Liga dos Campeões… mas pouco: tudo mudou desde 97/98

dortmund(O Borussia Dortmund foi o último vencedor da “verdadeira” Liga dos Campeões.)

A eliminatória da Liga dos Campeões que se começou a disputar nesta terça-feira (com festa portuguesa, mercê do golo de Rui Pedro que garantiu a vitória por 2-1 do Olimpija, treinado por João Henriques e ainda com Jorge Silva e David Sualehe no 11 inicial, sobre o Valmiera), é oficialmente a primeira de qualificação para a fase de grupos (ainda que já tenha havido antes uma ronda preliminar)… e ao mesmo tempo a última a ser disputada apenas por campeões nacionais. Parece contraditório, mas é verdade: daqui em diante, entrarão em prova já várias equipas que não se sagraram campeãs dos respectivos países, e é certo e sabido que muitos dos campeões ficarão pelo caminho antes da fase de grupos, onde estarão garantidamente vários não-campeões – desde logo a maioria dos representantes das chamadas “big five”, que é como quem diz, as 5 principais ligas europeias.

Um cenário que só se tornou possível a partir de 97/98, quando a UEFA resolveu alargar (mais uma vez) a maior prova europeia de clubes e permitir que competissem também os vice-campeões das principais ligas. Até aí, mesmo com as várias alterações no formato, era impensável conceber a possibilidade de um não-campeão disputar a competição – a única excepção permitida era a de ter conquistado a prova na temporada anterior, como aconteceu ao Nottingham Forest, ainda hoje o único clube a ter conquistado por duas vezes a prova sendo apenas uma vez campeão nacional em toda a sua História.

(Mustapha Hadji encara Salif Diao durante o Sporting 3-0 Mónaco da fase de grupos da Champions League 97/98. Os “leões” foram o primeiro clube português não campeão em título a disputar a prova milionária após o “alargamento” feito pela UEFA.)

De 1955, ano da sua criação, até 1992, a competição mais desejada do continente chamava-se Taça dos Campeões Europeus. Nos primeiros anos de existência, alguns clubes participavam por convite, de acordo com o prestígio que detinham no continente, em detrimento do campeão nacional do respectivo país – aconteceu, de resto, com o representante português logo na primeira edição: o Benfica foi campeão em 1954/55, mas foi o Sporting o clube escolhido pela UEFA para participar na edição inaugural da prova europeia.

Nessa primeira edição, a competição contava com 3 rondas a eliminar até à final. A partir da época seguinte, passou a ter mais uma ronda, com o conceito da pré-eliminatória a surgir em 66/67, e a primeira grande mudança no formato chegaria apenas em 91/92, com a introdução da fase de grupos após as duas primeiras rondas: 2 grupos, com o vencedor de cada a assegurar a presença na final.

Em 92/93, a denominação mudou definitivamente para a que conhecemos hoje em dia: nasceu a Liga dos Campeões. Na época seguinte, outra novidade: passaram a apurar-se os dois primeiros de cada grupo, havendo lugar a meias-finais e posteriormente o jogo decisivo. E… nova mudança para 94/95: 4 grupos, com os 2 primeiros de cada grupo a passar para a fase seguinte, surgindo assim os quartos-de-final.

(Na temporada 91/92, Sampdoria e Panathinaikos defrontaram-se na primeira fase de grupos da história da Liga dos Campeões, numa edição que teria precisamente os italianos como finalistas vencidos diante do Barcelona.)

Até que, em 97/98, se deu a ruptura decisiva com o passado, abrindo a participação na prova a clubes não-campeões – no caso, os vice-campeões dos 8 primeiros classificados do ranking. No total, a competição passou de 24 a 55 participantes, com 6 grupos, seguindo em frente os vencedores de cada e ainda os 2 melhores segundos classificados.

E em 99/00, numa edição onde os principais países já tinham 4 equipas em prova (num total de 70 clubes participantes), uma nova variante: após uma primeira fase de grupos de 8 equipas, os primeiros e segundos classificados seguiam para uma segunda fase de grupos. Este formato, porém, duraria apenas 4 edições: a partir de 2003/04 (edição ganha pelo Porto, como se sabe), estabeleceu-se o regresso a apenas uma fase de grupos com 8 grupos, passando os 2 primeiros classificados de cada para a fase a eliminar – no caso, os oitavos-de-final.

(Martin O’Neill e Kevin Keegan em ação sob o olhar atento do árbitro português António Garrido durante a final da Taça dos Campeões Europeus em 1980. Ao derrotar o Hamburgo, por 1-0, o Nottingham Forest passou a ter, até hoje, mais títulos europeus do que nacionais, sendo mesmo o único clube a consegui-lo.)

Daí para cá, as alterações registadas foram apenas circunstanciais – como o vencedor da Liga Europa ter entrada directa na Liga dos Campeões do ano seguinte, por exemplo. Tudo irá mudar, porém, a partir da próxima temporada, deixando de existir a fase de grupos como hoje se conhece: as 36 equipas que participarão na prova competirão em formato de liga, fazendo 8 jogos (4 em casa e 4 fora) com diferentes adversários. No fim da fase regular, passam directamente à fase a eliminar os 8 primeiros, com os classificados do nono ao 24º posto a disputar um play-off a duas mãos para chegar aos oitavos-de-final.

Será a maior mudança de formato desde o surgimento da fase de grupos, disso não há a mais pequena dúvida. A Liga dos Campeões é a competição futebolística (e quiçá desportiva) de maior prestígio a nível mundial, e também a que mais receitas gera. Para alguns românticos do futebol (nos quais este que vos escreve se inclui), todavia, a magia da competição perdeu-se sobremaneira com a abertura da mesma a equipas não-campeãs pelos seus países.

(Michael Ballack assiste ao momento em que Zinédine Zidane assina o “tal” fantástico golo na final da Champions 01/02. O Bayer Leverkusen, mesmo não sendo Campeão Alemão, esteve perto de se sagrar Campeão Europeu, mas acabou derrotado pelo Real Madrid.)

A possibilidade de um clube vencer a Liga dos Campeões sem nunca ter sequer sido campeão nacional (podia ter acontecido, por exemplo, com o Bayer Leverkusen em 2001/02) vai contra os princípios básicos da prova na sua génese, bem como a participação de 4 ou 5 clubes de um só país. Longe vão os tempos do Steaua, do Estrela Vermelha, do PSV Eindhoven ou, porque não, do Benfica ou Porto a festejarem a conquista da prova; hoje, essas memórias vão ficando cada vez mais vagas e distantes, e a Liga dos Campeões não passa acima de tudo de uma Liga dos Milhões. Para quem considera a ideia da Superliga Europeia uma perfeita aberração, se calhar já não se anda muito longe desse conceito há uns aninhos valentes.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.

Lavezzi: a personificação da megalomania da Superliga chinesa

lavezzihebei(Ezequiel Lavezzi foi o primeiro “investimento louco” do futebol chinês, tendo mesmo sido, a determinado momento, o futebolista mais bem pago do Mundo.)

É, incontornavelmente, o tema que domina a agenda mediática do futebol mundial nos últimos meses: o louco investimento saudita que promete abalar os alicerces do futebol europeu. Se, aquando da ida de Cristiano Ronaldo para o Al Nassr, ainda ficou a ideia de se estar perante mais uma tentativa de dar notoriedade a uma liga local com a contratação de veteranos de renome, as movimentações surgidas nas últimas semanas já demonstram claramente que a Arábia Saudita tem ambições bem maiores – como exemplo, a contratação de Rúben Neves ao Wolverhampton.

Um projecto como este dos sauditas, porém, não é propriamente uma novidade. Ao longo das últimas décadas, várias foram as tentativas de criar ou desenvolver campeonatos locais de modo a alcançar o mesmo nível – ou pelo menos a mesma notoriedade – dos europeus de maior nomeada. Aconteceu nos anos 70 nos Estados Unidos (com um pequeno revivalismo em meados da década de 2000, nomeadamente com a ida de David Beckham para o LA Galaxy), nos anos 90 no Japão e na segunda metade da década de 2000 e início de 2010 na Rússia, com os casos particulares do Dynamo Moscovo e do Anzhi, que chegou a fazer de Eto’o o jogador mais bem pago do mundo.

ruben(A contratação de Rúben Neves por parte do Al Hilal, é um sinal claro do investimento que a Arábia Saudita pretende fazer no futebol.)

