Margaça: o maior polivalente passa dos relvados para as bancadas

margacaomonia(Foi ao serviço do Omonia que Margaça viveu os melhores anos da carreira.)

Passou praticamente despercebido em Portugal, a exemplo do que aconteceu com grande parte da sua carreira, o anúncio do adeus aos relvados de Renato Margaça. E infelizmente, diga-se, por todos os motivos e mais alguns. Margaça é uma personagem apaixonante: um conversador de excelência, de trato fácil e graça natural, como demonstrou na entrevista que deu a este mesmo blog há cerca de 3 anos. E, já agora, foi um belíssimo jogador, criando uma história no Chipre que está ao alcance de poucos – de tal modo que acabaria por ser “adoptado” pelo país do Mediterrâneo já numa fase bem adiantada da carreira.

Nascido na Covilhã a 17 de Julho de 1985, numa altura em que o pai, João Margaça, jogava no histórico clube da Serra, mudar-se-ia ainda pequeno para Torres Vedras, cidade-natal do progenitor, fazendo grande parte do percurso formativo no Torreense. Nos juvenis passou para o Alverca, onde se viria a sagrar campeão nacional de juniores e a estrear como sénior em 2004/05, integrando o último plantel do histórico emblema ribatejano nos campeonatos profissionais (no caso, II Liga), e passou depois 3 temporadas na então denominada II Divisão B, entre Fátima, Torreense e Mafra.

margacachipre(Entre 2017 e 2019, Renato Margaça somou 21 internacionalizações por Chipre.)

Até que, em Junho de 2008, surgiu a possibilidade de rumar ao Chipre, então pela porta do DOXA, que representou durante 2 épocas, entre 2008 e 2010, sempre rodeado de muitos compatriotas. Em 2010/11 mudou-se para o mais ambicioso AEK Larnaca e ali dar-se-ia uma mudança decisiva na carreira: por lesão de um colega, o até então extremo/médio ofensivo foi adaptado a lateral-esquerdo, e com tanto sucesso que acabaria eleito o melhor lateral-esquerdo do campeonato cipriota.

Mas não só: permitiu-lhe também a mudança para o Omonia, um dos maiores clubes do país, que lutava por títulos e presenças nas competições europeias. Conseguiu-o, de resto, logo nessa primeira temporada, vencendo a Taça e participando nos play-off de apuramento para a fase de grupos da Liga Europa. Ao todo, passaria 7 anos no conjunto de Nicosia, tornando-se capitão de equipa e no estrangeiro com mais jogos na História do clube, além de ter chegado à selecção… do Chipre.

margacaanorthosis(Em duas temporadas ao serviço do Anorthosis, o esquerdino celebrou a conquista da Taça em 2021.)

Isso mesmo: Renato João Inácio Margaça, que até foi 11 vezes internacional jovem por Portugal (7 nos sub-18 e 4 nos sub-19), ganhou a cidadania cipriota em 2016 e alguns meses depois estrear-se-ia pela selecção daquele país – quis o destino que a segunda internacionalização fosse precisamente… contra Portugal, num particular disputado no Estoril em Junho de 2017. Faria, ao todo, 21 jogos com a camisola do país que se tornou seu de coração, o último dos quais em Outubro de 2019, participando no apuramento para o Mundial 2018, na Liga das Nações de 2018/19 e no apuramento para o Euro 2020.

O episódio mais negativo da sua carreira aconteceria na sétima e última temporada no Omonia. Após ver o clube rejeitar uma proposta de 100 mil euros do Paphos no mercado de inverno, Margaça ficou e até renovou o contrato (embora ficando incomparavelmente a perder), mas poucas semanas depois seria acusado pelo próprio treinador, o búlgaro Yvaylo Petev, de vender o jogo da segunda mão dos oitavos-de-final da Taça, ante o DOXA, juntamente com os compatriotas Alex Soares e Rafael Lopes – diga-se que o Omonia já perdia quando Margaça foi lançado em jogo, ao minuto 58, e até conseguiria ainda empatar (1-1), sendo eliminado devido à derrota por 3-2 na primeira mão.

