Alverca: o cheirinho dos profissionais voltou ao Ribatejo

alverca(Após conseguir a subida à II Liga, o Alverca festejou o título de Campeão da Liga 3.)

À terceira, foi mesmo de vez. Depois de duas temporadas a ficar à porta da subida à II Liga, o Alverca conseguiu finalmente o tão desejado regresso ao futebol profissional, precisamente 20 anos depois de ter caído do escalão principal. E em grande estilo, vencendo de forma categórica a fase do apuramento do campeão depois de ali ter garantido a presença por apenas um ponto e somente na última jornada da fase regular.

Num plantel com vários figurões – leia-se jogadores com experiência de I e II Liga – e 2 jogadores com ligações a este que vos escreve (Zé Oliveira, central que passou pelo Farense em 2016/17, e Diogo Martins, médio natural de Tavira), foi o jovem João Costa a assumir o protagonismo. Depois de já na época passada ter celebrado a subida à II Liga pelo Belenenses, marcando 9 golos em 29 jogos, desta feita o ponta-de-lança de 24 anos apontou 22 golos em 32 jogos na Liga 3 (mais 2 na Taça de Portugal), sagrando-se o artilheiro máximo da competição e contribuindo decisivamente para o fim da malapata ribatejana – estará, de resto, já assegurado pelo Santa Clara para a próxima temporada, pelo que deverá passar directamente para o escalão principal.

deco(Deco, ainda na Liga de Honra, é o nome mais ilustre que passou pelo Alverca ao abrigo do protocolo com o Benfica.)

A liderar a nau alverquense esteve um treinador mais jovem do que alguns dos elementos à sua disposição no plantel: João Pereira, de apenas 31 anos quando assumiu o desafio e só com uma temporada enquanto técnico principal, no Amora, na qual terminou em primeiro na fase regular desta mesma Liga 3, com 8 pontos de vantagem sobre o… Alverca. A subida foi alcançada a três jornadas do fim, numa vitória por 2-0 na Covilhã – precisamente o mesmo resultado com que os serranos tinham impedido, há 2 épocas, a promoção dos ribatejanos no play-off final.

Os entusiastas dos anos 90/inícios de 2000 recordarão, certamente, as épocas em que o Alverca, fundado em 1939, disputou a I Liga, onde chegou pela primeira vez em 98/99, altura em que teve de cortar o cordão umbilical ao Benfica, do qual até então funcionava como clube-satélite. Foram 5 temporadas no escalão principal – 4 consecutivas entre 1998 e 2002 e depois outra em 2003/04 –, com a melhor classificação a ser um 11º lugar, em 99/00, com José Romão ao leme, seguido de um 12º em 2000/01, sob o comando de Jesualdo Ferreira.

mantorras(Mantorras chegou a Portugal “pela mão” do Alverca e rapidamente demonstrou atributos na sua passagem pelo Ribatejo.)

Por lá passaram, nesse período, nomes que já eram ou se viriam a tornar míticos no futebol português. A ligação às Águias proporcionou que jogadores como Valido, Ramires, Maniche, Marco Freitas, Nandinho, Sousa, Veríssimo, José Soares, Rui Baião, Diogo Luís, Ricardo Esteves, Bruno Aguiar ou os russos Ovchinnikov e Kulkov e os brasileiros Jamir, Duda, Anderson Luiz, Cajú e… Deco (este apenas na II Liga) vestissem o emblema alverquense, mas também o Sporting (Caneira, Alhandra, Paulo Costa, Nuno Assis, Ivo Damas, Viveros, Miguel Vargas ou Diogo) e até o FC Porto (Ricardo Carvalho, André Macanga, Emílio Peixe ou Quinzinho) deram a mão ao clube ribatejano, que, além de Mantorras, indubitavelmente o nome maior de todos os atletas revelados no clube, lançou na alta roda jogadores como Rui Borges, Manú, Rodolfo Lima e Tinaia e Zeferino, que encontraram em Alverca o lugar ideal para se consolidarem no futebol sénior depois da meteórica passagem pelos escalões de formação do Real Madrid.

Após a descida de há precisamente 20 anos, o emblema ribatejano ainda disputou uma temporada na II Liga, mas os problemas de ordem financeira tornaram-se insustentáveis e levaram à extinção do futebol profissional no clube. Seguiram-se vários anos nas distritais de Lisboa, numa via-sacra que teve o seu epílogo com a subida ao Campeonato de Portugal em 2017/18. Depois de duas tentativas falhadas de subida à II Liga, o Alverca garantiu em 2020/21 o acesso à recém-criada Liga 3, numa época marcada pelo falecimento de Alex Apolinário, médio brasileiro de 24 anos que se encontrava na terceira temporada no clube e que havia saltado para a ribalta ao apontar o golo inaugural na histórica vitória (2-0) sobre o Sporting, na terceira eliminatória da Taça de Portugal de 2019/20: na hora dos festejos da subida, o menino de Ribeirão Preto não foi esquecido.

festaalverca(A festa dos jogadores alverquenses, que disputavam o Campeonato de Portugal, na noite em que cometeram a proeza de eliminar o Sporting da Taça de Portugal em Outubro de 2019.)