Por uma razão ou por outra, todas falharam. Aquela que se terá assemelhado mais à da Arábia Saudita, porém, será a da China. Em 2011, na sequência de uma operação anti-corrupção que visava limpar o nome do campeonato e promover o futebol local para poder um dia sonhar com a conquista de um Mundial, o presidente Xi Jinping impulsionou uma onda de contratações de craques mundiais por parte dos maiores clubes chineses: primeiro chegaram os já trintões Drogba, Anelka ou Seydou Keita; depois, Paulinho (internacional brasileiro de apenas 27 anos na altura), Ramires, Hulk, Oscar, Tévez, Alexandre Pato ou o “nosso” Ricardo Carvalho, além de treinadores como Fabio Capello, Marcello Lippi, Manuel Pellegrini, Rafa Benítez, Luiz Felipe Scolari ou os portugueses Vítor Pereira (campeão em 2018) e André Villas-Boas.

A transferência que envolveu os valores mais surpreendentes, porém, terá sido a de Ezequiel Lavezzi em 2016. Aos 31 anos, e depois de quase 9 temporadas ao mais alto nível na Europa (5 no Napoli e 3 e meia no Paris Saint-Germain), o avançado argentino mudou-se para a China em Fevereiro, reforçando o Hebei China Fortune. Numa primeira instância, foi referido que o salário iria andar na ordem dos 10 milhões de euros anuais limpos, num contrato válido por 2 temporadas; alguns meses depois, todavia, descobriu-se através do denominado “Football Leaks” que Lavezzi auferia na verdade incríveis 36 milhões de euros por ano, o que fazia dele o futebolista mais bem pago do mundo, suplantando Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, por essa altura líderes incontestados dessa tabela época após época.

oscar(Óscar rumou à China no príncipio de 2017, somente com 25 anos, mas volvidos 6 anos e meio, ainda por lá se mantém ao serviço do mesmo clube.)

Estes números ganham ainda maior relevância tendo em conta que Lavezzi, até ao fim de 2016, fez apenas 10 jogos pelo emblema chinês, também devido a lesão contraída ao serviço da selecção argentina na Copa América, e… não marcou qualquer golo. Acabaria por melhorar o rendimento para 2017, apontando 20 golos em 27 jogos, e ficaria mais 2 temporadas no clube, com 12 golos em 27 partidas em 2018 e 3 tentos em apenas 11 jogos disputados em 2019, anunciando o fim da carreira a 27 de Novembro, após a derrota caseira com o Guangzhou (1-3) onde até marcou – por essa altura, refira-se, já havia sido suplantado em termos salariais por Tévez, que conquistou o epíteto de futebolista mais bem pago do mundo durante 2 anos ao receber 40 milhões de euros anuais.

O pico do “El Dorado” chinês deu-se em 2017, quando a Superliga chinesa gastou, no somatório de todos os clubes, mais de 550 milhões de euros em contratações. O paraíso, todavia, acabaria por começar a ruir pouco depois: a crise de grandes multinacionais como a Suning ou a Evergrande provocou um desinvestimento gigante, que redundou em colapso quase total com o surgimento da pandemia – o ponto mais negro chegou com a dissolução do Jiangsu Suning logo após conquistar o título nacional em 2020, mas há também o caso do Guanzghou Evergrande, atual Guangzhou FC, o maior campeão do país que hoje se encontra no segundo escalão. A imposição de um tecto salarial (3 milhões de euros para jogadores estrangeiros e 1,2 milhões para locais), tida como fulcral para impedir que praticamente todos os clubes fossem à falência, provocou o êxodo de volta para a Europa ou América do Sul das suas maiores estrelas – só Oscar se mantém, estando já na sétima temporada em Xangai (antes Shanghai SIPG, agora Shanghai Port), com um salário a rondar os 500 mil euros por semana (entre 20 e 25 milhões anuais), que se mantém porque assinou a extensão do contrato ainda em 2019, pouco antes da imposição do tecto salarial.

FBL-CHINA-SHANGHAI-SHENHUA-TEVEZ(Carlos Tévez só jogou um ano na China, mas foi o suficiente para superar em termos salariais o compatriota Lavezzi.)

Isso mesmo foi ressalvado pelo presidente da UEFA, Aleksander Ceferin, quando começaram a surgir as primeiras movimentações sauditas no mercado no fim da época agora finda. “Acho que a Arábia Saudita está a cometer um erro. Deveria investir em academias, treinadores e educar os seus jogadores. Comprar outros jogadores não melhorará o seu futebol. A China cometeu o mesmo erro. Nem tudo se trata de dinheiro. Os jogadores querem ganhar as melhores competições, e essas competições estão na Europa”, salientou.

A resposta não se fez esperar. “Esse discurso é falso. Não contratamos jogadores que estejam acabados. O Al-Hilal vai contratar o Rúben Neves, que tem 26 anos e era pretendido pelo Barcelona. O Benzema chegou ao Al Ittihad depois de vencer a Bola de Ouro no Real Madrid”, realçou Hafez Al-Medlej, presidente do comité de marketing da Confederação Asiática de Futebol, deixando mesmo avisos à UEFA: “Estamos apenas no começo. Todos os jogadores transferíveis vão ser a partir de agora objetivo dos clubes sauditas. A experiência da China não tem nada a ver connosco, era puro marketing. O futebol lá não é popular. Na Arábia temos um projeto de Estado e não vai limitar-se às quatro grandes equipas, mas sim a todas. Porque a paixão dos sauditas por futebol não tem limites. A Liga dos Campeões é a joia da coroa de todos os campeonatos europeus e esse torneio baseia-se em dois elementos: os clubes, que são entidades gigantes, e os jogadores. A saída das grandes estrelas da Europa será um duro golpe para a Champions e o torneio vai perder grande parte do seu brilho, além de ir afetar os contratos de patrocínio e de televisão”.

etoo(Samuel Eto’o representou os russos do Anzhi durante dois anos, entre 2011 e 2013, período no qual conseguiu ser o número 1 dos jogadores mais bem pagos.)

A verdade é que o sonho saudita tem contornos diferentes, por exemplo, do projecto chinês, que se baseava em investimentos privados. No caso árabe, porém, o dinheiro pertence ao fundo soberano administrado pela monarquia do país, tendo por base os recursos petrolíferos que, até ver, são inesgotáveis. O nível do futebol local também é diferente para melhor na Arábia Saudita, e até a selecção nacional é incomparavelmente superior à chinesa, tendo uma tradição já bem vincada de presenças em Mundiais e conquistas continentais.

A ambição dos sauditas, porém, vai mais além do que simplesmente desenvolver o campeonato: querem levá-lo ao mesmo patamar dos principais campeonatos europeus a médio prazo – como Cristiano Ronaldo dizia há pouco tempo –, mas simultaneamente granjear um estatuto que torne o país numa potência futebolística, até pela entrada em clubes desses mesmos campeonatos, como é o caso do Newcastle. Além, claro, de utilizar o desporto como forma de branquear os constantes atropelos à condição humana que ainda se verificam no país (desde a criminalização da homossexualidade, a submissão da mulher ao homem por lei, a quase total ausência de liberdade de expressão ou o número inacreditável de execuções), numa operação de charme que já vem a ser levada a cabo há alguns anos, nomeadamente através da organização das Supertaças de Itália e Espanha, que conduziram até a mudanças no formato das competições.

vitorchina(Vítor Pereira guiou o Shanghai SIPG ao título de Campeão Chinês em 2018.)

Se vão conseguir alcançar os seus intentos, só o tempo dirá. O atrativo de jogar na Liga dos Campeões, por exemplo, continua a valer mais que muitos petrodólares para a definição de uma carreira de alto nível; por outro lado, é inegável que os valores envolvidos nalgumas destas transacções mexem com a cabeça de qualquer pessoa, ganhe o ordenado mínimo ou salários já de si milionários. Resta esperar para ver quantos craques do futebol mundial (e quais) rumarão à Liga saudita nos próximos tempos e se esta será uma tendência a manter nos próximos anos.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.

Marc-Vivien Foé: o leão que não morreu, apenas dorme

foecamaroes(Marc-Vivien Foé fez 62 jogos e 8 golos pela principal Seleção Camaronesa, com destaque para a participação nos Mundiais 1994 e 2002.)

Passaram esta segunda-feira 20 anos sobre o dia em que vivenciei pela primeira vez uma experiência de comoção directamente relacionada com futebol. Claro que já tinha chorado, rido, festejado antes, mas fruto de resultados e desfechos de jogos ou com jogadas de tirar o fôlego; naquele dia 26 de Junho de 2023, porém, percebi que os jogadores de futebol são humanos e, acima de tudo, mortais como todos nós.

Marc-Vivien Foé. É esse o nome que ainda hoje é recordado com saudade e reverência por todos os que com ele puderam privar. Uma força da natureza que morreu em campo, em representação do seu país, que tanto amava, em plenas meias-finais da Taça das Confederações onde os Camarões vinham a surpreender em toda a linha até ali. Foé tinha 28 anos e vinha da melhor temporada da carreira, com 38 jogos e 9 golos pelo Manchester City – que desde então não permite que nenhum jogador utilize a camisola 23, em memória do médio camaronês.

