ser imputadas. Logo nessa época, terminou no terceiro lugar da II Liga, a apenas 2 pontos do Santa Clara, com os açorianos a ser visados (e considerados culpados) de várias irregularidades puníveis nos regulamentos da Liga com perda de pontos – o que acabou por não acontecer: dada a morosidade do processo, que se arrastou até ao início da temporada seguinte, o emblema dos Açores acabou por ser punido apenas com multas, prejudicando assim de forma directa o Académico de Viseu.

Cajuda ainda começaria a temporada seguinte no clube, mas o falecimento da mãe e problemas de saúde levaram-no a abandonar o cargo no início de 2019. Voltaria ao activo um ano depois, pela porta do Leixões e também no segundo escalão, mas a interrupção abrupta e definitiva da competição em Março, devido ao surgimento da pandemia do coronavírus, levou-o a decidir abandonar o clube após apenas 6 jogos (2 vitórias).

cajudaleixoes(O Leixões foi o último clube que Manuel Cajuda treinou até hoje: o técnico chegou a Matosinhos em Janeiro de 2020, mas, devido ao surgimento da pandemia, deixou o cargo em Maio.)

Desempregado desde então, há quase 3 anos, o longevo treinador olhanense mantém-se ainda assim bastante activo e presente no mundo do futebol: visto várias vezes em vários estádios de norte a sul do país (mantém uma habitação em Braga e também na sua cidade natal), faz questão de mostrar nas redes sociais que se actualiza constantemente em formações, mantendo a porta aberta para um regresso ao trabalho apesar dos 71 anos. Os 506 jogos enquanto treinador na I Liga e os vários trabalhos de monta descritos neste artigo não chegaram para dar o salto para um “grande” (mais que merecido), o que ajuda a explicar a vitrina de troféus vazia, nem para alimentar com mais afinco o sonho de um dia ser o seleccionador nacional de Portugal, mas Manuel Cajuda será sempre um dos treinadores mais emblemáticos e reconhecidos dos adeptos do futebol português – e se este Braga chegar mesmo um dia a ser campeão, não se esqueçam aqui do “tio”.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.