MargacavsPortugal(Curiosamente, Margaça estreou-se a titular pela Seleção Cipriota diante de Portugal, num amigável realizado no Estoril em Junho de 2017.)

Os 3 jogadores foram afastados da equipa, num processo que se arrastou por 2 meses, até à demissão do treinador, e já depois de o trio luso ter feito queixa na polícia – que lhes viria a dar razão, dada a óbvia falta de provas para tal acusação. Alex Soares e Rafael Lopes voltaram a jogar, mas o mesmo não aconteceu com Margaça: a relação de confiança entre o clube (e adeptos) e o jogador perdeu-se, e este acabaria por rumar ao Nea Salamis, contribuindo para uma das melhores temporadas de sempre do clube de Famagusta (quinto lugar). O seu desempenho foi de tal forma positivo que o Anorthosis avançou para a sua contratação a troco de 50 mil euros, algo inédito no futebol cipriota tendo em conta que se tratava de um atleta de 34 anos, e a verdade é que Margaça rendeu o que se esperava dentro de campo nos 2 anos de ligação ao clube, conquistando novamente a Taça no segundo ano.

Já com 36 anos, comprometeu-se a regressar ao Nea Salamis para ajudar a equipa a regressar ao escalão principal e cumpriu com o prometido, mantendo-se como capitão para o ataque à I Liga em 2022/23. Acabaria a temporada com 27 partidas disputadas (8 como titular), ajudando o clube a garantir a permanência, e no passado dia 28 de Junho, exactamente 15 anos depois de ter chegado ao Chipre, anunciou a despedida dos relvados nas redes sociais – no mesmo dia, seria oficializado pelo Nea Salamis como olheiro para a época que se avizinha, ele que na entrevista ao Conversas Redondas a 8 de Abril de 2020 manifestava o desejo de tirar o curso de treinador e abrir um dia uma academia de futebol.

IMG-20200407-WA0001(Em duas passagens pelo Nea Salamina, o agora ex-jogador conseguiu em ambas ficar na história do clube, contribuindo para o 5º lugar na I Liga em 18/19 e para a subida ao principal escalão em 2022.)

Nessa ocasião, quando questionado sobre o fim de carreira, garantiu que ainda planeava jogar durante mais alguns anos, embora frisando não se querer “arrastar dentro de campo e deixar uma última má imagem”. “Quero deixar a imagem do jogador que sempre fui: um jogador que dá sempre tudo o que tem, muito lutador e que dá o máximo pela equipa”, salientava. Pois bem: para quem teve o privilégio de seguir o seu percurso, nomeadamente a partir do momento em que rumou ao Chipre, a imagem de Margaça enquanto jogador manteve-se absolutamente inalterada (e imaculada) até ao último minuto, mesmo após ultrapassar o episódio bisonho que ditou a sua saída do Omonia; ganhará agora o Nea Salamis certamente um profissional exemplar enquanto olheiro e quiçá, no futuro, um grande treinador.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.

Miguelito: tanto talento tinha mesmo de estar no escalão principal

miguelito

Miguelito, médio que representa os cipriotas do Nea Salamis, é o destaque desta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

Melhor regresso ao “convívio dos grandes” era difícil para Miguelito. Depois de uma temporada na II Divisão do Chipre, para onde seguiu em 2021/22 com o intuito de ajudar o Nea Salamis a voltar imediatamente ao principal escalão (objectivo cumprido), o médio natural de Amarante manteve-se no emblema de Famagusta para a nova época – tem a companhia dos compatriotas Renato Margaça e Carlitos – e em apenas duas jornadas já demonstrou de forma mais que óbvia que o seu talento é demasiado grande para estar perdido na II Liga cipriota: dois jogos, dois golos e duas vitórias para a equipa recém-promovida, que vai surpreendentemente liderando a prova juntamente com os rivais de Limassol Aris e Apollon (campeão em título).

