Miguel Campos: “Percebi que me posso bater de frente com o futebol de topo”

miguelcampos(Miguel Campos foi contratado pelos ucranianos do Oleksandriya a meio da temporada.)

Na mesma época, Miguel Campos não só se estreou de forma absoluta a jogar numa I Liga, como ainda atuou no principal campeonato de dois Países diferentes: após ter iniciado 23/24 ao serviço do NK Rudes da Croácia, o central mudou-se em Fevereiro para os ucranianos do PFC Oleksandriya, por quem somou 12 jogos.
Formado maioritariamente no Beira-Mar, o futebolista natural de Fermentelos, concelho de Águeda, teve a possibilidade de alinhar pelos “auri negros” na Taça da Liga e na II Liga ainda com idade de júnior, mas o fim do futebol profissional no clube levou-o a outras paragens, tendo feito praticamente todo o seu percurso entre o Campeonato de Portugal e a Liga 3 antes de rumar à Croácia em 2022.
Atualmente com 27 anos, Miguel Campos, que em Portugal já passou por emblemas como Gafanha, Olhanense, Águeda, Benfica de Castelo Branco ou Anadia, afirma nesta entrevista que percebeu nos últimos tempos que pode perfeitamente singrar no topo do futebol e confessa que mantém o sonho de representar o Sporting:

À Bola pelo Mundo/Conversas Redondas: Seis meses na I Liga da Croácia e outros seis na Ucrânia. Como classificas a primeira época da carreira num escalão principal do futebol europeu, e logo em dois países diferentes?
Miguel Campos: Encarei com grande entusiasmo. No início tinha receio de não estar ao nível exigido, por isso preparei-me para isso. No Rudes os resultados foram maus, não fizemos muitos pontos, mas a nível individual senti que foi bom, bati-me de frente com referências nacionais da Croácia (e depois também da Ucrânia) e fiquei muito contente por ver que as minhas qualidades estão ao nível de uma I Liga europeia e que posso ambicionar mais para a minha carreira.

No Rudes foste treinado pelo Robert Prosinecki, uma lenda do futebol croata. Como é ele enquanto treinador?
Gosta muito de futebol apoiado, tem aquela escola espanhola, fruto de ter jogado nos clubes que jogou [Real Madrid, Oviedo, Barcelona e Sevilha]. Quer que a equipa tenha personalidade e privilegia um futebol técnico. Mas teve azar com o calendário, apanhámos as melhores equipas logo ao início e foi complicado porque estávamos muito motivados nessa fase inicial e perdemos logo 4-0 com o Rijeka, que esteve a liderar o campeonato quase até ao fim, e depois perdemos 4-3 com o Osijek após estar a vencer por 3-0. Foi um choque para a nossa confiança e senti que começámos a descambar a partir daí. O insucesso teve a ver com isso. Quando um treinador traz uma ideia diferente, os jogadores têm de acreditar nela, caso contrário não vai resultar, e ali senti que deixaram de acreditar. Mas gostei de trabalhar com ele, ele ligou-me quando foi contratado. Já não o vi jogar mas nessa altura vi vídeos, era um craque.

O que te levou a trocar de país a meio da época, e logo para a Ucrânia? Aceitaste de imediato ou ainda tiveste algumas reservas?
Tive algumas reservas, claro. Mas pensei: para o futebol estar a funcionar, é porque as coisas não podem estar assim tão más. Vi que havia muitos estrangeiros lá, tentei perceber a realidade e asseguraram-me que a cidade do meu clube [Oleksandriya] nunca tinha sido atacada. É uma cidade pequena, tem pouco interesse lá para o outro lado… Naquela altura o Rudes estava em último na Croácia, sem grandes perspectivas de vir a melhorar, e financeiramente a oferta foi muito boa. Não me arrependo.

(Em temporada e meia com a camisola dos croatas do NK Rudes, o central festejou a subida à I Liga e pôde ainda estrear-se ao mais alto nível do futebol europeu.)

Como está a situação neste momento?
Sinceramente, acho que está a ficar pior. Quando cheguei lá não existiam falhas de luz, cortes de água, e agora antes de vir de férias estava a acontecer. É uma sensação complicada, porque são coisas que afectam a vida diária e fazem pensar.

Assinaste até 2026. É para cumprir o contrato, ou já tens outras ofertas?
Eu penso cumprir, mas se a nossa segurança não for assegurada, terei de pensar noutras opções.