(O Manchester City foi o último clube que o médio representou.)

Com formação dividida entre o Union Garoua e o Canon Yaoundé, do seu país, Foé não demorou a dar nas vistas e com apenas 19 anos rumou a França, assinando pelo Lens. Por lá ficaria 4 épocas e meia, celebrando a conquista do campeonato em 97/98 (único na História do clube), tendo até recebido uma proposta do Manchester United no fim dessa temporada – que viria a cair com a grave lesão sofrida já no estágio de preparação para o Mundial 98, falhando assim a competição que se realizou no país onde actuava nessa altura.

Após mais meia época no Lens, “Marco”, como era carinhosamente tratado no mundo do futebol, mudar-se-ia de facto para Inglaterra, mas pela porta do West Ham, que fez dele a sua contratação mais cara até então (4,2 milhões de libras), chegando ao clube na mesma semana que Paolo Di Canio, outro nome incontornável. Voltaria a França em 2000/01, para representar o Lyon, vencendo a Taça da Liga na primeira época e o campeonato gaulês na segunda, e no verão de 2002 aceitou regressar à Premier League por empréstimo de um ano, reforçando um Manchester City que havia acabado de ser promovido do Championship e muito longe do clube que conhecemos actualmente, ainda que tivesse no seu elenco nomes como Peter Schmeichel, Alf-Inge Haaland, Nicolas Anelka, Robbie Fowler ou um jovem Shaun Wright-Phillips.

(Foé chegou à Europa pela porta do Lens na temporada 94/95.)

“O Marc é absolutamente essencial para o que queremos fazer. A posição onde ele joga é vital, é um jogador forte, um atleta tremendo e que conhece o futebol inglês, onde esteve muito bem pelo West Ham. Acho que é uma contratação tremendamente importante para nós. Algumas contratações, tu simplesmente sabes que são acertadas, e esta é absolutamente acertada para o Manchester City”, dizia o treinador Kevin Keegan no momento de apresentar o camaronês, a quem chamou mesmo de “o Roy Keane do City”. Os Citizens terminaram essa temporada num tranquilo nono posto e Foé foi peça fulcral, somando os supra-citados 38 jogos e 9 golos – 2 dos quais na vitória por 3-0 sobre o Sunderland, na jornada 35, com o segundo a ser também o último de sempre do Manchester City no estádio Maine Road, que deu então lugar ao City of Manchester onde actuam ainda hoje.

Finda a temporada em Inglaterra, Foé seguiu para… França para disputar a Taça das Confederações pela selecção camaronesa, campeã africana em 2002 (e também 2000) com o médio como elemento também essencial. Internacional A pelos Camarões desde os 17 anos, com participações nos Mundiais de 94 e 2002 (não participou em 98 pelos motivos revelados anteriormente), Marc-Vivien Foé foi titular nas vitórias sobre Brasil e Turquia (ambas por 1-0) e, com os Leões Indomáveis já apurados, descansou no terceiro jogo da fase de grupos, diante dos Estados Unidos (0-0).

(Paolo Di Canio e Marc-Vivien Foé foram apresentados em simultâneo pelo West Ham.)

Voltaria à equipa inicial para a partida das meias-finais, diante da Colômbia, e tudo corria de feição até ao minuto 72, quando o médio nascido em Yaoundé colapsou no centro do campo do estádio Gerland, em Lyon, sem motivo aparente. Após alguns minutos de tentativas (falhadas) de reanimação, Foé foi levado de urgência para o hospital e o jogo prosseguiu, com a comitiva camaronesa a celebrar a vitória por 1-0 e consequente apuramento para a final da decisão até perder o chão por completo ao saber da notícia.

A primeira autópsia ao médio camaronês foi inconclusiva, mas a segunda mostrou que o jogador padecia de uma cardiomiopatia hipertrófica, uma condição hereditária rara que pode causar danos irreparáveis – incluindo a morte, tal como se verificou neste caso – com a prática de exercício físico intenso. A esposa de Foé, Marie-Louise, revelou posteriormente que, na véspera do jogo, o médio estava com problemas gástricos, mas que nem por um momento pensou em não jogar. O próprio selecionador dos Camarões, Winfried Schafer, assumiu que o queria tirar do campo minutos antes da tragédia, considerando que Foé parecia cansado, mas o jogador terá dito que se sentia capaz de continuar. Em 2020, Eric Djemba-Djemba, presente no jogo fatídico (e que mais tarde rumaria ao Manchester United), faria uma revelação ainda mais incrível. “Nunca esquecerei o que nos disse no autocarro. Olhou para nós e disparou: ‘Se algum de nós tiver de morrer hoje, então morreremos hoje. Não podemos perder este jogo. Prometi à minha mulher e aos meus filhos que vamos à final. Temos de ganhar a Taça das Confederações’”.

(Carinhosamente tratado no meio futebolístico por Marco, o futebolista camaronês atuou duas temporadas no Ol. Lyon, e seria precisamente no Stade Gerland que viria a fazer o último jogo da sua vida.)

Apesar do clima de consternação e pesar que marcou a prova a partir daí – e que pôde ser sentido ainda nesse dia, quando França e Turquia disputaram a outra partida das meias-finais, com vários atletas gauleses a não conseguir conter as lágrimas, nomeadamente os ex-colegas de Foé no Lens e no Lyon –, a competição continuou e os Camarões foram mesmo jogar a final contra os anfitriões. Não venceram, mas deram muita luta, caindo apenas mercê do golo de Thierry Henry ao minuto 7 do prolongamento, depois do nulo registado no tempo regulamentar, numa altura em que ainda estava em vigor a regra do golo de ouro.

A cerimónia pré-início do jogo, de resto, providenciou uma das imagens mais fortes vistas num campo de futebol, e que ficaria para sempre marcada na História do jogo: na entrada das equipas em campo, os capitães Rigobert Song e Marcel Desailly seguraram uma fotografia gigante de Marc-Vivien Foé. Essa mesma imagem seria simbolicamente premiada com a medalha de vice-campeão no fim do encontro, com o médio a ser eleito também o terceiro melhor jogador da prova.

“O Marc não era apenas um jogador especial. Era uma pessoa especial. Todos sentiremos falta do seu sorriso e da sua personalidade. Nada era problema para ele, era um verdadeiro profissional, amado por todos os atletas e directores. Tinha a capacidade de nos fazer sorrir e sentir melhor. Foi um privilégio trabalhar com ele, e estávamos a meio do processo para negociar a sua transferência em definitivo, o que o tornaria de vez um jogador do Manchester City”, revelou então Kevin Keegan. Apesar da curta estadia nos Citizens, foram milhares os adeptos que se deslocaram ao recinto do clube no dia seguinte à morte de Foé para prestar uma homenagem ao médio camaronês, descrito por absolutamente todos os que com ele privaram como uma pessoa absolutamente extraordinária, de uma humildade fascinante, sendo ainda hoje possível visitar o memorial a ele dedicado em Maine Road.

(Esta foi a forma encontrada em Lens para honrar e homenagear o antigo jogador: dedicar-lhe o nome de uma rua.)

Também em França, Marc-Vivien Foé deixou uma marca indelével, com Lens e Lyon a retirarem o número 17, que o médio camaronês usara em ambos os clubes, tendo sido ainda dado o seu nome a uma rua de Lens próxima do estádio do clube. Foé teve direito a um funeral com honras de estado no seu país natal, sendo enterrado no local onde havia começado a construir uma academia de futebol, recebendo ainda a título póstumo a ordem de Commander of the National Order of Valour, prémio dado a quem presta altos serviços ao país.

Em 2009, antes do pontapé de saída da final da Taça das Confederações entre Brasil e Estados Unidos, um dos seus três filhos fez um discurso em memória do jogador camaronês. No mesmo ano, a rádio francesa RFI criou um prémio com o nome de Marc-Vivien Foé para distinguir o melhor jogador africano da Ligue 1 em cada temporada. A sua morte acabou por contribuir para enormes avanços na testagem de problemas cardíacos em atletas de alta competição e também no tratamento durante os jogos caso aconteçam situações semelhantes – um exemplo claro é o de Christian Eriksen, que esteve clinicamente morto durante vários minutos na partida entre Dinamarca e Finlândia, no Euro 2020, acabando por ser reanimado e tendo inclusivamente regressado aos relvados poucos meses depois.


(A emotiva homenagem prestada pelos Camarões a Marc-Vivien Foé após a final da Taça das Confederações de 2003.)

