André Villas-Boas: o caminho até às cadeiras de sonho começou nas Ilhas Virgens

avbfcp(13 anos depois de ter guiado o FC Porto à conquista do seu último troféu europeu até à data, André Villas-Boas assumiu hoje formalmente a presidência dos “dragões”.)

Agora é oficial: 42 anos depois, a presidência do FC Porto mudou de mãos. André Villas-Boas tomou posse esta terça-feira (no clube, que a SAD é outro tema “completamente” diferente) após mais de 4 décadas de Jorge Nuno Pinto da Costa ao comando do clube que tornou no emblema de toda uma região – e a quem deu a projecção internacional que ansiava até então. A transição não foi pacífica, acontecendo após uma afluência recorde dos sócios portistas às urnas, com o antigo treinador a vencer em larga escala: 80,3 por cento dos votos, contra apenas 19,5 do mais titulado presidente da História do futebol mundial.

Sim, toda a gente se lembra do Villas-Boas treinador do FC Porto, tal como seguramente recordarão as passagens que se seguiram pelo futebol inglês. Mais difusas se tornarão as memórias das estadias na Rússia, China e França, seja pela duração, seja pelo menor impacto mediático. Aquilo de que muito poucos terão conhecimento é da primeira experiência internacional do agora presidente portista enquanto técnico: aconteceu na já longínqua década de 90, pouco depois de celebrar o 22º aniversário, e enquanto… seleccionador.

avbrobson(Bobby Robson foi o “mentor” de André Villas-Boas.)

É verdade: Luís André de Pina Cabral e Villas-Boas, crescido na zona nobre do Porto, oriundo de família aristocrática (bisneto do 1.º Visconde de Guilhomil, José Gerardo Coelho Vieira Pinto do Vale Peixoto de Vilas-Boas) e de origens inglesas (o avô, Dom Gonçalo Manuel Coelho Vieira Pinto do Vale Peixoto e Sousa de Villas-Boas, casou-se com a inglesa Margaret Neville Kendall, que vivia em Portugal depois da mudança da mãe para o nosso país para começar um negócio de vinhos), foi seleccionador das Ilhas Virgens Britânicas por um curto período entre 1999 e 2000, numa altura em que a experiência como treinador se cingia ao cargo de adjunto dos juvenis dos dragões, a convite de Bobby Robson, de quem havia sido vizinho na passagem do reputado técnico inglês pelo emblema portuense, de 1993 a 1996.

Foi, de resto, essa a sua porta de entrada no mundo do futebol profissional: ainda adolescente, o agora presidente portista teve a coragem para, num encontro casual no edifício onde ambos viviam, expor as suas ideias ao antigo seleccionador de Inglaterra, com Bobby Robson a ficar de tal forma impressionado que o convidou para ir assistir ao treino da equipa principal no dia a seguir. Seria também por essa via que viria a tirar o curso de treinador nas Associações de Futebol de Inglaterra e da Escócia, seguindo-se então uma aventura só ao alcance dos maiores entusiastas do célebre jogo Championship Manager (mais tarde Football Manager): via fax, o jovem Villas-Boas decidiu candidatar-se a um emprego na Federação de Futebol das Ilhas Virgens Britânicas, acabando por ser contratado inicialmente para o cargo de coordenador técnico de todos os escalões.

avbbriosa(Foi durante a temporada 09/10 que o portuense teve a sua primeira experiência “a sério” enquanto treinador principal, ajudando a Académica a fazer uma época tranquila.)

“Fui às escuras, pensei que ia encontrar algo minimamente estruturado. Mas foi curioso, que eu chego e depois é que me vou adaptando à realidade do que era aquela vida. Na altura fiquei horrorizado. Eu chego de fato, todo bonito, e sou recebido pelo Charlie Cook [diretor da Federação] de chinelos e calção de banho. Tinha feito Porto-Paris, Paris-São Martinho, São Martinho-Ilhas Virgens. E chego lá de noite, com o fato da viagem… Mas parti à aventura e estava a achar piada. Levou-me para a casa que ambos partilhávamos, e depois de pousar as malas, levou-me para ver um jogo. Era a polícia contra os bombeiros, um jogo de topo. Foi assim que me deparei com aquele cenário”, contava em entrevista ao Expresso em 2019, lembrando contudo as “praias excelentes” de “um dos grandes paraísos do mundo”.

A ambição intrínseca de Villas-Boas rapidamente o levou a assumir o comando técnico da selecção principal, numa passagem fugaz e de resultados nefastos – participou, inclusivamente, no apuramento para o Mundial 2002, caindo logo na primeira ronda frente à selecção de Bermuda, após 2 derrotas pesadas: 5-1 em casa e 9-0 fora. “Não me arrependi de o contratar. Logo ao início, fez um plano completo para todas as selecções, um manual com planos de jogo e de treino, cheio de informação. Mexia muito bem nos computadores e era soberbo na observação. Deixou trabalho feito, meteu os seniores a treinar os miúdos e muitos desses jovens chegaram depois à selecção principal. O único problema que tive com ele foi a sua ambição. Percebi que estava aqui pelo currículo e que não iria ficar muito tempo. Então, acabámos por nos despedir”, contou ao Maisfutebol Kenrick Grant, presidente da Federação do território caribenho ainda hoje sob alçada da Grã-Bretanha.

avbchelsea(Contratado pelo Chelsea ao FC Porto em 2011 por 15 milhões de euros, verba recorde naquela altura, AVB não foi feliz ao serviço dos “blues”.)