Miguelito, refira-se, está longe de ser um desconhecido no futebol cipriota. Em 2016/17, depois de toda uma vida futebolística ligado ao Amarante, emblema da sua terra natal (e após uma temporada em que marcou 15 golos, 5 dos quais na caminhada até aos oitavos-de-final da Taça de Portugal), Luís Miguel Teixeira Ribeiro decidiu sair de “casa” pela primeira vez na carreira e rumou ao Olympiakos Nicosia, que tinha como objectivo a subida ao principal escalão do futebol cipriota já há quatro temporadas. A meta acabaria por ser atingida e Miguelito estreou-se assim numa primeira divisão europeia aos 27 anos, somando 36 jogos, 3 golos e outras tantas assistências – números que acabaram por não se revelar suficientes para evitar o último lugar e consequente descida de divisão no fim da época.

O atleta amarantino optou então por voltar à sua zona de conforto, que é como quem diz ao Amarante, apontando mais 10 golos em 38 jogos no Campeonato de Portugal. A semente do futebol cipriota (e de um escalão principal), porém, continuava lá, e por isso no verão de 2019 Miguelito voltou a emigrar para o país mediterrânico, desta feita pela porta do recém-promovido Ethnikos Achnas, e a entrada foi de rompante: 4 golos nos primeiros 4 jogos. Acabaria, porém, por marcar apenas mais um nos 22 jogos seguintes, até que surgiu o coronavírus e a pandemia que levou a federação cipriota a determinar a suspensão abrupta e definitiva de todas as competições no país no início de Março.

O conjunto de Achnas ocupava por essa altura a quinta e penúltima posição da fase de permanência, mas viria a beneficiar da decisão da federação cipriota de não haver descidas e alargar a prova de 12 para 14 participantes em 2020/21. Miguelito manteve-se assim na principal Liga cipriota e contribuiu, com 3 golos e uma assistência, para a obtenção (de forma até relativamente tranquila) da permanência por parte do Ethnikos Achnas, acabando por surpreender de algum modo a sua mudança para o Nea Salamis nesse verão, dada a descida ao segundo escalão do emblema de Famagusta.

A aposta, todavia, acabaria por se revelar certeira por parte do médio luso: não só o Nea Salamis conseguiu de facto a promoção, como Miguelito, com 5 golos em 27 jogos, seria escolhido para o 11 ideal da prova, juntamente com os compatriotas Vasco Coelho (campeão pelo Karmiotissa) e Luís Silva (igualmente promovido ao serviço do Paralimni). Agora, de regresso ao escalão principal aos 32 anos, ficava a dúvida se conseguiria manter o nível, mas parece até estar a elevá-lo – além de manter o que já é quase uma tradição sua: marcar na primeira jornada. Fê-lo em 2019/20, e até em dose dupla, na vitória por 4-3 do Achnas em casa do Paralimni, e voltaria a fazê-lo na época seguinte, no 2-0 caseiro sobre o mesmo adversário, curiosamente; em 2021/22 não repetiu a “graça” (na II Liga também não conta), mas no regresso à I Liga voltou a acontecer: lançado em campo ao minuto 64 na visita ao reduto do Karmiotissa, e com o marcador a registar um empate a uma bola, Miguelito faria ao minuto 81 o golo (e que golo) que sentenciou a vitória da sua equipa.

O bom desempenho valeu-lhe a titularidade para a segunda ronda, e mais uma vez o médio português demonstrou toda a apetência que tem para surgir em zona de finalização e não perdoar: foi dessa forma que apontou o golo inaugural do marcador no triunfo pelo mesmo resultado na recepção ao Akritas Chloraka (curiosamente outra das equipas que subiram ao principal escalão na última época). Miguelito nunca jogou na I Liga portuguesa (nem sequer na II ou até a um nível profissional) mas quem foi seguindo as suas temporadas no Amarante percebia que tal era um “crime”, dada a potencialidade que existia no seu futebol; no Chipre foi-lhe dada a oportunidade que lhe faltou no seu país e o médio vai respondendo a cada fim-de-semana como melhor sabe: a brilhar dentro do campo.