Passadas duas décadas, o legado de Foé continua vivo, com todos os clubes por onde passou a fazerem questão de garantir isso mesmo. “20 anos. Marc-Vivien Foé. Nunca será esquecido!”, podia ler-se na conta oficial do Manchester City de Twitter nesta segunda-feira. Por aqui também nunca será, até porque, como diz um ditado camaronês, “um leão nunca morre, apenas dorme”.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.

Zlatan Ibrahimovic: provocador, arrogante ou o visionário mais genial

received_217657894441764(Zlatan despediu-se do futebol após a última jornada da Série A.)

O dia 4 de Junho de 2023 ficará para sempre marcado na História do futebol. Não pelo 35º aniversário daquele que vos escreve estas linhas, que isso nada tem a ver com o nosso adorado jogo, mas sim pelo surpreendente adeus de Zlatan Ibrahimovic – é verdade: apesar dos seus 41 anos, a retirada do que é provavelmente o maior futebolista sueco de sempre surgiu de forma inesperada e sem aviso prévio, após o apito final do triunfo caseiro do AC Milan sobre o Verona (3-1), na última jornada da edição de 2022/23 da Serie A.

Até na hora da despedida, Zlatan foi Zlatan. Enquanto fazia, emocionado, o discurso do adeus, alguns adeptos do Verona ousaram vaiá-lo. Péssima ideia, obviamente. “Assobiem, assobiem. Este é o melhor momento do vosso ano, poderem ver-me”, disparou, arrancando mais uma de tantas ovações estrondosas que recebeu nos 6 anos em que actuou com a camisola rossonera, afirmando-se para sempre adepto do clube onde conquistou um campeonato e uma Supertaça na primeira passagem, entre 2010 e 2012, e outro título de campeão nesta segunda “dança”, iniciada em 2020 e terminada agora.

(Foi no Malmo que tudo começou para Zlatan.)

Na temporada agora finda, Zlatan teve contributo quase nulo devido a ruptura dos ligamentos cruzados contraída no decorrer de 2021/22 e que motivou operação no fim da época: foram apenas 4 jogos e 1 golo, na transformação de uma grande penalidade na derrota por 3-1 com a Udinese a 18 de Março (no que se viria a revelar o seu último jogo como profissional), que fez dele o mais velho goleador de sempre da Serie A. Nos dias anteriores ao jogo do passado fim-de-semana, o veterano avançado ainda mostrava vontade em continuar a jogar, de preferência no Milan, revelando mesmo ter em mãos uma proposta do Monza, emblema detido por Silvio Berlusconi e cujo director é Adriano Galliani – duas personalidades que conviveram com Zlatan na sua primeira passagem pelos Rossoneri –, razão pela qual se revelou uma surpresa ainda maior o anúncio do adeus definitivo.

A comoção nos rostos de todos os intervenientes naquele momento, com especial destaque para os seus colegas e dirigentes, é reveladora da importância que Zlatan teve no Milan, mas também no futebol de um modo geral. Nascido na Suécia mas filho de um bósnio e de uma croata, passou por grandes dificuldades na infância e adolescência e agarrou-se ao futebol como um verdadeiro modo de sobrevivência. “No seu lugar, 99 miúdos em 100 tinham-se afundado, mas ele usou a sua ira para melhorar. Ele disse-me ‘David, eu preciso de estar zangado para jogar bem’”, conta David Lagercrantz na biografia “Eu sou o Zlatan Ibrahimovic”, publicada em 2011.

(Na sua única experiência em Inglaterra, Ibrahimovic ajudou o Manchester United a conquistar Liga Europa e Taça da Liga.)

Palavras que podem ajudar a perceber um bocadinho melhor o Zlatan que hoje todo o mundo futebolístico (e não só) conhece, com todos os seus defeitos, virtudes e especificidades. Se há coisa que este rapaz de 1,95 metros, gigante mas dotado de enorme qualidade técnica e finalizador nato, não pode ser acusado é de alguma vez se ter perdido ou ter deixado de ser fiel a si próprio – a começar logo pela recusa em ir prestar provas ao Arsenal de Arsène Wenger, quando tinha apenas 17 anos e jogava na II divisão da Suécia pelo Malmo. “O Zlatan não faz testes”, respondeu ao renomado técnico gaulês.

No seu país, nunca conseguiu ser campeão – o Malmo era demasiado pequeno para esses intentos. A partir de 2001, porém, o palmarés começou a crescer com medalhas e troféus de vários países, tendo os Países Baixos como ponto de partida: em 3 anos no Ajax conquistou tudo o que era possível a nível interno, mas acima de tudo saltou para os holofotes mediáticos com “aquele” golo ao NAC Breda, que viralizou quando ainda não estavam na moda os vídeos virais. Nesse verão, de resto, já se tinha “apresentado” com o golo extraordinário no Euro 2004 a Buffon, mas foi depois daquele tento (eleito o Golo do Ano pelos espectadores da Eurosport) que passou a ser realmente um nome seguido pelo grosso dos amantes de futebol.

(O Ajax foi o primeiro clube de renome na Europa a apostar no sueco.)

Mais do que isso, entrou no radar dos “tubarões”, com a Juventus a apressar-se a garantir os seus serviços nos últimos dias do mercado de transferências desse ano. Em campo, festejaria dois Scudettos pela Vecchia Signora, posteriormente retirados na secretaria; como “vingança”, mudou-se em 2006/07 para o Inter, vencendo todas as provas internas em 3 anos (o último dos quais já sob o comando de José Mourinho, sagrando-se artilheiro da prova pela primeira vez), até que no verão de 2009, tendo a percepção de que dificilmente conseguiria ganhar a Liga dos Campeões pelos Nerazzurri, aceitou ser envolvido na troca com Eto’o e rumar ao Barcelona, acabado de conquistar a prova.

O tiro, porém, acabaria por lhe sair pela culatra. O génio do sueco chocou de frente com uma genialidade… diferente, que vinha do banco, personificada em Pep Guardiola (num mau-estar que dura até aos dias de hoje), e apesar de tudo ganhar em Espanha, viu a Champions fugir… para o Inter, que afastou mesmo o Barça nas meias-finais antes de “limpar” a final com o Bayern. Foi talvez a aposta mais furada da carreira de Zlatan, que depressa regressou a Itália, agora para o Milan, e para o papel de protagonista que sempre procurou, vencendo o campeonato na primeira época e sagrando-se artilheiro da competição pela segunda vez na carreira na segunda.

Considerando já ter acabado a sua missão em Itália, partiu para França como cara principal do início “deste” PSG que hoje conhecemos – por essa altura era o futebolista que mais dinheiro havia gerado em transferências na História do futebol. “Estou à procura de um apartamento. Se não encontrar nada, provavelmente vou comprar o hotel todo” ou “É verdade que não conheço muitos jogadores aqui, mas eles conhecem-me de certeza” foram apenas duas das frases com que se apresentou ao futebol francês.

(Pela principal Seleção da Suécia, o avançado apontou 62 golos em 112 jogos, tendo participado em 3 Europeus – 2004, 2008 e 2012 – e 2 Mundiais – 2002 e 2006.)

Em Paris, terá mostrado a sua melhor versão em toda a carreira, somando golos (156) e títulos em 4 épocas onde foi rei e senhor da equipa – à semelhança do papel que hoje tem Mbappé. Até que se cansou de jogar em “modo fácil” e aceitou o desafio lançado por José Mourinho de tentar conquistar Inglaterra – não sem antes marcar a despedida à sua imagem: “Cheguei como um rei e parto como uma lenda”. Prestes a festejar o 35º aniversário, muitos foram os sobrolhos que se levantaram – e Zlatan fez questão de dissipar todas as dúvidas logo na apresentação, quando respondeu a Cantona, apelidado pelos adeptos do Manchester United como Rei – “Príncipe de Manchester? Não, eu vou ser o Deus de Manchester” –, mas também na estreia, oferecendo a Supertaça ao Manchester United após vitória por 2-1 na final ante o Leicester.

Já levava 28 golos a meio de Abril (e a Taça da Liga conquistada com 2 golos seus na final) quando uma lesão nos ligamentos cruzados do joelho direito nos quartos-de-final da Liga Europa o impediram de continuar a dar o contributo à equipa em campo no que restou da temporada, festejando de muletas a conquista da prova europeia. Regressaria aos relvados em Novembro, depois de proferir mais uma frase mítica – “Os leões não recuperam como homens” –, e em Fevereiro transferiu-se para os Estados Unidos, prometendo tomar de assalto a MLS. E tomou, mesmo não sendo campeão: foram 53 golos em 58 jogos (além das múltiplas aparições em talk-shows de sucesso), deixando bem claro que, mesmo prestes a abraçar a ternura dos 40, o leão ainda tinha muito por rugir.