Ainda tendo bem presentes os tempos “áureos” do Alverca, coincidentes com o desabrochar para a paixão futebolística deste que a vós se dirige, decidi compilar os momentos mais marcantes a que assisti tendo como protagonista o emblema ribajetano. Segue, assim, o meu top-5 – e desafio os leitores a fazerem o seu 😉

1998/99
O primeiro grande impacto do Alverca na época de estreia no escalão principal deu-se à sétima jornada e em pleno Estádio da Luz, conseguindo um empate a 2 golos, ambos marcados por jogadores emprestados… pelo Benfica (Marco Freitas e Maniche). Na segunda volta, venceria o Sporting em casa (3-2) com um hat-trick de outro jogador cedido pelos encarnados: Nandinho – curiosamente o autor do golo que havia dado o empate ao Benfica na Luz, no tal 2-2.

1999/00
Outra vez à sétima jornada, outra vez um grande a baquear diante do Alverca – no caso, o Sporting: 2-1 para os ribatejanos, no que constituiu a primeira derrota de Augusto Inácio ao quarto jogo no comando técnico dos Leões, depois de substituir o italiano Giuseppe Materazzi. Rui Jorge marcou para os verdes-e-brancos logo aos 5 minutos, mas Rui Borges (62) e Anderson Luiz (77) consumaram a reviravolta dos homens de José Romão, que na segunda volta iriam também empatar em Alvalade (1-1), não perdendo assim qualquer jogo frente ao campeão nacional dessa temporada. O Benfica também caiu em Alverca, perdendo por 3-1, com um penalty de Milinkovic (44) e um bis de Anderson Luiz em 3 minutos (71 e 74); já na segunda volta, o Porto sofreria também o primeiro revés diante dos ribatejanos: 1-1, com Jorge Costa a anular aos 44 minutos o tento inaugural de Ramires (8). O empate permitiu ao Sporting reduzir para apenas um ponto a desvantagem em relação aos Dragões, então líderes.

Nandinho(Nandinho tenta fugir a Delfim durante o Alverca 3-2 Sporting jogado a 17 de Abril de 1999. Cedido pelo Benfica aos ribatejanos na segunda metade dessa época, o extremo foi a figura deste encontro com os “leões” ao apontar um hat-trick.)

2000/01
Nova temporada amarga para os 2 “grandes” de Lisboa frente ao emblema ribatejano, que não perdeu nenhum dos 4 embates ante Benfica e Sporting. Após empatar em Alvalade (1-1, com golo do lateral-esquerdo Tito ao minuto 90), o Alverca venceu em casa na segunda volta, em jogo assombroso de Mantorras, que marcou e assistiu Milinkovic para o 3-1 final; já contra as Águias, fez ainda melhor, vencendo ambos os jogos: 2-1 em Alverca (golos de André Macanga e Milinkovic) e 2-0 na Luz (Dudic na própria baliza e Rui Borges).

2001/02
Quando, à terceira jornada, o Alverca foi vencer ao reduto do Sporting (0-1, golo do argentino Zárate aos 83 minutos), nada fazia prever que os ribatejanos viessem a terminar a temporada no último lugar da tabela, descendo pela primeira vez desde que tinham chegado ao escalão principal. Nessa época, de resto, ainda viriam a assustar novamente o futuro campeão nacional, no caso na Taça de Portugal, com um empate a zero nos oitavos-de-final que obrigou a segundo jogo em Alvalade, ganho pelo Sporting com 2 golos nos últimos 15 minutos (João Vieira Pinto aos 76 e Jardel, de penalty, aos 86), após o tento madrugador de Zeferino.

2019/20
A cumprir a segunda temporada no Campeonato de Portugal, depois de uma travessia no deserto de mais de uma década, o conjunto orientado pelo jovem Vasco Matos espantou o futebol português ao afastar o Sporting de Silas na terceira eliminatória da Taça de Portugal, vencendo por 2-0 com golos dos brasileiros Alex Apolinário e Juan Silva. O feito histórico (nenhuma equipa do terceiro escalão afastava os Leões da Taça desde 1948) acabou por não ter sequência na eliminatória seguinte: apesar de dar luta, o Alverca caiu frente ao Rio Ave de Carlos Carvalhal, perdendo por 1-0 em Vila do Conde com golo de um tal… Mehdi Taremi, então a dar os primeiros passos no futebol português.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.

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