Que balanço fazes da passagem até agora? O que gostas mais e menos no clube e no país?
A Ucrânia tem muitas coisas boas. Se não estivesse numa situação de guerra, não tinha problemas em fazer carreira lá. Foram muito rápidos a integrar-me no plantel, a tornar-me um deles. Kiev é uma cidade à imagem de Lisboa, metropolitana, moderna. A minha cidade não, é mais atrasada. Isso é o pior. Mas as pessoas são muito simpáticas, muito acolhedoras. Estou muito feliz.

E já falas alguma coisa de ucraniano, ou nem por isso?
No clube temos um tradutor que fala espanhol, e alguns jogadores falam inglês. Mas também já aprendi algumas palavras. Dá para ir desenrascando.

Como é o clima? E a comida?
O clima é de extremos. Quando cheguei, já era fim de Fevereiro e o frio era de cortar. Nem com luvas se aguentava. – 11, – 15! Em Maio já estava um calor seco, que vai tranquilamente aos 35 ou 40 graus. Em relação à comida, prefiro a portuguesa (risos)! Eles têm uma sopa chamada borscht que é boa, e também uns rissóis que chamam mesmo dumplings.

(Ao serviço do Benfica de Castelo Branco, o jogador oriundo de Fermentelos fez 2 golos em 25 jogos no Campeonato de Portugal.)

E em termos de futebol? Surpreendeu-te de alguma forma ou é o que esperavas? E foi melhor ou pior que na Croácia?
Surpreendeu-me. Não estava à espera que a Ucrânia fosse um país tão de futebol. Na Croácia nunca senti, por exemplo, que as pessoas viessem pedir autógrafos ou camisolas aos jogadores, além das equipas grandes. Na Ucrânia há muitos adeptos e têm muito entusiasmo, pensei que fossem mais contidos. O campeonato é parecido com o da Croácia mas há mais competitividade, e também maior dimensão financeira. É um jogo mais técnico, também físico. Esperava uma Liga muito física, com jogadores altos, fortes e um jogo mais directo, mas não é assim. Eu também me destaco mais por gostar de sair a jogar e construir. Sou disso, e eles compraram-me mesmo por isso. Antes de ir fui consultar o que o clube fez nas épocas anteriores e costumavam sempre lutar pela Liga Europa. Esta época foi um ano atípico, mas já fizemos uma segunda metade muito melhor [terminou em oitavo] e a ambição deles é voltar a lutar pelos lugares europeus.

Adaptaste-te bem às duas realidades?
Na Croácia demorei um pouco mais. Era o primeiro ano, ninguém me conhecia e o próprio treinador tinha dúvidas em relação ao meu valor. Custou um pouco, mas tive um amigo com quem já tinha jogado em Portugal que me ajudou muito [João Araújo, actualmente no 1º de Dezembro], e com o tempo ganhei o meu espaço.

Fizeste parte significativa da formação no Beira-Mar e estreaste-te na equipa principal ainda júnior, na II Liga. Foi um choque grande quando o clube caiu para os Distritais precisamente no ano que passaste a sénior?
Sim. Até aos 15, 16 anos não pensava ser profissional de futebol, a ideia era ir para a universidade, estudar, os meus pais também me encaminhavam muito para aí. Depois, quando comecei a treinar com a equipa principal e assinei contrato profissional, até já pensava em chegar à selecção de juniores (risos)! Quando aconteceu isso ao Beira-Mar, não estava preparado, foi um percalço grande na minha carreira.

(Miguel Campos, na foto em ação pelo Beira-Mar diante do Marinhense a contar para o Campeonato Nacional de Juvenis em 12/13, passou 5 épocas na formação dos “auri-negros”.)

Acabaste por jogar depois no Gafanha e no Oliveira de Frades no Campeonato de Portugal. Como foi a experiência?
No Gafanha o treinador gostava de mim, era amigo do meu empresário. Mas percebi que ainda me faltava um pouco. Foi o primeiro teste na realidade de sénior e percebi que ainda não estava preparado. No Oliveira de Frades correu tudo bem, acolheram-me muito bem. A comida era muito boa (risos)! Descemos de divisão, mas individualmente foi positivo.