(Zlatan esteve quatro temporadas no PSG, exibindo-se sempre a um excelente nível.)

Foi nesse contexto que, em Janeiro de 2020, se deu o regresso ao Milan – e mais uma vez, um adeus… à Zlatan aos Estados Unidos: “Queriam o Zlatan, dei-vos o Zlatan. De nada. Agora voltem lá a ver basebol”. Os 10 golos em 17 jogos nos primeiros 6 meses em San Siro mostraram que Zlatan não estava para brincadeiras e os 17 na temporada seguinte confirmaram-no em pleno: além de ser o melhor marcador da equipa, teve contributo decisivo para o regresso à Liga dos Campeões após largos anos de ausência. O papel na conquista do título já foi menos relevante dentro do campo (até por ter passado vários meses a “jogar” com os ligamentos cruzados rebentados, segundo revelou na festa do título), mas por esta altura percebeu-se claramente o efeito que o sueco tinha enquanto líder – e que ajuda a explicar as lágrimas a escorrerem nos rostos dos colegas na hora da despedida.

“Zlatan há só um”, escreveu o Ajax nas redes sociais. “Carreira digna de um Rei”, podia ler-se na publicação do PSG. “Único” era a legenda de um vídeo do Manchester United com alguns dos melhores momentos de Zlatan no clube. “O primeiro jogador de sempre a representar sete clubes diferentes na Liga dos Campeões”, lembrou a UEFA. Ibrahimovic foi tudo isto e muito mais: um jogador genial, com um talento e personalidade únicos, e um sentido de humor apuradíssimo que tantas vezes foi confundido com arrogância.

(Na sua passagem pelos Estados Unidos, Ibra não conseguiu qualquer título com a camisola dos LA Galaxy.)

“Vi que estava a chover e disse: até Deus está triste”, disse na hora do adeus, em mais uma das frases que tantas manchetes e cliques geraram. Zlatan Ibrahimovic foi o pináculo do atleta preferido das redes sociais ainda antes de haver redes sociais: marcou 573 golos em 988 jogos oficiais, alguns deles capazes de figurar seguramente em todas as compilações dos mais belos da História do jogo – desde pontapés de bicicleta a pontapés de escorpião, mais acessíveis para si devido à prática regular de taekwondo, passando por livres directos, remates a 30 metros ou golos de calcanhar.

Neste percurso incrível, ficam apenas três frustrações: a desejada Liga dos Campeões que nunca chegou, a Bola de Ouro/Troféu de Melhor do Mundo da FIFA – ainda que tenha chegado a dizer “Não preciso de um troféu para saber que sou o melhor” – e uma grande campanha pela sua selecção, que representou durante 22 anos. Passou quase incógnito pelos Mundiais de 2002 e 2006 e marcou 2 golos nos Europeus de 2004, 2008 e 2012, chegando aos quartos-de-final apenas no primeiro; em 2016, ficou a zeros e anunciou o adeus à selecção, falhando assim a presença no Mundial 2018, onde a Suécia chegou aos quartos-de-final de forma surpreendente. Voltaria depois, tendo como objectivo disputar o Euro 2020, mas os problemas físicos impediram que tal acontecesse, com os suecos a não conseguirem o apuramento para o último Mundial – tal como havia acontecido em 2014, quando caíram no play-off perante Portugal (Zlatan bisou… mas Cristiano Ronaldo fez um hat-trick), conduzindo à mítica declaração “Um Mundial sem mim não vale a pena”.

(O Milan foi o clube que mais vezes “acolheu” Ibra: duas.)

É, ainda assim, o melhor marcador da História do país (62 golos em 122 jogos), pelo qual coleccionou também momentos inesquecíveis – com “aquele” jogo particular diante de Inglaterra à cabeça, numa vitória por 4-2 onde marcou todos os golos suecos, incluindo um inacreditável pontapé de bicicleta perto da linha lateral que lhe valeu o Prémio Puskàs. Zlatan não liga a prémios, já sabemos, mas todos os adeptos de futebol deveriam sentir-se premiados por poderem ter tido o privilégio de ver Zlatan jogar. Agora, resta o Youtube… e as memórias.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.

Pelé em Mundiais: só Portugal derrotou o Rei

pelevspt(Pelé é confortado pelos jogadores portugueses após a vitória lusa sobre o Brasil no Mundial 1966.)

Tri Campeão do Mundo pelo Brasil, Pelé esteve presente em quatro Mundiais, apontou doze golos em catorze jogos, e sofreu apenas uma derrota: na última jornada da fase de grupos do torneio realizado em 1966, a Seleção “Canarinha” perdeu contra Portugal, por 1-3, e foi eliminada em detrimento da “equipa das Quinas”.
De resto, esse Campeonato do Mundo jogado em Inglaterra, foi o único que o craque brasileiro disputou e não venceu, já que, como se sabe, foi determinante para as conquistas do seu País em 1958 e 1970, e, pelo meio, em 1962, jogou apenas duas partidas da fase de grupos e ficou impossibilitado de continuar a dar o seu contributo devido a lesão.
Certo é que desde 1958 até ao tal jogo com Portugal, a 19 de Julho de 1966, Pelé tinha a “ficha limpa” em Mundiais: no primeiro em que participou, ganhou os quatro jogos que fez e apontou seis golos; em 1962, como já foi referido, cumpriu 180 minutos, somando um golo, uma vitória e um empate; e em 1966, marcou um golo à Bulgária na ronda inaugural, foi suplente não utilizado diante da Hungria (derrota brasileira também por 1-3), e voltou à equipa titular diante da nossa Seleção, estreando-se assim a perder, dentro de campo, no Campeonato do Mundo.
À entrada para a última jornada da primeira fase do Mundial 1966, Portugal partia com três pontos de vantagem sobre o Brasil – seis contra três – e ambos iam discutir entre si uma vaga nos Quartos-de-Final, visto que no outro jogo, a Hungria era amplamente favorita diante da Bulgária e iria, muito provavelmente, chegar aos seis pontos, tal como veio de facto a acontecer (3-1).
Em Goodison Park, casa do Everton, Simões (15′) e Eusébio (27′) ainda antes da meia-hora de jogo deram uma vantagem confortável à turma comandada por Otto Glória; Rildo, aos 73′, reduziu para 1-2; e a cinco minutos dos 90′, Eusébio bisou e arrumou de vez com a questão, selando o apuramento de Portugal e a eliminação “escandalosa” do Bi-Campeão Mundial em título, num jogo em que os brasileiros ainda hoje se queixam do alegado excesso de agressividade de Vicente para com Pelé.
Quatro anos depois, o “Rei” voltou ao Campeonato do Mundo, e despediu-se da melhor forma da maior prova internacional de futebol: autor de quatro golos e seis assistências em seis partidas, jogou todos os minutos da campanha que terminou com o Brasil a golear a Itália por 4-1 na final.
No total, Pelé somou doze vitórias, um empate e uma derrota em catorze jogos em Mundiais, ficando assim a nossa Seleção na história da maior lenda do desporto brasileiro e do próprio futebol Mundial.

Mihajlovic: o talento e a polémica de mãos dadas até ao fim

Mihajlovicsamp(A marcação de livres tornou-se na grande “imagem de marca” de Mihajlovic.)

É quase uma inevitabilidade: quando alguém morre ou passa por graves problemas de saúde, a tendência natural é exaltar as virtudes e esquecer ou esconder os defeitos, enaltecer o legado e desvalorizar as polémicas passadas. E talvez essa forma de pensar e agir esteja correcta, ainda que se exija algo diferente quando o intuito é lembrar de forma objectiva o percurso da pessoa em questão.

Sinisa Mihajlovic é um desses casos. Um grande futebolista, também com créditos firmados enquanto treinador (ainda que em menor escala), mas sempre dado a polémicas dentro e fora do campo, quer por comportamentos quer por palavras, que foram praticamente esquecidas e colocadas de lado quando, em 2019 – e depois da rábula do afastamento enquanto treinador do Sporting dez dias após ter chegado, na sequência da queda de Bruno de Carvalho –, foi comunicado que padecia de leucemia. Após três anos de luta, avanços e recuos e muitas manifestações de compaixão vindas de todos os quadrantes do futebol mundial, Mihajlovic partiu na última sexta-feira, aos 53 anos, numa altura em que se encontrava sem clube depois de ter sido despedido do comando técnico do Bolonha em Setembro, e o mundo do futebol reagiu com comoção.

mihajloviccrvenazvezda(Foi no Estrela Vermelha que o esquerdino saltou para a ribalta ao sagrar-se Campeão Europeu.)