Após a curta (mas muito enriquecedora) aventura pelo Caribe, André Villas-Boas regressou ao FC Porto, integrando posteriormente a equipa técnica de José Mourinho na função de observador – que desempenharia até ao verão de 2009. Então, decidiu pôr fim à ligação de quase uma década com o Special One para cumprir o desejo de ser treinador principal, que se tornaria real pouco depois: em Outubro, prestes a festejar o 32º aniversário, foi oficializado na Académica após a demissão de Rogério Gonçalves.

O trabalho na Briosa foi muito positivo (conduziu-a a um tranquilo 11º lugar final, alcançando também as meias-finais da Taça da Liga) e de imediato surgiram notícias do interesse de emblemas de maior nomeada – chegou a ser dado como certo no Sporting. Acabaria, contudo, por ser o escolhido de Pinto da Costa para suceder a Jesualdo Ferreira no comando técnico dos dragões, no que descreveu então como a sua “cadeira de sonho”, e com os resultados que se conhecem: ganhou 4 competições em 2010/11, entre as quais o campeonato (onde se tornou no primeiro treinador português campeão sem qualquer derrota) e a Liga Europa (passando a ser o treinador mais jovem de sempre a vencer a prova), só faltando mesmo a Taça da Liga.

avbzenit(Em duas épocas e meia ao serviço do Zenit, o agora presidente venceu um Campeonato, uma Taça e uma Supertaça na Rússia.)

De imediato foi contratado pelo Chelsea, que deixou 15 milhões de euros nos cofres portistas (quantia recorde no que respeitava a “transferências” de treinadores até então), mas nos Blues, já se sabe, a estadia foi mais curta e com muito menos sucesso. Villas-Boas foi demitido a 4 de Março, após perder por 3-1 em Nápoles na primeira mão dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões, numa altura em que se encontrava fora dos 4 primeiros lugares na Premier League e já tinha sido afastado da Taça da Liga – o Chelsea acabaria por conquistar a Taça e a própria Liga dos Campeões no fim da época, já sob o comando do seu ex-adjunto Roberto Di Matteo.

Viria, ainda assim, a dispor de nova oportunidade no país de onde é originária a sua mãe na época seguinte, e novamente na capital, agora ao comando do Tottenham, por quem assinou por 3 temporadas. Nos Spurs, fez uma primeira época muito bem sucedida, terminando no 5º lugar e batendo o recorde de pontos do clube na Premier League (72), no que era até então o melhor registo de qualquer equipa na prova a terminar fora do top-4; na segunda, porém, não apresentou o mesmo rendimento e acabaria despedido a meio de Dezembro, depois de ser goleado em casa pelo Liverpool (0-5) e numa altura em que seguia no 7º lugar no campeonato.

avbmou(Villas-Boas, que já conhecia José Mourinho desde o tempo em que este coadjuvou Bobby Robson no FC Porto, trabalhou depois com o técnico luso precisamente nos azuis e brancos, no Chelsea e no Inter.)

Saiu, ainda assim, com a maior percentagem de vitórias de qualquer treinador na História do clube na era da Premier League, mantendo assim um estatuto que lhe permitia ter mercado na Europa do futebol. Acto contínuo, em Março de 2014 seria oficializado no Zenit (onde voltou a orientar Hulk), festejando a conquista do campeonato russo na época seguinte – a que juntou a Taça e a Supertaça em 2015/16 –, optando por não permanecer no clube após o verão de 2016.

Em Novembro desse ano foi contratado pelo Shanghai SIPG, onde reencontrou Ricardo Carvalho e… Hulk, levando o emblema da capital ao 2º lugar na Superliga chinesa na época de 2017 (na China é disputada em ano civil), bem como à final da Taça e às meias-finais da Liga dos Campeões asiática (ainda hoje a melhor prestação de sempre do clube na prova). Finda a temporada, decidiu não continuar no futebol asiático e tirar um período sabático para se dedicar à sua outra grande paixão: os ralis, com o ponto alto dessa “carreira” a registar-se com a participação no Dakar 2018 – no qual cumpriu 4 etapas ao volante de um Toyota Hilux, abandonando após um acidente no Peru.

avbmarseille(O Olympique de Marselha pode muito bem ter sido o último clube de André Villas-Boas enquanto treinador.)

O regresso ao futebol – no que haveria de se tornar, para já, na sua última aventura como treinador – deu-se em Maio de 2019, quando foi anunciado como o treinador do Marselha para a temporada seguinte. No emblema gaulês voltou a não celebrar a conquista de títulos, mas levou o clube ao 2º lugar da Ligue 1 pela primeira vez em 7 anos (numa prova encurtada em 10 jornadas devido ao eclodir da pandemia do coronavírus), abandonando o cargo em Fevereiro de 2021, na sequência de uma decisão directiva que considerou inaceitável: a contratação de um jogador (Jules-Olivier Ntcham) contra a sua vontade.

Daí para cá, não mais voltou a treinar uma equipa de futebol. Preparou-se, inclusivamente a nível de formação (obteve uma pós-graduação em Gestão Executiva nos Estados Unidos), de modo a poder estar à altura caso houvesse a possibilidade de vir a assumir o papel que vai desempenhar a partir de agora. “Não quero ficar muito tempo no futebol a treinar. Uns 15 anos, no máximo”, dizia em 2011. Na prática, foram 10 para já, num percurso agora interrompido – só o futuro dirá se de forma provisória ou permanente.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.

Deixe um comentário