E porque é que na época seguinte vais para o Distrital (Oliveira do Bairro), onde enfrentaste inclusivamente… o Beira-Mar?
Porque não surgiu nenhuma oferta do Campeonato de Portugal. Então aceitei ir para os Falcões do Cértima. Correu bem a nível individual, fui um dos melhores marcadores da equipa, com 6 golos. Colectivo nem tanto, mas conheci lá um grande amigo, era perto de casa, na altura estava a estudar Desporto na Universidade de Coimbra.

Há pouco disseste que, ao chegar ao Gafanha e ao Campeonato de Portugal, percebeste que talvez ainda não estivesses preparado para a exigência do futebol sénior. Mas já tinhas jogado pela equipa principal do Beira-Mar ainda com idade de júnior na II Liga e na Taça da Liga…
É verdade, mas aí para mim foi um bónus, não sentia pressão. Quando subi para sénior já senti.

Depois há registos na internet de passagens por uma universidade dos Estados Unidos, na equipa B do Sacavenense e no Alba. Isto corresponde tudo à verdade?
Sim, tudo. No fim dessa época no Oliveira do Bairro [2016/17], eu fui fazer treinos numa academia chamada Next Level, onde treinavam universitários para tentar conseguir bolsas para estudar e jogar nos Estados Unidos. Achei que era uma excelente hipótese, até para tentar entrar no draft da MLS, além de ser uma experiência diferente, e sair de Portugal, que era algo que já pensava há algum tempo. Fui para uma universidade chamada Ohio Valley, mas a realidade era diferente do que eu pensava. Fiz uma grande temporada, que lá é mais ou menos três meses, fomos campeões, mas aquela divisão não tinha visibilidade suficiente para os jogadores chegarem ao draft da MLS. Então, no fim da época (que era a meio da época em Portugal), aquele meu amigo estava a jogar no Sacavenense e desafiou-me a ir lá treinar. Fui e fiquei na equipa B, que jogava na II Distrital de Lisboa, com a perspectiva de subir à equipa principal, que estava no Campeonato de Portugal. Eu tinha 20 ou 21 anos e aceitei, mas acabei por só jogar na equipa B.

(Na primeira metade de 19/20, o futebolista somou 20 jogos pelo Águeda entre Campeonato de Portugal e Taça de Portugal.)

Como foi a realidade de jogar numa II Distrital, depois de até já teres jogado na II Liga?
É completamente diferente. A qualidade dos jogadores, especialmente a qualidade individual, o tipo de jogo, muito mais directo. São campeonatos baseados mais na qualidade individual e na experiência. E claro, os jogadores têm empregos. Eu trabalhava no McDonald’s em Lisboa.

Dentro desse contexto, como chegas ao Olhanense?
Nesse verão o Alba fez-me uma boa proposta. Assinei e dois dias depois, um adjunto dessa equipa B do Sacavenense que entretanto tinha ido para o Olhanense convidou-me a ir lá fazer um teste. Peguei no meu carro e fui com um coreano, o Lee [Dong-wook]. Acabámos por ficar os dois. Gostei muito do Algarve, de jogar e não só. O Olhanense é um clube grande na região, com uma massa adepta muito crítica. O plantel era bom, naquela altura entraram uns investidores italianos, e fizemos um campeonato engraçado [quinto na Série D do Campeonato de Portugal, a 7 pontos do Casa Pia, segundo].

Destacaste-te depois no Águeda, a jogar “em casa”, e no Benfica de Castelo Branco e daí deste o salto para a Liga 3 (Anadia). No fim dessa época, chegou a falar-se do interesse do Santa Clara, mas depois foste para a Croácia. Porquê?
No Águeda quando me fizeram o convite, foi para ser protagonista, além de ir ganhar muito mais dinheiro e ser o clube da minha cidade. Depois mudaram de treinador, o que entrou não contava muito comigo e fui para Castelo Branco. Fiz lá boas épocas, guardo muito boas memórias. No Anadia fiz uma época muito boa e houve de facto essas notícias do interesse do Santa Clara, mas a mim nunca chegou nada. Entretanto, aquele meu grande amigo estava a jogar no Rudes, fui lá visitá-lo, conheci o empresário dele e acabei por ir ao clube fazer uns testes. Em Julho pediram-me para voltar.

(Nos últimos meses de 2017, Miguel Campos jogou pela equipa da universidade americana Ohio Valley.)