Mas nem sempre foi assim. As controvérsias andaram sempre de braço dado com o jogador e treinador, a começar logo pela questão da nacionalidade: nascido em 1969 em Vukovar, antiga Jugoslávia (hoje território croata), filho de pai sérvio/bósnio e mãe croata, Mihajlovic sempre se identificou como sérvio. Ficariam célebres os confrontos com o croata Igor Stimac na final da Taça da Jugoslávia de 1991, no embate entre o seu Estrela Vermelha de Belgrado e o Hajduk Split, disputada uma semana depois de bombardeamentos à sua cidade natal (Borovo): de acordo com Mihajlovic, Stimac ter-lhe-á dito “Espero que os nossos homens matem toda a tua família”, numa altura em que o sérvio não conseguia falar com os seus pais há vários dias devido ao corte das linhas telefónicas. A partir de então, e como o próprio admitiu, passou o resto do jogo a tentar lesionar gravemente Stimac – e o contrário igual –, com os dois jogadores a serem expulsos ao minuto 70 após uma entrada duríssima de Mihajlovic sobre outro jogador do Hajduk que provocou nova onda de confrontos a envolver as duas equipas. Um mês depois, novo encontro para o campeonato… e nova expulsão para Mihajlovic.

Por esta altura, o sérvio já tinha ficado de fora da lista de Mirko Jozic (mais tarde treinador do… Sporting) para o Mundial de sub-20 que a geração de ouro jugoslava venceu em 1987, no Chile, alegadamente por ter rejeitado uma oferta do Dinamo de Zagreb, equipa com a qual treinou à experiência e até fez estágios. E tudo porque, numa altura em que já era titular no Borovo, clube da sua cidade que competia na Liga provincial croata, equivalente ao terceiro escalão do futebol jugoslavo, iria apenas ser a quarta opção para o meio-campo do conjunto de Zagreb – além da exigência do técnico Miroslav Blazevic para que cortasse o longo cabelo encaracolado.

mihajlovicserbia(Mihajlovic representou a Jugoslávia no Mundial 1998 e no Euro 2000.)

Acabaria por rumar no verão de 1988 para o Vojvodina, sagrando-se campeão nacional de forma surpreendente, e em 90/91 viria a conquistar a Taça dos Campeões Europeus pelo Estrela Vermelha, junto de uma constelação de estrelas que incluía nomes como Robert Prosinecki, Dejan Savicevic, Vladimir Jugovic ou Darko Pancev. Ainda assim, o próprio Mihajlovic revelar-se-ia decisivo: foram dele os dois golos (o primeiro na transformação de um livre directo) que valeram o empate caseiro ante o Bayern Munique na segunda mão das meias-finais, depois da vitória por 2-1 na Alemanha no primeiro jogo. Na partida decisiva, apontaria ainda um dos penaltys no desempate final diante do Marselha, no que mais tarde considerou “a final mais aborrecida da História”, admitindo que o Estrela Vermelha “passou o jogo todo a defender”.

No verão de 1992, já com a guerra da Jugoslávia a decorrer em pleno – razão pela qual não pôde participar no Europeu, o tal que a Dinamarca haveria de vencer após ser chamada à última hora para substituir os jugoslavos –, Mihajlovic transferiu-se para a Roma por pedido expresso do compatriota Vujadin Boskov. Inicialmente afirmou-se mais uma vez como médio esquerdo, assumindo-se como titular indiscutível mesmo tendo de lutar por um lugar de estrangeiro com nomes como Aldair, Hassler e Caniggia, mas uma lesão grave de Carboni levou a que recuasse para a posição de lateral – que manteve na época seguinte, já sob o comando do italiano Carlo Mazzone, ainda que a contragosto. Anos mais tarde, já retirado, consideraria estas duas épocas “as piores da carreira”.

mihajlovicscp(Em 2018, Augusto Inácio e Bruno de Carvalho apresentaram Sinisa Mihajlovic como treinador do Sporting, mas, dez dias depois, os novos responsáveis pelo clube despediram o sérvio.)

Seguir-se-iam quatro temporadas em representação da Sampdoria, com sensação aziaga logo na estreia oficial: na Supertaça de 1994, Mihajlovic marcou… de livre directo, mas acabaria por falhar o seu pontapé no desempate final por penaltys, atirando à trave, com o Milan a conquistar o troféu. Sob o comando de Sven-Goran Eriksson passaria a ser utilizado maioritariamente como central, e no verão de 1998 estrear-se-ia finalmente numa grande competição de selecções com a Jugoslávia: o Mundial de França, onde seria mais uma vez… Mihajlovic. Autor de grandes exibições – foi dele o golo que valeu a vitória inaugural diante do Irão –, ficaria marcado também pela troca de insultos com o alemão Jens Jeremies após uma entrada dura do sérvio; aparentemente tudo teria ficado por aí, mas mais tarde foi possível constatar pelas imagens televisivas que Mihajlovic cuspiu na cara do médio alemão.

Nesse verão mudou-se para a Lazio, onde se reuniria com o técnico sueco e se tornaria amigo de Sérgio Conceição e Fernando Couto e onde conquistaria finalmente troféus em Itália. Primeiro a Supertaça e a Taça das Taças (a última edição da competição), logo na primeira temporada, e depois o triplete em 99/00: campeonato, Taça e Supertaça Europeia, cumprindo os 90 minutos na final perante o Manchester United (1-0). Juntou-lhe mais uma Supertaça, em 2000, num louco 4-3 sobre o Inter de Milão onde marcou de penalty, e a Taça em 2003/04, na despedida do emblema romano aos 35 anos.

Mihajlovicinter(O Inter foi o último clube do sérvio enquanto jogador.)

Mas calma: claro que pelo meio houve lugar a mais polémicas. No Euro 2000, no louco jogo inaugural diante da Eslovénia, Mihajlovic foi expulso com duplo amarelo pelo português Vítor Pereira logo ao minuto 60, após empurrar um adversário com o jogo parado, numa altura em que a sua equipa perdia por 3-0 (de forma milagrosa, acabaria por conseguir empatar a partida com grande exibição do nosso conhecido Drulovic). Alguns meses depois, num jogo da Liga dos Campeões contra o Arsenal, foi acusado de ter chamado “macaco de m…” a Patrick Vieira já depois do apito final, após confrontos com vários jogadores dos Gunners, e posteriormente admitiu tê-lo feito, ainda que alegadamente em retaliação para com o insulto proferido pelo francês de “cigano de m…”. Curiosamente, os dois viriam a reencontrar-se no Inter de Milão, com Mihjalovic já como adjunto de Roberto Mancini, e tornar-se-iam grandes amigos, com o antigo internacional francês a ser até um dos convidados para o jogo de homenagem ao sérvio em Novi Sad em 2007.

Ainda na Lazio, foi suspenso pela UEFA por 8 jogos depois de cuspir e pontapear Adrian Mutu numa partida da Liga dos Campeões ante o Chelsea, em 2003, com a pergunta feita pelo jornal “The Guardian” a ficar para a História: “Será este o jogador mais perverso do futebol?” Mais uma vez de forma curiosa, acabaria por ser treinador do romeno na Fiorentina em 2010/11. No Inter, onde venceu mais um campeonato e duas Taças (a primeira das quais com um golo seu na segunda mão da final, diante da Roma… de livre directo), mesmo já veterano continuou a fazer “amigos”, como Zlatan Ibrahimovic, na altura na Juventus, com quem travou duelos duríssimos durante duas épocas – imagens televisivas chegaram a mostrar uma cabeçada do sueco ao sérvio. Mais tarde, tal como com Patrick Vieira e Mutu, reencontraria Ibra como adjunto no Inter, com o sueco a chegar a dizer que foi com Mihajlovic que aprendeu a marcar livres directos.

mihajlovic(Mihajlovic orientou o Bolonha até Setembro último.)

Obviamente, as polémicas continuaram enquanto treinador. Depois de dois anos como adjunto de Mancini no Inter, e após a saída para dar lugar à equipa técnica liderada por José Mourinho, começou a carreira de treinador principal em Novembro de 2008 ao ser contratado pelo Bolonha, acabando demitido em Abril de 2009, após uma derrota que provocou a queda para a zona de descida e com rumores na imprensa italiana sobre conflitos com vários consagrados do plantel. Fez depois um trabalho meritório no Catania e outro menos bem sucedido na Fiorentina, até que em Maio de 2012 assumiu a selecção da Sérvia… e não demoraria a entrar em choque com jogadores – no caso, o então benfiquista Matic e também Ljajic, que se retiraram da selecção durante alguns meses após divergências com o técnico.

