Rui Capela: a primeira selecção num currículo recheado

ruicapela(Rui Capela assumiu a Seleção do Brunei de forma interina, averbando duas vitórias em outros tantos jogos.)

A última data FIFA antes do início do Campeonato da Europa contou, para quem tenha seguido os meios de comunicação social desportivos nacionais, com cinco treinadores portugueses em acção: três em África (Pedro Gonçalves por Angola, Paulo Duarte no Togo e Luís Boa Morte na Guiné-Bissau) e dois na Ásia (Paulo Bento nos Emirados Árabes Unidos e Rui Bento no Kuwait). Certo? Errado. Escapou ao radar da maioria, mas a verdade é que o conjunto nacional do Brunei foi, nos dois jogos particulares com o Sri Lanka, orientado por Rui Capela, que chegou há poucos meses àquele sultanato para orientar o DPMM, a competir na Liga de Singapura.

O pecúlio não podia ser melhor. Pelo clube, o treinador natural de Beja (mas algarvio de “adopção”) soma duas vitórias, ambas fora de portas: 2-1 frente ao Young Lions e 4-1 ante o Albirex Niigata, campeão em título; na selecção, 194ª colocada no ranking da FIFA, mais dois triunfos, ambos por 1-0, perante um conjunto a quem o Brunei nunca havia ganho até aqui – derrotas por 1-0 em 2006 e 5-1 em 2009.

“A entrada de um novo presidente na Federação coincidiu com a saída do seleccionador [o espanhol Mario Rivera]. O novo presidente acabou por falar com o presidente do meu clube sobre a possibilidade de eu poder fazer estes dois jogos, porque não coincidia com jogos do clube. Chegaram a acordo, consultaram-me e eu concordei. Penso que os bons resultados que tivemos aqui, na pré-época e já em jogos oficiais, lhes permitiram perceber que tínhamos condições de dar uma resposta positiva”, revelou Rui Capela à nossa página. “Sabemos que não podemos misturar os trabalhos, porque o DPMM tem uma responsabilidade muito grande na Liga de Singapura e há datas que não permitem conciliar clube e selecção. Optei por trabalhar estes 15 dias na selecção; no futuro, ficará em aberto a possibilidade de voltar, mas de momento a minha situação é voltar ao clube e fazer o trabalho que tenho feito até agora, tentar melhorar a classificação em relação à época passada [sétimo lugar]”, completou.

O DPMM já venceu a Liga de Singapura em 2015 (com o português Paulo Sérgio no plantel) e 2019, mas a eclosão do COVID no Brunei, agregada às restrições nos vôos para Singapura, levou à retirada do conjunto do sultanato desse campeonato até à época passada. “Entrámos bem no campeonato. É uma Liga bastante equilibrada, com 5 ou 6 equipas muito semelhantes, que almejam aos lugares cimeiros, e nós estamos nesse grupo. Iremos ajustando as nossas ambições conforme decorre a época, mas a primeira etapa é ficar nos 5 primeiros. O que vier por acréscimo será muito bom. Temos todas as condições, um centro de treinos muito bom, com dois campos, uma organização boa. Há o senão de estarmos sempre a viajar, porque estão a criar as condições para termos VAR no nosso estádio, e por essa razão os primeiros jogos serão todos realizados em Singapura. Vamos jogar agora com um dos melhores clubes do país, que disputa as competições internacionais e se apetrechou muito para jogar aí [o Lion City Sailors, onde actua o português Rui Pires], e tivemos agora um percalço, com uma lesão grave do nosso central que foi internacional sub-20 pela Austrália [Patrick Flottmann]. É um golpe nas nossas ambições, pois nem poderemos contratar outro jogador, porque as inscrições estão fechadas”, explica Rui Capela.

(Também pelo DPMM o técnico luso soma 2 triunfos em outras tantas partidas, estando a começar a temporada da melhor forma.)

Esta dupla experiência no Brunei/Singapura constitui já a oitava aventura no estrangeiro do técnico luso de 55 anos. Um percurso que já o levou a quatro continentes, com início em 2011, nos paraguaios do 3 de Febrero, onde se sagrou campeão de juniores; em 2013/14 venceria a Taça do Bangladesh no comando do Mohammedan, rumando depois a África para assumir as funções de coordenador-técnico do WAC Casablanca (onde seria campeão de Marrocos). Seguiu-se uma passagem pela Lituânia (Kruoja), encurtada por problemas do clube a nível financeiro, e depois 6 anos no Al-Khor, do Qatar, onde orientou maioritariamente as equipas sub-23 e sub-19, vencendo o campeonato desta última categoria em 2020 – na época anterior, orientou de forma interina a equipa principal, conseguindo garantir a permanência no primeiro escalão.

Após o término de 2022/23, Rui Capela pôs fim à passagem pelo Qatar e regressou a Portugal pela primeira vez desde que havia partido, em 2011, assumindo o comando do Esperança de Lagos, onde já havia trabalhado enquanto coordenador-técnico – tal como havia acontecido no Quarteirense, no Lagoa e no Portimonense –, bem como enquanto jogador, na década de 90 (com formação entre Beja, Torralta e Farense, foi internacional sub-16 e sub-18, fazendo carreira sénior como médio entre o Algarve e o Alentejo). A passagem pelo emblema lacobrigense, todavia, durou poucos meses, com o técnico a pedir para sair em Novembro por motivos familiares. No decorrer dessa época, assinaria pelo Znojmo, que compete nos escalões secundários do futebol checo, e no início da actual temporada rumou ao Líbano para assumir o comando técnico do Salam Zgharta, que haveria de deixar na vice-liderança do segundo escalão por questões relacionadas com a falta de segurança no país.

Agora, assinou por um ano com o DPMM, com a ligação a findar em Maio de 2025. No horizonte, como já tem referido nas suas páginas nas redes sociais, surge depois uma experiência na Austrália ou Nova Zelândia para cumprir o desígnio de trabalhar nos cinco continentes. “Costumo falar dessa situação para fechar em grande a minha actividade no treino. É um objectivo, mas não persigo isso com a ansiedade de querer bater recordes. Ainda não se proporcionou, já houve contactos e estou aqui perto da Austrália. O futuro dirá. Sou um profissional de futebol, estou aberto a todas as possibilidades e ainda acho que tenho margem de evolução. Neste momento, posso dizer que estou muito bem no DPMM, estão a gostar do meu trabalho, estou a ser bem tratado e isso é o mais importante, sentirmo-nos acarinhados e que acreditem no nosso trabalho. Sabendo sempre de antemão, claro, que o que move os treinadores são os resultados”, sentenciou.

*Artigo redigido por Bruno Venâncio, jornalista com passagens pelos jornais “OJOGO”, “Sol” e “I”.

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