Rúben Brígido: a oportunidade ideal no timing perfeito

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Rúben Brígido, médio ofensivo que recentemente se sagrou Campeão do Cazaquistão pelo Tobol, é o jogador em destaque esta semana na rubrica/parceria entre a nossa página e a página À bola pelo Mundo:

O último fim-de-semana futebolístico marcou o fim da temporada nalguns dos campeonatos que se disputam em anos civis, ao contrário do que acontece em Portugal e na maioria das ligas europeias, e como não podia deixar de ser houve bom português nas celebrações. No caso, no longínquo campeonato do Cazaquistão: Rúben Brígido esteve presente em 83 dos 90 minutos que consagraram o Tobol como novo campeão cazaque na vitória por 2-0 no reduto do Akzhayik, festejando assim aquele que é o primeiro troféu da sua já bem preenchida carreira – outro português, Carlos Fonseca, também contribuiu para esse título ao participar em dez jogos na primeira metade da época, saindo depois para o Kyzylzhar, igualmente da I Divisão cazaque.

Foi, de facto, um timing perfeito, aquele que levou o médio ofensivo natural de Leiria a trocar o Ordabasy pelo Tobol no último verão, depois de um ano ao serviço do emblema que terminou a época actual no quinto posto, tendo somado um total de 33 jogos, 4 golos e 2 assistências. No conjunto de Kostanay, que conseguiu apenas o segundo título de campeão nacional da sua História (o primeiro tinha sido em 2010), Rúben Brígido fez 8 jogos no campeonato desde que chegou em Julho, participando ainda em mais 7 partidas na Taça do Cazaquistão – onde o Tobol se encontra apurado para as meias-finais – e 4 nas pré-eliminatórias de acesso à fase de grupos da recém-criada Liga da Conferência.

A nível de clubes este é o maior feito da carreira do criativo leiriense, que cumpriu este verão o 30º aniversário mas de quem já parece ouvir-se falar há bem mais tempo. Com formação dividida entre União da Serra, Sporting, Fátima, CADE e União de Leiria, foi nos leirienses que completou a transição para o futebol sénior e estrear-se-ia na equipa principal com apenas 18 anos na I Liga (2009/10), sendo titular na jornada final numa derrota caseira diante do Porto (1-4) em que até fez a assistência para o único golo da sua equipa (curiosamente o primeiro da partida).

Fez mais duas épocas em Leiria, mas uma grave lesão no perónio e os problemas financeiros que ditaram a queda abrupta (e até agora por reparar) do histórico emblema da cidade do Lis levaram-no em 2012/13 a assinar pelo Marítimo, onde alternou entre a equipa principal e os bês durante duas épocas. No verão de 2014 optou por deixar a Madeira e rumar ao estrangeiro pela primeira vez, assinando pelos romenos do Otelul, mas o flagelo dos ordenados em atraso levou-o a mudar-se para o Chipre em 2015/16, iniciando um périplo que incluiu passagens por quatro clubes diferentes: Ermis Aradippou, Othellos Athienou, Anagennisi Deryneia e Nea Salamis.

Após dois anos e meio no Chipre surgiu a oportunidade de rumar à Bulgária e a um projecto que configurava a luta por um lugar europeu no Beroe, onde se assumiu de imediato como indiscutível – em 2018/19 conseguiu mesmo os melhores números da carreira numa só temporada: 4 golos e 5 assistências em 35 jogos efectuados (25 dos quais como titular). Na época seguinte seguia como um dos maiores destaques do emblema de Stara Zagora, com 2 golos e outras tantas assistências, até que durante a paragem de inverno do futebol búlgaro foi anunciada a sua transferência para o Ordabasy, do Cazaquistão, onde curiosamente se estreou com um golo que garantiu o primeiro triunfo do clube em 2020 (1-0 sobre o Okhzetpes).

A escolha da Liga cazaque por parte do atleta que chegou a ser internacional sub-20 (três jogos, um dos quais no Torneio de Toulon de 2011), bem como a duração do contrato com o Ordabasy (2 anos), afigurou-se então como algo surpreendente, dada a sua idade na altura (apenas 28 anos) e havendo a percepção clara de que o jogador ainda podia render bastante a um nível quiçá mais elevado. O factor financeiro terá tido um peso considerável na decisão, bem como a curiosidade em experimentar a quinta Liga da sua carreira (quarta no estrangeiro), mas a verdade é que o tempo acabou por dar razão a Rúben Brígido, que agora juntou assim o seu nome ao rol de atletas portugueses campeões por esse mundo futebolístico fora.