Depois de falhar o apuramento para o Mundial do Brasil, acabou por se mudar para a Sampdoria e o bom trabalho abriu-lhe as portas do AC Milan, onde já não foi tão feliz – ainda que fique para a História como o treinador que não teve medo de dar a titularidade da baliza Rossonera a um menino de 16 anos chamado Gianluigi Donnaruma. Após a sua demissão, a namorada de Kevin-Prince Boateng disse que o ambiente na equipa ia melhorar; a resposta de Mihajlovic foi elucidativa: “Considero que as mulheres não deveriam falar de futebol. Não têm essa capacidade”.

Mihajloviclivre(O recorde de golos de livre direto na Série A pertence ao ex-internacional jugoslavo: 28. Na foto, ei-lo a executar um pontapé durante um derby romano entre Lázio e Roma.)

No Torino, mais uma polémica extra-futebol: questionado sobre uma infame montagem feita pelos adeptos da Lazio com Anne Frank vestida com uma camisola da Roma, que motivou até leituras de extratos do diário da menina judia nos estádios italianos nas duas jornadas, Mihajlovic respondeu da seguinte forma: “Anne Frank? Não sei quem é. Não leio jornais, não posso falar sobre o assunto. Peço desculpa mas declaro-me ignorante nessa matéria”. Falta dizer, se calhar até para se perceberem melhor estas declarações, que Mihajlovic era um nacionalista convicto, defensor tanto dos regimes de Tito como de Slobodan Milosevic, formalmente acusado de crimes de guerra e contra a humanidade (entre os quais genocídio) pela intervenção militar das tropas jugoslavas na Bósnia, Croácia e Kosovo, mantendo ainda amizade com Zeljko Raznatovic, conhecido como Arkan, antigo líder paramilitar sérvio também ele acusado de crimes de guerra. “Com Tito havia valores, família, uma ideia de País e Povo. Com ele, a Jugoslávia era o país mais bonito do mundo. Se nacionalista significa patriota, se isso significa amar a minha terra e a minha nação, sim, eu sou” é uma das suas frases mais conhecidas.

Depois do Torino, deu-se a rábula da contratação para o Sporting por parte de Bruno de Carvalho… apenas para ser demitido dez dias depois pela Comissão de Gestão liderada por Sousa Cintra, num processo que se arrastava na justiça desportiva até hoje. Em Janeiro de 2019 regressou ao Bolonha, o primeiro clube que havia treinado na carreira, e por lá ficou até ao último mês de Setembro, sendo que grande parte desta passagem se processou enquanto lutava contra a leucemia – o que ainda assim não o impediu de se atirar ao amigo e ex-colega de balneário e de banco Mancini, em Abril de 2021, devido ao facto do seleccionador italiano ter convocado Roberto Soriano, médio do Bolonha, para um triplo compromisso de seleções com Irlanda do Norte, Bulgária e Lituânia… e não o ter colocado em campo em nenhum dos jogos. “É o melhor médio italiano da atualidade, não faz qualquer sentido. O melhor tinha sido ele ter ficado connosco. Não teve minutos contra uns zés-ninguém. Honestamente, se fosse ao Soriano, tinha dito ao Mancini para ir dar uma volta”, disparou na altura.

SergioMihajlovic(Sérgio Conceição foi colega de Mihajlovic na Lázio e prestou-lhe uma sentida homenagem na passada sexta-feira.)

Em Maio de 2020, em plena pandemia do coronavírus, o FC Porto promoveu um “reencontro”, ainda que virtual, entre Sérgio Conceição e Mihajlovic, com o treinador portista a emocionar-se por rever e voltar a falar com “uma pessoa incrível”. Na última sexta-feira, após a notícia da morte do sérvio, recorreu às redes sociais para fazer uma última homenagem ao antigo colega, que deixa mulher e 5 filhos. “Hoje partiu um amigo, uma inspiração, um campeão. Sinisa, serás para sempre recordado pelo que fizeste em campo, e também por quem eras fora dele. Foste uma presença importante na nossa chegada a Roma, foi lado a lado que vimos as nossas famílias crescerem, que crescemos nós enquanto jogadores, homens, pais de família. O futebol deu-me tudo aquilo que tenho hoje. Momentos como este recordam-nos da importância que têm as pessoas que cruzamos no nosso caminho. Os verdadeiros trofeus que guardo da carreira como jogador são momentos como aqueles que vivemos juntos. Descansa em paz, amigo. Tens em Portugal uma família a olhar pela tua!”

Como jogador, Mihajlovic destacou-se, além da vontade férrea (que o fazia acabar por se exceder em muitas situações, com o já deu para perceber), pela excelência na marcação de livres directos. Ao todo, marcou 28 golos dessa forma na Serie A (ainda hoje recordista, em igualdade com Pirlo), o último dos quais a valer uma vitória do Inter por 2-1 diante do Ascoli, na fase final de 2005/06, que se revelaria também o derradeiro da sua carreira, encerrada nesse verão aos 37 anos. Uma arte que Mihajlovic aperfeiçoou e dominou como quase nenhum outro jogador na História do jogo – pessoalmente, coloco-o no top-3 de melhores marcadores de livres de sempre, apenas atrás de Juninho Pernambucano e David Beckham. Para a História ficará o hat-trick na conversão de livres directos pela Lazio diante da Sampdoria em 98/99, bem como na memória colectiva dos benfiquistas o golaço que fechou a vitória Laziale por 3-1 na terceira pré-eliminatória de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões em 2003/04, praticamente afastando as Águias da prova (cenário confirmado em Portugal com triunfo por 1-0).
Duro, polémico, homem de convicções tão fortes quanto o seu pé esquerdo: Sinisa Mihajlovic é uma figura incontornável do futebol mundial nas décadas de 90 e 2000 e, porque não, da História da ex-Jugoslávia na parte final do período pré-desmembramento e nos primeiros anos do pós. Muito provavelmente a sua vida irá dar um livro, e depois um filme, e uma coisa é certa: matéria para compor um best-seller e um êxito de bilheteira não faltará.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.

FC Porto: 35 anos da conquista na neve

FCPortoPenarol1987(Fernando Gomes, Quim e Jaime Magalhães observam a trajetória da bola.)

Depois do Benfica ter disputado e perdido a Taça Intercontinental em 1961 e 1962, Portugal teve de esperar vinte e cinco anos para voltar a ser representado nesta prova, cabendo ao FC Porto medir forças com o Campeão Sul-Americano, Peñarol, a 13 de Dezembro de 1987.
Pouco mais de seis meses após ter erguido a Taça dos Campeões Europeus pela primeira vez na sua história, o emblema azul e branco não desperdiçou a hipótese de se impôr a nível Mundial diante dos uruguaios e fê-lo, como é sabido, perante condições meteorológicas adversas, que tornaram o jogo ainda mais marcante para as duas equipas, mas, especialmente, para a formação lusa, estreante nestas andanças.
Com a final marcada para o Japão, os “dragões” viajaram para o Continente Asiático cerca de uma semana antes do jogo com os uruguaios, por forma a se habituarem da melhor maneira ao fuso horário, contudo, não estavam minimamente a contar com o cenário com o qual se depararam na manhã do encontro: um forte nevão caiu sobre Tóquio durante várias horas e surpreendeu toda a gente, dado que no dia anterior o tempo estava bom segundo já relataram alguns elementos ligados aos portistas.
A partida chegou a estar em risco, mas foi mesmo avante e, sob o apito do austríaco Franz Wöhrer, começou às 3h30 de Portugal Continental, com as duas equipas e o próprio trio de arbitragem a sentirem muitas dificuldades com o clima que encontraram, o que resultou num jogo muito mais físico e de bola pelo ar, ao invés daquilo que se esperava, ou seja, um jogo com qualidade técnica de ambos os lados.
Assim, foram precisos 42 minutos para aparecer o primeiro golo: Madjer tentou rematar, a bola travou na neve, e Fernando Gomes limitou-se a encostar para o 1-0; a resposta surgiu já na reta final, aos 80′, com Riera, na sequência de um canto, a restabelecer a igualdade; e por fim, o grande momento que decidiu o resultado: estavam decorridos 20 minutos do prolongamento (110′), quando Madjer roubou a bola um adversário e fez um chapéu a Pereira, com o esférico a entrar lentamente na baliza e a coroar o FC Porto como vencedor da Taça Intercontinental.
Para este jogo, Tomislav Ivic, técnico que rendeu Artur Jorge na sequência do título europeu, fez alinhar a seguinte equipa: Mlynarczyk; João Pinto, Lima Pereira, Geraldão e Inácio; André, Jaime Magalhães e Sousa; Madjer, Fernando Gomes e Rui Barros (Quim 61′). Após terem falhado a final de Viena devido a lesão, os capitães Lima Pereira e Fernando Gomes tiveram finalmente a possibilidade de erguerem um troféu internacional pelo seu clube dentro de campo.
Há precisamente 35 anos, o FC Porto conquistou o Mundo pela primeira vez.

