SkyDome Cup: o primeiro troféu foi ganho na alcatifa

nelo(Nelo, eleito capitão de Portugal na SkyDome Cup, ergue o troféu após a vitória sobre a Dinamarca.)

A nona participação de Portugal num Campeonato da Europa arranca hoje. A juntar às presenças em Mundiais, e também a Taça das Confederações de 2017, são já 18 participações nas grandes competições de selecções para a Equipa das Quinas, numa contagem que ganhou corpo principalmente desde o Euro 96 – até então, só havia registo de presenças em dois Mundiais (1966 e 1986) e um Europeu (1984). Na bagagem, a comitiva portuguesa leva, como sempre, o sonho de conquistar o troféu em disputa, repetindo o feito heróico de há oito anos, em França.

Ao contrário do que será provavelmente a percepção do comum adepto luso, porém, a vitória de 2016 não foi a primeira de uma selecção nacional sénior numa competição internacional. Essa aconteceu 21 anos antes, sem o mesmo mediatismo, num fuso horário diferente e num palco… pouco habitual, mas igualmente inesquecível para quem dela participou: a SkyDome Cup, disputada em Janeiro de 1995 num tapete sintético no Canadá.

Numa altura em que a FPF não possuía o estatuto de utilidade pública, o convite para participar num torneio internacional, com um cachet de 200 mil contos (hoje, praticamente um milhão de euros), foi recebido com enorme agrado pelos dirigentes do organismo. O elenco, todavia, não correspondia ao que certamente a organização pretenderia quando se lembrou de Portugal para se juntar ao país organizador e à Dinamarca, então campeã europeia em título: as estrelas internacionais lusas, como Luís Figo, Rui Costa ou Paulo Sousa, não foram tidas em consideração para a convocatória, bem como as maiores figuras dos maiores clubes nacionais.

vado(Vado, à esquerda, viveu no Canadá a sua única experiência na Seleção.)

António Oliveira, o seleccionador de então, estabeleceu uma quota de três jogadores por clube “grande”. Do campeão nacional em título, o Benfica, foram convocados Neno (suplente de Michel Preud’homme), Paulo Madeira e Nelo, que haveria de ser escolhido para capitanear a selecção na prova; o FC Porto teve Secretário, Jorge Costa e Folha nos eleitos; e do Sporting, Nélson, Oceano e Sá Pinto foram os chamados para representar Portugal em Toronto.

Os restantes convocados pertenciam exclusivamente a outras sete equipas do campeonato nacional, sendo que vários deles ainda não possuíam qualquer internacionalização pela selecção A: Alfredo e Rui Bento do Boavista, Pedro Barbosa do Vitória SC, Caetano do Tirsense, Barroso do Braga, Tulipa do Salgueiros, Calado do Estrela da Amadora e Vado e Paulo Alves do Marítimo. O conjunto madeirense, de resto, foi o mais representado no primeiro jogo de Portugal na prova, dado que o Canadá tinha outros dois jogadores maritimistas no seu elenco: Fernando Aguiar e Alex Bunbury.

O mítico avançado canadiano seria mesmo o autor do único golo da selecção anfitriã na competição, que valeu o empate frente a Portugal (1-1), numa partida presenciada ao vivo por 14 mil pessoas – muitas delas emigrantes portugueses naquele país da América do Norte. Alex marcou aos 82 minutos, após saída em falso de Neno, neutralizando assim o golo madrugador de Folha (10 minutos) após assistência de Pedro Barbosa. Portugal apresentou-se em campo com Neno; Secretário, Jorge Costa, Paulo Madeira, Rui Bento e Nelo; Caetano, Vado, Pedro Barbosa e Folha; Sá Pinto. Aos 62 minutos, Caetano e Vado deram os seus lugares a Calado e Paulo Alves, com Barroso e Tulipa a substituírem Folha e Sá Pinto a um minuto dos 90.

tumblr_mgh3zx3Zk71rctpiwo1_1280(Portugal e Dinamarca discutiram a vitória final no torneio.) 

O torneio foi disputado num sistema de todos contra todos e o Canadá já havia sido derrotado na estreia pela Dinamarca (0-1), que tal como Portugal se apresentou apenas com jogadores do campeonato local (ou seja, sem a esmagadora maioria das suas grandes figuras, como Peter Schmeichel ou os irmãos Laudrup), pelo que o empate nesse dia 26 de Janeiro lhe retirou totalmente as hipóteses de conquistar o troféu. A Equipa das Quinas, pelo contrário, ainda acalentava esperanças, tendo para isso de vencer os dinamarqueses no terceiro jogo da competição, realizado três dias depois. António Oliveira fez três alterações no onze em relação ao jogo inaugural, lançando Alfredo, Calado e Paulo Alves para os lugares de Neno, Caetano e Sá Pinto – os dois jogadores de campo viriam a entrar no segundo tempo, tal como Tulipa, ao contrário de Nélson e Oceano, que não disputaram qualquer minuto na prova.

O jogo foi muito disputado mas sem grandes ocasiões para nenhum dos lados. Até que, no último minuto do tempo regulamentar, Paulo Alves conseguiu quebrar a resistência escandinava e fez o único golo da partida, garantindo a vitória a Portugal e o primeiro título de sempre do país no futebol sénior. “O estádio estava cheio de emigrantes portugueses em Toronto, Portugal queria ganhar o primeiro torneio. No último minuto surge um cruzamento espectacular do Pedro Barbosa e marquei com o pé. Foi o delírio no estádio, não era a final de uma competição muito importante, mas era a selecção que estava em causa. Foi uma loucura naqueles momentos finais que recordo com saudade”, assumia o autor do golo decisivo em 2013, em entrevista ao jornal “I”.

skydome(Vista aérea do SkyDome no dia da sua inauguração a 1 de Junho de 1989.)

SkyDome teve vida curta. Mais o torneio, que teve aí a sua única edição, mas também o próprio recinto, que deu o nome à competição: mais um pavilhão do que propriamente um estádio, era totalmente coberto e climatizado, com um relvado sintético duro que tornava impossível o uso de pitons, levando a que na altura se tenha classificado a selecção nacional como a “campeã da alcatifa”. Inaugurado em 1989, com um custo de construção na ordem dos 625 milhões de dólares canadianos (cerca de 425 milhões de euros), foi a primeira arena da América do Norte a possuir um tecto completamente retrátil e funcional. “O nome dá uma sensação de infinito”, disse o presidente da entidade gestora do recinto aquando da sua inauguração.

Albergou jogos de futebol canadiano, basebol e até de basquetebol a partir desse ano de 1995. Em 1998, porém, abriu falência, foi comprado por “apenas” 85 milhões e depois vendido à Rogers Communications em 2004 por… 25. Acto contínuo, o novo dono decidiu mudar o nome para Rogers Centre. No imaginário dos portugueses que viveram (e vibraram) com essa conquista no ido ano de 1995, porém, será SkyDome… até ao infinito.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.

Deixe um comentário