Qual a sensação de ser campeão logo no primeiro ano fora de Portugal? Era esse o objectivo inicial?
Sim, eles andavam já há várias épocas a tentar, na época anterior não tinham conseguido por um ou dois pontos. Foi um aliviar de tensão enorme. Para mim foi uma sensação ainda mais especial por ter conseguido fazê-lo com o meu melhor amigo. Foi um dos momentos mais altos da minha carreira até agora.

No Benfica de Castelo Branco foste utilizado algumas vezes no meio-campo. É habitual na tua carreira, ou sempre foste central?
Na formação, até ao primeiro ano de júnior eu era 6, mas depois passei para central e joguei sempre aí. Em Castelo Branco eu cheguei a meio da época e nessa altura estava um 6 lesionado e o treinador pediu-me para jogar ali, mas foi só nesses 2 ou 3 jogos. Depois veio a pandemia e o campeonato acabou. Na época seguinte já voltei para central, que é onde me sinto mais confortável. Gosto muito do 1×1 com o avançado, o roubar a bola, o desarme.

Sempre tiveste uma grande compleição física, mas também demonstras boa capacidade técnica. Sempre foi assim, ou foi algo que foste trabalhando ao longo dos anos?
Foi trabalhado. Quando cheguei a sénior, percebi que estava muito abaixo do que era preciso, tanto a nível técnico como físico. Fiz muito trabalho individual, passes contra a parede, com amigos, e comecei a evoluir. A nível físico também comecei a tentar perceber melhor o meu corpo, a fazer treinos extra no ginásio e a ter cuidado com a alimentação. Tenho um plano que tenho de seguir todas as semanas. Os clubes normalmente também têm, mas eu já faço por mim, sinto-me bem assim. Já houve clubes em que não batia certo, o clube queria uma coisa e eu queria outra. Por exemplo: eu sei que na minha posição faço só 4 ou 5 sprints por jogo mas ando muito a passo, não tenho de estar sempre a correr. Por isso não preciso de tanta capacidade aeróbia como um médio.

(Antes de rumar à Croácia no Verão de 2022, o central que também pode ser médio defensivo cumpriu uma época na Liga 3 pelo Anadia.)

Onde é que gostaste mais de jogar em termos de futebol jogado? Qual se adequou mais às tuas características?
Aqui e no Anadia, na última época em Portugal. No sistema em que estou a jogar agora estou a ter mais prazer a jogar futebol. Eu sou um central técnico, com capacidade de sair a jogar, e o treinador também incentiva a isso, dá confiança.

Como te defines como jogador?
Como já disse, um central técnico, com capacidade de sair a jogar, mas sem descurar a parte defensiva. Sou rápido, forte, muito bom no jogo aéreo, é muito difícil perder bolas no ar. Faço passes sempre em progressão. É por aí (risos)!

Qual o aspecto em que consideras ter evoluído mais ao longo da carreira? E, se for o caso, onde achas que ainda podes melhorar?
Evoluí muito na parte técnica e na compreensão do jogo. Hoje sou um jogador completamente diferente do que era no início da carreira. Era um central que batia, basicamente (risos)! Hoje sou muito mais capacitado e versátil. Mais confiante também, a parte mental vem com a experiência e faz muita diferença. Antes entrava desconfiado das minhas capacidades. Para melhorar… o pé esquerdo (risos). E a capacidade de ler as bolas ofensivas. Ainda estou no processo de aprender.

(Miguel Campos, ao centro, esteve uma época ao serviço do Olhanense no então terceiro escalão do futebol nacional.)

Quem são os teus ídolos de infância, ou em quem te revias/revês mais na tua posição?
Sempre me revi muito no Bruno Alves, pela capacidade física dele. Actualmente não tenho assim ídolos porque percebi que me posso bater de frente com o futebol de topo, e por isso já não crio muito essa distância. Eventualmente o Pepe também.

Que treinador mais te marcou?
Todos me marcaram de alguma forma, aprendi sempre qualquer coisa mesmo com os que joguei menos. A ter de destacar algum, será o professor António Luís, que me passou para central nos juniores do Beira-Mar. Também o Alexandre Ribeiro, no Anadia: havia outros centrais que jogavam bem, com melhor currículo, e ele tomou a decisão de apostar em mim.

O que ainda tens para atingir na carreira?
Sinceramente, a minha ambição maior é jogar no Sporting! Sei que se torna cada vez mais complicado, mas ainda é um sonho. E também quero jogar numa liga do top-5 europeu. Espero fazer grandes épocas na Ucrânia para depois conseguir subir para um campeonato desse patamar.

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