Croácia: passar a fase de grupos é sinónimo de Meias-Finais

croacia98(Em 1998, a Croácia estreou-se em Mundiais e terminou no terceiro lugar.)

Seis presenças em Campeonatos do Mundo, três passagens à fase a eliminar, três chegadas às Meias-Finais: este registo, nada fácil de ser conseguido, pertence à Croácia, que pelo segundo Mundial consecutivo vai disputar a presença na final, feito que alcançou há quatro anos na Rússia.
Declarada independente em 1991, a Croácia participou pela primeira vez no Mundial em 1998, e de lá para cá só falhou o maior torneio de Seleções em 2010, mantendo, este ano, a tendência de chegar pelo menos às Meias-Finais sempre que passa da primeira fase, algo que não aconteceu em 2002, 2006 e 2014.
Logo na estreia em Mundiais, que ocorreu em França, os croatas começaram a dar cartas: emparelhados no Grupo H, derrotaram Jamaica (3-1) e Japão (1-0) e terminaram no segundo lugar atrás da Argentina, com quem perderam na derradeira jornada quando ambas já estavam apuradas (0-1). Depois, seguiu-se o triunfo sobre a Roménia nos Oitavos (1-0); e uma das maiores surpresas da prova nos Quartos: 3-0 à Alemanha.
Na meia-final, diante da Seleção da casa, os balcânicos ainda estiveram a vencer, mas acabaram por cair graças ao bis de Lilian Thuram, que vestiu a pele de “herói improvável” e apurou os gauleses para a final; mas a prova ainda não tinha terminado para a equipa liderada por Miroslav Blažević, que derrotou a Holanda no jogo de apuramento de 3º e 4º lugar (2-1) e fechou a competição no pódio – Davor Suker foi o melhor marcador com seis golos.
Vinte anos depois, em 2018, os croatas voltaram a conseguir passar da fase de grupos do Mundial, e dessa vez até conseguiram ir mais longe, atingindo, naturalmente, a final. Novamente com a Argentina – Nigéria e Islândia eram os outros “ocupantes” do Grupo D -, os comandados de Zlatko Dalić não só chegaram à fase a eliminar, como terminaram na liderança do grupo só com vitórias nos três jogos disputados.
No “mata mata”, “tombaram” Dinamarca e Rússia nos penaltis (1-1/3-2 e 2-2/4-3 respetivamente), e superiorizaram-se à Inglaterra na semi-final, com triunfo por 2-1 após prolongamento. Chegados à final, os croatas voltaram a ter na França o seu “carrasco”, já que os “bleus” não se deixaram cair em surpresas e averbaram uma vitória categórica (4-2).
E este ano, a formação que continua a mando de Zlatko Dalić tem feito um trajeto semelhante ao de há quatro anos: embora tenha terminado o Grupo F no segundo posto atrás de Marrocos e à frente de Bélgica e Canadá, já afastou dois Países nos penaltis – Japão e Brasil com 1-1/3-1 e 1-1/4-2 respetivamente – e prepara-se agora para defrontar a Argentina na meia-final, dando-se a curiosidade de sempre que chega a esta fase defrontar os sul-americanos, sendo que pode ainda repetir a final de 2018 com a França.
Independentemente do que aconteça na próxima terça-feira, a Croácia vai manter a tradição: sempre que ultrapassa a fase de grupos do Mundial, chega às Meias-Finais e está nas grandes decisões.

Portugal – Marrocos: desempatar o histórico para chegar às Meias

PortugalMarrocos86(Jaime Magalhães salta com um adversário durante o Portugal – Marrocos do Mundial 1986.)

Separados por um mar, Portugal e Marrocos só se defrontaram por duas vezes na história e ambas foram na fase de grupos de Campeonatos do Mundo: a primeira em 1986 e a segunda em 2018.
No México e na Rússia, houve uma vitória para cada lado e, por isso, a partida de amanhã, além de um confronto inédito entre a nossa Seleção e a cóngenere marroquina numa fase a eliminar de um Mundial, poderá servir para desempatar o histórico, caso uma delas vença no final dos 90 ou 120 minutos.
O primeiro embate de Portugal com Marrocos teve lugar em Guadalajara, no Estádio Jalisco, a 11 de Junho de 1986: disputava-se a última jornada da fase de grupos e o empate interessava aos dois Países, que, com esse resultado, se apuravam ambos para os Oitavos-de-Final em detrimento de Inglaterra e Polónia.
Dentro de campo, os norte africanos levaram a melhor sobre a seleção lusa e ainda antes da meia-hora já venciam por 2-0 com bis de Abderrazad Khairi (19′ e 26′). No segundo tempo, Abdelkrim Merry Krimau fez o 3-0 aos 62′ e o tento de Diamantino, aos 80′, serviu somente para minimizar a derrota numa campanha que ficou marcada pelo “Caso Saltillo” – e reza a lenda que José Faria, técnico brasileiro que orientava os marroquinos, terá proposto o empate, algo rejeitado pela comitiva portuguesa…
Depois, foi preciso esperar 32 anos para que houvesse novo jogo entre Portugal e Marrocos e novamente num Campeonato do Mundo: no Estádio Luzhniki, em Moscovo, um golo de Cristiano Ronaldo, logo aos 4 minutos, foi o suficiente para os “tugas” levarem de vencida os “Leões do Atlas” na segunda ronda da fase de grupos, que haveria de terminar com a passagem lusa no segundo lugar atrás da Espanha.
Amanhã, a partir das 15 horas de Portugal Continental, a bola irá rolar no Al Thumama Stadium, em Doha, e todos esperamos que a nossa Seleção desempate o histórico com Marrocos e chegue pela terceira vez na história às Meias-Finais do Mundial.

Marrocos: o novo membro africano dos Quartos-de-Final

marrocos(Os festejos dos jogadores marroquinos durante o desempate por penaltis diante da Espanha.)

O Mundial 2022 tem tido algumas surpresas até agora, mas nenhuma supera a dimensão da que aconteceu ontem: num duelo entre “vizinhos”, Marrocos cometeu a proeza de afastar a Espanha nos Oitavos-de-Final (0-0/3-0 em penaltis) e chega, pela primeira vez na sua história, aos Quartos-de-Final da competição.
E para além de eliminarem os espanhóis, que por si só já é um feito extraordinário, os marroquinos entraram igualmente para a história do futebol africano, já que são apenas a quarta Seleção daquele Continente a chegar aos Quartos no Campeonato do Mundo, repetindo as prestações de Camarões (1990), Senegal (2002) e Gana (2010) – curiosamente, nenhum destes Países passou depois às Meias-Finais.
Num Mundial que teve dois momentos icónicos protagonizados por Roger Milla – a dança junto à bandeirola de canto e o roubo de bola a Higuita que resultou em golo -, os camaroneses cedo mostraram ao que iam no Itália ’90: logo na partida inaugural, derrotaram a Argentina (1-0), que era a Campeã do Mundo em título, e venceram o grupo que contava ainda com Roménia e URSS. Nos Oitavos, superaram a Colômbia no prolongamento (2-1), mas depois já não conseguiram vencer a Inglaterra (2-3 após tempo-extra).
Doze anos depois, em 2002, o Senegal fez a estreia absoluta em Mundiais e teve uma entrada em grande: tal como os camaroneses, os senegaleses derrotaram na partida inaugural o Campeão do Mundo em título, que era a França (1-0), e empataram de seguida com Dinamarca e Uruguai, terminando no segundo lugar do grupo. Na fase a eliminar, os africanos ainda afastaram a Suécia no prolongamento (2-1), mas nos Quartos-de-Final foram derrotados pela Turquia (0-1).
Finalmente, em 2010, o Gana ficou atrás da Alemanha e superou a concorrência de Austrália e Sérvia na fase de grupos, sendo que nos Oitavos-de-Final, derrotou os Estados Unidos por 2-1, numa partida que também precisou de 120 minutos para ser resolvida, à semelhança do que havia acontecido com Camarões e Senegal. A campanha ganesa, porém, não passaria da eliminatória seguinte: no célebre jogo em que Luís Suárez foi expulso por fazer uma defesa que resultou num penalti falhado por Asamoah Gyan, os africanos acabaram derrotados pelo Uruguai… nas grandes penalidades (1-1/2-4).
No próximo sábado, dia 10, Marrocos terá então, contra Portugal, a oportunidade de continuar a fazer história e tornar-se na primeira equipa africana a atingir as Meias-Finais de um Campeonato do Mundo.